Panos, jornal, folhas de papel, papel higiênico, papelão e até pedaços de pão são usados por mulheres brasileiras, que não têm como comprar absorventes, no período em que estão menstruadas. Muitas delas faltam a escola e ao trabalho em mais de uma ocasião. Estudos revelam que uma em cada quatro adolescentes já perdeu aula por não poder comprar o item de higiene e improvisam como podem para conter o fluxo menstrual.
É preciso esse olhar para as meninas com respeito e sensibilidade.
JULIANO BAUNGARTEM
vereador de Farroupilha
Não há números específicos de quantas meninas são afetadas pela pobreza menstrual na Serra. Contudo, pensando em mudar essa realidade, tramitam três propostas similares nos municípios de Caxias do Sul, Bento Gonçalves e Farroupilha. Todos eles preveem que o poder público distribua absorventes a alunas em vulnerabilidade social que estudam em escolas municipais ou a mulheres que são atendidas por programas sociais. A ideia é proporcionar dignidade íntima nas escolas e combater a evasão escolar.
O projeto de Farroupilha é o mais adiantado, sendo que já foi aprovado na Câmara de Vereadores. A votação ocorreu na última terça-feira (14). A proposta agora foi encaminhada ao Executivo para sanção do prefeito Fabiano Feltrin (PP) e, se aprovado, deve entrar em vigor em 90 dias. Na mesma noite, uma proposição semelhante foi aprovada no Senado Federal. O Projeto de Lei 4968/19 determina a distribuição de absorventes a todas as escolas públicas do país, mulheres em vulnerabilidade social, em situação de rua e presidiárias. A proposta foi encaminhada para sanção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Temos que garantir a saúde das meninas, proteger e fazer com que elas não se sintam constrangidas na escola, que elas permaneçam estudando.
DENISE PESSÔA
vereadora de Caxias do Sul
Segundo a proposta federal, os recursos da União serão repassados ao Sistema Único de Saúde (SUS). No caso das mulheres apreendidas e presidiárias, a verba será disponibilizada pelo Fundo Penitenciário Nacional. Se sancionadas, as regras previstas no texto entrarão em vigor 120 dias após a publicação do texto no Diário Oficial da União. Antes do Senado, o texto para o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (PL 4968/2019) já havia sido aprovado na Câmara dos Deputados, em agosto.
Convergência entre o Legislativo e Executivo em Farroupilha
Poucos dias antes da aprovação do projeto do vereador Juliano Baungartem (PSB), o município de Farroupilha enviou uma proposta similar, na sexta-feira (10), para apreciação do legislativo. Em nota, a prefeitura explica que desde fevereiro tem se dedicado ao tema por meio do Gabinete da Primeira-Dama e da Coordenadoria da Mulher. Ainda conforme nota encaminhada pela assessoria de imprensa, o município entende estar no caminho certo, porque Farroupilha está tratando do assunto com a devida importância e relevância que merece, convergindo, inclusive, com outros poderes.
Baumgarten, autor do projeto no Legislativo, ressalta que a ideia não é apenas prevenir doenças, mas também aumentar a autoestima, a dignidade e combater a evasão escolar.
— O projeto irá ajudar as meninas que não têm acesso ao absorvente, que é um item básico de higiene. Elas tendo esse acesso vão se sentir seguras, olhadas com respeito, com dignidade. Vai fazer com que não passem por nenhum constrangimento. É preciso esse olhar para as meninas com respeito e sensibilidade. Sabemos que elas faltam aula por não ter acesso ao absorvente — afirma.
Ele destaca que o projeto foi aprovado pela maioria, apenas com um voto contrário. O vereador trabalhou na proposta por três meses.
— O assunto chamou a atenção depois que vi uma reportagem no Fantástico, busquei informações a nível de Brasil, pesquisei projetos em andamentos, os que já foram aprovados em Câmaras de Vereadores, conversei com professores e diretores. Depois elaborei um projeto voltado a realidade de Farroupilha e encaminhei a procuradoria jurídica do legislativo para então protocolar.
Se o projeto do vereador for aprovado, ficará a cargo do Executivo decidir se os absorventes serão confeccionados pela prefeitura, se terá abertura de licitação para a compra ou campanhas de arrecadação. Logo que protocolou a proposta, o parlamentar também fez um pedido de informações para verificar quantas meninas que estudam em escolas do município estão cadastradas em programas do governo federal.
— Cerca de 500 estudantes estão no Cadastro Único ou em programas federais. Também passei em 17 escolas municipais onde 760 meninas de maneira anônima, as que quiseram preencheram um questionário. Um dos principais pontos foi a empatia das gurias umas com as outras. Nas respostas elas colocaram que o projeto é importante porque tem acesso a absorvente, mas que tem amigas que não tem como comprar e faltam aula. A lei conseguiu ser constitucional por dois pontos: se trata de uma política pública e não obriga o município a executar de uma forma, deixa decidirem qual a melhor alternativa — ressalta o vereador.
