O plenário da Câmara de Caxias recebeu na sessão desta quinta-feira (18) a presença do procurador-geral, Adriano Tacca, para esclarecer a contratação do escritório de advocacia José Delgado & Angelo Delgado para atuar na representação do município em Brasília no Caso Magnabosco. A decisão gerou polêmica em razão de o contrato ter sido estabelecido por meio da chamada inexigibilidade de licitação e sob o valor de R$ 500 mil, o que gerou contestações de representantes políticos da região.
A participação de Tacca não estava prevista para ocorrer, o que pegou de surpresa parte dos parlamentares, que exaltaram a disposição do procurador, no entanto, ressaltaram que aviso prévio teria tornado o encontro mais produtivo. Ainda assim, quase todos os parlamentares presentes fizeram apontamentos e perguntas. As principais foram relativas aos motivos da contratação do escritório externo e das perspectivas de possibilidade de negociar o valor da dívida, que hoje já ultrapassa R$ 800 milhões.
Sobre a contratação, Tacca disse que a sugestão originou-se dos próprios procuradores e que a intenção é buscar equilibrar forças com a representação jurídica da família Magnabosco.
— Precisamos ter uma representação para equilibrar as forças nesse processo. A outra parte tem um escritório em Brasília contratado. Está desproporcional. Isso não é demérito nenhum para a nossa Procuradoria, que tem atuado e vai continuar atuando neste e em todos os processos com profissionais de altíssima qualidade. Mas na fase que está este processo e com poucos recursos processuais possíveis, a nossa intenção é levar esse julgamento para o pleno do STJ (Superior Tribunal de Justiça), para sairmos daquele julgamento viciado da turma (Supremo Tribunal Federal/STF) e levarmos para os 33 ministros fazerem esse julgamento. Isso requer uma atuação direta lá em Brasília — defendeu Tacca.
O ato da prefeitura também foi contestado pelo valor empregado na contratação. Tacca, no entanto, reiterou que o valor pode "representar muito dinheiro para Caxias, mas que para parâmetros de Brasília é um valor justo", ressaltando que os honorários compreendem duas ações e permanecem vigentes até o fim do processo, independente do tempo que levar até transitar em julgado.
NOTÓRIO SABER
Com relação à contratação do escritório sem processo de licitação, o procurador ressaltou que utilizou-se o argumento de os representantes possuírem "notório saber". Um dos responsáveis pelo escritório é José Augusto Delgado, ministro aposentado do STJ.
— A lei 8.666, de 1993, cria como regra a licitação, convite, tomada de preços, concorrência, concurso e leilão, mas no artigo 25, inciso 2º, estabelece a possibildiade de contratação por inexigibilidade de licitação, porque não tenho como fazer concorrência entre advogados. E o notório saber do ministro não é comparável a outra pessoa, ele tem esse condão _ justificou.
Esclarecimentos e aval de vereadores
Embora a Câmara seja, em tese, um órgão fiscalizador, quase todos os parlamentares exaltaram a participação de Adriano Tacca na tribuna. Ainda assim, apesar do aval de parte dos parlamentares, em especial o vice-líder de governo, Adriano Bressan (PTB), que disse nunca o histórico do processo ter sido tão detalhado em relato _ sendo que na última legislatura houve ampla exposição e debate, inclusive no Legislativo, sobre o tema _, nem todos os esclarecimentos foram feitos durante a presença de Tacca no Legislativo.
O formato do evento também desfavorece a possibilidade de esclarecimento pleno: após todos os questionamentos, o inquerido tem apenas 15 minutos para responder a todos. No caso da participação de Tacca, foram direcionadas 21 perguntas por parte dos parlamentares. Confira alguns pontos abordados e respondidos pelo procurador.
Recursos cabíveis
"Ainda há possibilidade de embargos no STJ. Esses embargos com efeitos infringentes são efeitos de modificar a decisão do processo, de rescindir, significa tirar o município desse processo e isso queremos levar ao pleno do STJ e, se aí não formos, ainda vamos discutir no STF. Importante que saibam que temos duas ações, uma rescisória e uma de execução da dívida. Essas duas ações estão sendo discutidas no STJ, mas ainda há espaço de discussão no STF, não vamos nos dar por vencidos, estamos equilibrando forças. Hoje o acordo está desproporcional ao município. Não há o que negociar. Podemos até negociar, 'ah, um imóvel', mas terá de passar pela Câmara e qual imóvel?, qual valor?, a família aceita?"
Ex-ministro contratado
"O ministro José Delgado tem 43 anos de profissão, alguém disse na imprensa que ele já está velho. Eu não aceito. Ele é um ministro que teve sua atuação no STJ e continua atuando. O currículo dele tem mais de 50 páginas. Isso nos dá a clareza que a contratação é o profissional ideal. (...) O trabalho requer fazer memoriais, marcar audiência com cada um dos ministros, levar a eles um processo que tem mais de duas mil páginas, pontuar onde está a incongruência da decisão, porque o município não pode ser condenado... Custos de gastos com os processos. Imaginar que toda vez que vou para Brasília são R$ 4, R$ 5 mil. Várias questões que envolvam, o que facilita também um escritório em Brasília."
