Há um samba de Dona Ivone Lara que entoa: "Foram me chamar, eu estou aqui, o que é que há?". Tanto a canção quanto a artista são citadas pelo vereador eleito de Caxias do Sul Lucas Caregnato (PT) como inspirações para sua trajetória, que a partir do próximo ano lhe consolidará como um político de atuação institucional na Câmara Municipal. O que difere, no entanto, do refrão mencionado é que a investida de Lucas ao cargo eletivo não se deu a partir de um chamado, tratou-se de uma construção natural. Morador do bairro Planalto desde pequeno, Lucas teve seu primeiro envolvimento político de forma indireta, na própria comunidade, antes mesmo de adquirir consciência política. Participava das atividades da Paróquia Cristo Operário (no Planalto) junto com seus pais adotivos, Italino e Maria Edrolina. Iniciou ali, o que denomina de "formação cidadã". Ao longo dos anos, a comunidade paroquiana daquela região foi incentivada por padres como Roque Grazziotin, Olavo Bombardelli, Gilmar Marquesini, Adilson Zílio e Renato Ariotti.
Também quando pequeno, foi introduzido ao meio político, de forma despretensiosa, mas que refletiria na sua eventual transformação em agente político.
— Uma das minhas madrinhas de batismo é uma das fundadoras do PT em Caxias, e ela me levava para participar das atividades partidárias. Eu não entendia a lógica do partido, mas sentia a importância daquele espaço, a política como uma possibilidade de transformação na vida das pessoas — relata Lucas.
Foi na adolescência, no início dos anos 2000, entretanto, que Lucas vivenciou momento divisor de águas: a participação no Fórum Social Mundial, promovido em Porto Alegre na ocasião:
— Conhecer aquela gama de pessoas, que discutiam e pensavam em temas relacionados à igualdade, antirracismo, meio ambiente, combate às intolerâncias, aquilo fazia palpitar muito meu coração.
Lucas então passou a militar no movimento estudantil secundarista, foi vice-presidente da Uces (União Caxiense de Estudantes Secundaristas) e ingressou, vindo a se formar, em História pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) em 2007. Desde então, Lucas atua como professor, ultimamente exercendo a docência para anos finais do Ensino Fundamental em escolas públicas. É a experiência acumulada como professor e as vivências comunitárias e sociais que fizeram Lucas perceber — a partir de construção de um coletivo, ele menciona — que a candidatura à Câmara era o próximo passo. E, na sua primeira tentativa, acabou eleito com 1.728 votos. Político negro em uma cidade de predominância branca e origem italiana, Lucas assume para si o papel de reverter sua formação na dedicação do exercício parlamentar:
— Sou um professor vereador, sou negro, pesquisador, gosto muito de samba, tenho experiência da minha profissão, dos espaços onde atuei. Isso tudo contribui para a gente pensar num mandato representativo que estabelece uma série de pontes que resultam em políticas públicas.
"Não só" do Planalto
Embora tenha participação comunitária mais efetiva na região do bairro Planalto, Lucas assegura que sua atuação terá dedicação para toda a cidade:
— Entendo que nós, vereadores, eventualmente somos eleitos com votação mais expressiva num bairro ou no outro, mas sou vereador da cidade. Logicamente que eu vou ter um carinho maior pelo Planalto e também pelo Santa Fé, onde trabalhei durante vários anos. Mas as propostas que eu apresento são para a cidade.
Contexto oportuno
Lucas reitera a importância de Caxias contar, pela primeira vez, com uma bancada de três vereadores negros. O momento, segundo ele, configura-se como uma oportunidade de avançar nas políticas públicas representativas.
— A eleição de 2020 demonstra uma mudança, que é pequena, pontual, mas que é visível e expressiva. Parte do eleitorado optou por eleger vereadores negros com pautas que abordam a representatividade. Portanto, o grande desafio do próximo período é tornar o Legislativo um espaço sagrado da democracia, que promova o respeito à tolerância, combate a qualquer tipo de discriminação, com exemplo na formulação de políticas públicas e na atuação dos vereadores — defende.
Pesquisador e referência local em temas como a história do negro na região e o próprio racismo estrutural brasileiro, Lucas ressalta que a representatividade que a bancada exercerá e o contexto eleitoral tornam primordial a atenção ao enfrentamento do tema.
— Não acho que Caxias é mais ou menos racista que as demais cidades. A gente vive num país que o racismo social se impõe em todos os setores, inclusive na política. Por isso, precisamos estabelecer políticas públicas que promovam o respeito pela diversidade e o antirracismo.
Formam a "bancada negra" junto com Lucas as vereadoras Estela Balardin e Denise Pessôa — todos do PT.
QUEM É
- Perfil: 35 anos. Morador do bairro Planalto desde que nasceu. Formado em História, tem especialização em história regional, é especialista em direito educacional, mestre em história e atualmente cursa doutorado em Educação. Professor há 13 anos.
- Trajetória: primeira vez que concorreu e se elegeu. Atua como coordenador do Núcleo de Acolhimento à Diversidade da UCS e é o atual presidente do Conselho Municipal de Educação. Na sua formação, militou em movimentos estudantis e foi vice-presidente da União Caxiense dos Estudantes Secundaristas (Uces).
- Referências: Zumbi dos Palmares, Paulo Freire, Paulo Paim, Dona Ivone Lara e Emicida.
- Pessoal: pai de José Artur, de seis anos, entusiasta de samba, culinária e literatura.
Propostas
Lucas Caregnato destaca o que pretende priorizar em seu mandato
Educação
"Entendo que Caxias, sendo a segunda maior cidade do Estado com mais de 80 escolas de Ensino Fundamental, Caxias precisa avançar. Precisa dar conta das vagas de Educação Infantil, é uma demanda que o Executivo precisa atender, mas o Legislativo fiscalizar. Tudo que se refere à oferta de vagas, qualificação, ampliação de escolas, formação de professores, pensar a infância além do espaço escolar, à saúde, à assistência social. No Ensino Fundamental, Caxias do Sul precisa da ampliação de escolas, temos muitos bairros em que a demanda de vagas é enorme. Precisamos valorizar os professores. Aumentar a bandagem de acesso à internet nas escolas."
Cultura
"Valorização dos artistas locais, da arte produzida nos bairros. Ampliação dos equipamentos para que jovens da periferia possam expressar a sua identidade, cultura, música, dança."
Saúde
"Caxias precisa de plano de vacinação que combata a covid e faça com que as pessoas tenham tranquilidade para o próximo período. Além de investimentos pesados na atenção básica e reformas de UBSs."
Antirracismo
"Só conseguimos viver numa cidade mais feliz partindo de políticas públicas que promovam o respeito pela diversidade e o antirracismo. Já que é um tema que eu estudo, muitas pessoas pedem se eu acho que Caxias é mais racista do que as outras cidades. Eu digo que não, Caxias é uma cidade intolerante como as demais, mas precisamos de políticas públicas e um parlamento atento para isso. Uma ouvidoria antirracismo onde as pessoas possam denunciar essas atitudes e que o poder público, seja Executivo, Legislativo ou Judiciário, possa empreender práticas que contribuam com o antirracismo."