Os boatos sobre a vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (PSOL), assassinada há duas semanas, como o de que ela era casada com traficante, escancararam um grave problema da atualidade: as fake news. O fenômeno também chegou com força a Caxias do Sul na última semana, após o desfecho trágico do desaparecimento da menina Naiara Soares Gomes, estuprada e morta. Um áudio espalhou a notícia falsa de que a Comissão de Direitos Humanos do Legislativo caxiense estava envolvida na defesa do homem que confessou o crime.
Diretora da Lupa, primeira agência especializada em fact-checking (checagem de fatos) no Brasil, Cristina Tardáguila fala, nesta entrevista, sobre o fenômeno, suas consequências e como combater as fake news. E prevê: notícias falsas virão aos montes durante as eleições desse ano. Confira:
Pioneiro: Como se diferencia o que é informação verdadeira e o que é falso?
Cristina Tardáguila: A informação verdadeira está baseada em dados que são comprováveis. Você tem que identificar esse tipo de conteúdo dentro da frase, da imagem, do vídeo, daquilo que você estiver analisando. Tem que ver se os dados que estão sendo ditos ali realmente estão embasados em alguma outra fonte de informação crível. Normalmente a informação verdadeira é desprovida de opinião. Ela é um fato, não uma opinião. Tende a ser verdadeiro o que é atual, porque a gente tem visto muitas informações velhas voltando à tona. É preciso ficar atento à data da informação.
Por que os boatos se espalham com tanta facilidade nas redes sociais?
Porque normalmente dialogam com gostos, crenças ou desejos das pessoas. Quero muito, por exemplo, que seja verdade que a Kopenhagen está dando de presente ovo da Páscoa, porque sou gordinha e gosto de chocolate. Fico animada, não duvido, curto, desejo que seja verdade e acabo compartilhando. Esse é o principal drive da notícia falsa, apelar para aquilo que as pessoas acreditam, desejam, gostam. Aí, mobilizando essa parte, o racional fica de lado.
Que efeitos fake news podem causar?
Até matar. Em 2014, a Fabiane de Jesus, aquela moça no Guarujá, retirada de casa a chutes, acabou morrendo porque os vizinhos acharam que ela se parecia com o retrato falado que tinha sido postado no Facebook dizendo que aquela mulher praticava magia negra com crianças. As pessoas, em nenhum momento, pararam para pensar que não era necessariamente a Fabiane. É um grande exemplo de fake news no Brasil, e a Fabiane morreu. A gente já teve linchamentos no Rio de Janeiro. Um WhatsApp circulando dizendo que um casal em um carro branco estava sequestrando crianças. Cercaram um carro branco qualquer com um casal dentro e destruíram o carro a paulada e nunca ficou comprovado que as pessoas estavam ali para praticar algum tipo de sequestro. Saindo do Brasil, tem o caso do professor canadense que foi acusado de ser o terrorista por trás dos atentados de Nice, na França, sem nunca ter ido lá. Ele morava no Canadá, teve uma foto roubada e adulterada na internet e passou a ser o terrorista da França. Todos corremos riscos de termos uma selfie roubada e adulterada, de alguém criar uma notícia falsa.
Como as pessoas podem se proteger?
Número um: duvide. Duvide de todo mundo. A gente tem tendência a acreditar em mãe, pai, irmão, professor, pastor, padre. A gente tende a acreditar nos amigos e não necessariamente a informação que você recebe deles é verdadeira. Eles continuam sendo pessoas simpáticas, bacanas e tal, mas, caramba, podem estar, sim, reproduzindo informação falsa. Então, primeiro: duvide. Segundo: na dúvida, não passe adiante. Só pode passar adiante o que temos certeza que é verdade.
Que tipo de cuidados as pessoas devem ter para não virar vítima de fake news?
Olha, postar menos (risos). A gente está em um momento de ultraexposição de tudo e todo mundo e tem um preço. Esse professor canadense, por exemplo, nunca imaginou que teria uma selfie roubada. Colocaram um colete de bomba no cara, inventaram seu discurso. Não se sabe quem fez, por que fez, mas fizeram. A gente está vendo o caso da desembargadora (Marília de Castro Neves Vieira publicou em seu perfil que a vereadora Marielle havia sido eleita pelo Comando Vermelho). Hoje, está sendo investigada pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Sempre que postar alguma coisa, ter presente que aquilo pode ser usado por qualquer um da forma que quiser. Um pouco mais de privacidade, talvez, né?
O que esperar das eleições?
Caos.
As fake news podem mudar o rumo da eleição?
Checador não fala nada sem estar baseado em dados. Não existe nenhuma pesquisa que mostre que uma notícia falsa mudou o resultado das eleições. Tem suspeita. O que acho que vai acontecer nas eleições? Vamos ver fábricas de notícias falsas. Não só fontes oficiais, mas fontes não oficiais produzindo informações e tentando disputar uma narrativa. Esse vai ser o grande desafio do eleitor: primeiro, entender que há essa disputa e segundo, ultrapassar a barreira e investigar por si próprio. Ele vai ter que distinguir, porque ninguém vai falar para ele. Vai ter que desenvolver a habilidade de duvidar e fazer uma miniapuração.
Para combater as fake news é isso, duvidar.
Duvidar, duvidar, duvidar, duvidar. E depois, não compartilhar, não compartilhar, não compartilhar, não compartilhar. Na dúvida, não compartilhar, não compartilhar. Em décimo lugar, estudar um pouquinho. A gente está com um projeto com o Canal Futura que chama Fake ou News (fakeounews.org). A gente coloca lá várias dicas de como checar o seu próprio conteúdo. No caso de uma imagem, como faz. No caso de um texto, como faz. No caso de um gráfico.
Qualquer cidadão pode checar uma informação?
Qualquer um. Não precisa ser jovem, jornalista, não precisa ser bom de internet. Tem que ter a vontade de checar. E o ponto número um, não se deixar levar pela coisa que te falei antes: Se eu receber agora uma notícia de uma loja com ovo de Páscoa a R$ 1, espera, respira, pensa, será possível, essa informação é de hoje, será que tem outro meio de comunicação informando isso também, será que eu tenho o telefone desse lugar para ligar e checar?