Negociar com a família
"A atuação da Procuradoria em nenhum momento obsta a qualquer tipo de aproximação ou acordo que venha ocorrer entre os autores da ação, a família, e o município. Inclusive, o prefeito tem dito que em breve estará recebendo a família, de forma política, para um possível entendimento. Mas nós, da Procuradoria, precisamos olhar sob a ótica jurídica e interpor todos os recursos possíveis. Os embargos não obstam a negociação, ela está aberta no campo político. Não estamos brigando com a família, temos de dividir juridicamente o que está se fazendo e politicamente a possibilidade de acordo. Inclusive, esse escritório que está sendo contratado é para tentar também um acordo, mas que tem de ser chancelado por nós. E eles tem expertise nisso, nesses valores, esse tipo de causa.
Procuradoria continua
"Houve pedido, e foi acolhido, para que a procuradoria não fosse excluída de ter acesso aos autos. O que queremos é não passar todos os poderes sem ressalvas para esse escritório. A Procuradoria tem de ter sim essa possibilidade de atuar."
Cláusula de êxito
"Nós contratamos esse escritório com uma cláusula de êxito, que é o que vai fazê-lo trabalhar em prol do município. O Código de Processo Civil permite 3% do valor. E os R$ 500 mil eu entendo que para Caxias do Sul é muito dinheiro, mas para parâmetros de Brasília é um valor justo. Vamos imaginar que essa atuação desse advogado vai ser para seis meses, um ano, cinco anos, 10 anos, 20 anos se for preciso, enquanto durar ele permanece atuando nesses processos. No momento que nós equilibrarmos forças, temos maior poder de tentar um acordo."
As famílias do Primeiro de Maio
"Lá no processo originário há como parte as 67 famílias originárias, só que na hora da execução, como o município foi incluído, escolheram o irmão rico para cobrar e estão cobrando só do município. Mas o município não pode regularizar agora aquele imóvel, pois está se discutindo agora de quem é aquele imóvel. A cobrança, bom, é outra parte. Isso não significa que não iremos assistir os moradores, estou falando processualmente..."
Ex-ministro do STJ que representava o município
"Se excluiu do contrato aquela ação que o Ilmar Galvão (ex-ministro que representou município em ocasiões anteriores) está responsável. Não se sobrepôs a atuação de procuradores. Ele tinha atuação específica e ele ainda continua lá. Processos desse gênero já foram feitos com o ministro Ilmar Galvão, só que nesse passar de tempo houve um certo desinteresse pela causa, temos de buscar outro que seja melhor do que aquele."
Valor reavaliado da dívida
Embora não abordado diretamente por Tacca, vereadores reiteraram apoio em buscar renegociar a dívida com a família Magnabosco nos patamares de valores reavaliados pela prefeitura à área objeto da ação e a incidência de juros do decorrer do processo. Ao Pioneiro nesta semana, o procurador revelou que esse valor na verdade seria de cerca de R$ 129 milhões e não os R$ 800 milhões requeridos. "Nós chegaríamos então a um valor atualizado em 1° de novembro de 2020 no montante de R$ 129.523.171,52. Esse é o valor que temos apurado para a referida ação. Há uma divergência muito grande de valores do que é entendido como devido e do que se fala", ressaltou Tacca.
Vereadores sugerem cobrar valor de famílias do Primeiro de Maio
Embora não seja assunto em discussão, para os vereadores Adriano Bressan (PTB), Gladis Frizzo (MDB) e o presidente da Câmara, Velocino Uez (PTB), os valores da dívida deveriam ser cobrados dos moradores do bairro Primeiro de Maio.
— Temos sim de adquirir essa área e depois, sim, que essas famílias tenham a responsabilidade de pagar os seus terrenos, ter as suas escrituras, que escritura é dignidade. Obviamente que são valores que sejam justos e não esses valores que jamais uma família tenha condições de pagar por esse terreno — defendeu Bressan.
Já Gladis também ressaltou a criação de uma forma de cobrança à comunidade, embora tenha pontuado críticas ao poder público e também à postura de alguns vereadores:
— Acredito que os moradores também devem pagar por esses terrenos, numa linha de remuneração, de quanto ganha, renda familiar... E o município também tem a sua culpa, pois quando denunciamos obras irregulares é para evitar esse tipo de problema futuramente e a gente sabe também que tem, desculpa vereadores, mas que prometem mundos e fundos para se eleger e isso infelizmente acontece no Primeiro de Maio e nós infelizmente vamos pagar essa conta.