Depois, cabe ao município a regulamentação, mas a ideia é que seja entregue nas escolas para que as meninas tenham acesso ao item, sem precisar se deslocar para algum ponto para buscar. Caso o projeto do Legislativo seja vetado e, o do município aprovado, serão beneficiárias do programa meninas de 11 a 17 anos em situação de vulnerabilidade social e estudantes da rede pública municipal ou cadastradas no Centro de Referência em Assistência Social (CRASs). A distribuição dos absorventes higiênicos será nos centros de referência ou em outros locais a critério do município.
Bento Gonçalves avalia incluir absorvente nas cestas básicas
Há cerca de três meses, o vereador Davi da Rold (PP), de Bento Gonçalves, encaminhou uma indicação ao Executivo para a distribuição de absorventes às meninas de famílias que não têm condições de comprar o item de higiene pessoal.
— Hoje, que estão na escola e estão no período menstrual, são cerca de 160 meninas, entre os 12 a 17 anos. Temos mais de 1800 pessoas que vivem com uma renda inferior a R$ 90, por mês, em Bento. Diante disso, fiz a indicação que exige que o município forneça absorventes e como mexe em questões orçamentárias, eu fiz uma indicação para que o Município crie um anteprojeto e e encaminhe para aprovação na Câmara de Vereadores.
Rold ressalta ainda que integra o Renova BR, um grupo de políticos, sem caráter partidário, em que surgiu a ideia de protocolar o projeto.
— É uma ideia que reflete na nossa realidade. Por mais que sejamos uma cidade com índices de desenvolvimento humano, uma cidade com força econômica muito boa temos situações em que precisam melhor muito. Foi uma maneira de trabalhar justiça social e dignidade — defende ele.
O secretário de governo de Bento Gonçalves, Henrique Nuncio, afirma que em junho o assunto começou a ser debatido entre o Gabinete da Primeira Dama, a Secretaria de Desenvolvimento Social, e de Educação e a Saúde. Logo depois receberam a indicação do vereador para que o município encaminhe o anteprojeto para a implantação do programa de fornecimento de absorventes para as alunas da rede pública municipal.
— Estamos fazendo o levantamento junto a Secretaria de Educação para saber a necessidade das escolas, porém, as escolas já nas autonomias financeiras, fazem a aquisição de absorventes para as alunas que estão em dificuldades ou até mesmo as que esqueceram de levar o absorvente. Diante disso, passamos a procurar via Cadastro Único, as famílias que vivem em vulnerabilidade social no município — explica.
Nuncio ressalta que a ideia é incluir os itens nas cestas básicas entregues às famílias que são atendidas por programas sociais:
— O município está adequando o projeto para beneficiar não apenas as meninas, mas também mulheres que não têm acesso. Estamos estuando a possibilidade de incluir os absorventes nas cestas básicas que são fornecidas pelo municípios carentes. Já está em andamento um levantamento para ver quantas mulheres há nas famílias que recebem as cestas básicas e são atendidas pelos programas sociais no município.
"Temos que garantir a saúde das meninas e que não se sintam constrangidas na escola"
Na Câmara de Vereadores de Caxias do Sul, também está em tramitação um projeto sobre o tema. De autoria da vereadora Denise Pessôa (PT), a proposta prevê a distribuição, por parte do poder público, de absorventes ou coletor menstrual para adolescentes em situação de vulnerabilidade social.
Ela explica que é difícil até mesmo levantar o número de meninas que são afetadas pela pobreza menstrual.
— É um assunto delicado e muito íntimo. Conversei com professoras que relatam que as meninas dizem que esqueceram o absorvente, e as escolas mantém alguns itens em estoque para ajudar. Fica aquela dúvida: esqueceu ou não têm dinheiro para cobrar.
Esse questionamento vai ao encontro de dados divulgados por pesquisas que apontam que uma estudante pode perder até 45 dias de aula no ano letivo por não ter absorvente.
— As pesquisas mostram que elas trocam o absorvente uma vez por dia, às vezes, duas. Tem várias situações e não há dados estimados porque acho que nunca olharam para isso com a seriedade necessária. Temos que garantir a saúde das meninas, proteger e fazer com que elas não se sintam constrangidas na escola, que elas permaneçam estudando. A dificuldade de acessar serviços e a pobreza menstrual podem ser fatores de estigma e discriminação, levando muitas vezes à evasão escolar porque tem a exposição e elas se sentem envergonhadas no ambiente escolar — avalia Denise.