Despertar a consciência crítica dos jovens. Essa é uma das missões do frade dominicano e escritor de 60 livros, Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, que tem como propósito de vida um provérbio: guarde o pessimismo para dias melhores.
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O religioso também é conhecido pelos trabalhos de consultoria de movimentos sindicais e sociais, e atuou como coordenador de Mobilização Social do Programa Fome Zero, no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Preso por quatro anos durante o regime militar, Frei Betto afirma que continua atuando pelas mesmas lutas, como a redemocratização do país e a redução da desigualdade social. Ele comenta sobre os acertos e os erros dos governos do PT e diz que a democracia brasileira foi “estuprada” com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Amanhã, Frei Betto apresenta na Universidade de Caxias do Sul (UCS), às 20h, a palestra A Mística Cristã e a Defesa da Vida, que pretende analisar a conjuntura do país e “injetar um pouco de esperança nas pessoas”.
Confira a entrevista concedida na terça-feira, por telefone.
Pioneiro: O senhor teve destaque na luta contra a ditadura. Quais são as suas lutas atualmente?
Frei Betto: Minhas lutas seguem as mesmas. A democratização deste país, a redução da desigualdade social, a pregação da palavra de Deus, a assessoria de movimentos pastorais. Continuo assessorando movimentos sociais e escrevendo muito, disseminando ideias que eu considero positivas e que podem, sobretudo, ajudar a despertar a consciência crítica dos mais jovens.
Qual a sua análise sobre a democracia brasileira?
Hoje, ela está extremamente estuprada pelo golpe que houve do presidente Temer. É um presidente ilegal, ilegítimo, apoiado por uma corja. Estamos sendo governados por uma quadrilha. Quase todos os ministros e deputados que apoiaram (o Temer) estão acusados na Justiça e o país está retrocedendo cada vez mais. Retrocedeu pela Reforma Trabalhista e, se essa Reforma Previdenciária, for aprovada, é muito grave porque são conquistas que vêm desde o início do Século 20 a duras penas. Por outro lado, o governo só tem 5% de aprovação. Daqui a pouco, ele vai ter menos 5%, vai faltar índice para desaprovar esse governo que já é considerado entre péssimo e ruim por 95% dos brasileiros.
Esse é o pior momento desde a redemocratização do país?
Sem dúvida nenhuma. Houve um golpe parlamentar, mas um golpe. Havia uma presidente democraticamente eleita, constitucionalmente empossada e o seu vice deu uma rasteira com apoio de um seguimento do Congresso Nacional. Quebraram a cara, aqueles que foram para as ruas e que bateram panela esperando que, com a saída da Dilma, as coisas melhorariam. Agora ficam calados e com o rabo entre as pernas. Estão constrangidos porque o que temos aí é muito pior que o governo Dilma. Eu também não morria de amores pelo segundo governo Dilma, embora considere que o primeiro (governo) dela e os dois do Lula foram os melhores da nossa história republicana, mas pondero que cometeram muitos erros, que aponto nos meus dois livros, A Mosca Azul e Calendário do Poder.
Qual a sua opinião sobre a marcha nazista nos Estados Unidos?
É o caldo de cultura criado pelo governo (Donald) Trump. É muito lamentável em pleno Século 21, depois de tudo que conhecemos da história do nazismo, de Hitler, dos fornos crematórios e dos campos de concentração, que haja seguimentos racistas, xenofóbicos, homofóbicos. Todo o tipo de preconceito e de discriminação é condenável. Temos que parar para pensar que tipo de mundo estamos construindo para as futuras gerações. Essa é uma cultura violadora dos direitos humanos mais fundamentais. Ninguém escolhe a família, a nação, a classe social e muito menos a cor da pele com a qual vai nascer. Para eliminar isso (o preconceito), precisamos lutar duramente, cotidianamente, contra toda forma de preconceito e discriminação. Somos a segunda nação com o maior número de negros, só perdemos para a Nigéria, mas o preconceito não aparece tão acentuadamente aqui porque os negros, além de sofrerem discriminação racial, são pobres. Se tivessem maior poder aquisitivo, seria mais notório.
Como o senhor avalia a participação de representantes das igrejas na política?
Acho que todo mundo tem direito a estar representado na política. A única coisa é que não podemos confessionalizar a política, seria um retrocesso. A Igreja Católica já cometeu esse erro na Idade Média, acabou em inquisição e foi um desastre. E muito menos as igrejas podem se transformar em partidos políticos, com bancadas de pastores e padres, isso seria um atentado à democracia brasileira. Não há ninguém que não faça política.
Quais foram os principais acertos do governo do PT?
Os principais acertos foram a redução da desigualdade social que tirou 40 milhões de pessoas da miséria, a soberania brasileira na política externa, o programa Bolsa Família, embora eu preferisse o Fome Zero, que tinha um caráter mais emancipatório, a desetilização das universidades brasileiras, o programa Luz para Todos e manter o salário mínimo corrigido a cada ano acima da inflação. Tem também o programa de cotas nas universidades. Tudo isso foi extremamente positivo, mas alguns equívocos foram cometidos.
Quais foram eles?
Líderes dos governos se envolveram em corrupção, alianças promíscuas com partidos, que inclusive eram tradicionalmente contrários ao governo. Ter priorizado o acesso da população aos bens pessoais. Você vai a uma favela e lá dentro tem computador, TV a cores, fogão, geladeira, microondas e até um carro, mas não temos educação, saúde, transporte coletivo, segurança, cultura. O governo deveria ter priorizado o acesso da população aos bens sociais, e não aos bens pessoais. Com isso, se criou uma nação de consumistas e não de protagonistas políticos.
Qual a contribuição dos movimentos de rua para a política do país?
O movimento de 2013 é bastante emblemático. Eram milhares de pessoas, a maioria jovem, nas ruas do Brasil e não havia bandeira de nenhum partido, nenhum orador e detalhe: um grande protesto e nenhuma proposta. As forças políticas brasileiras, lamentavelmente, não souberam sintonizar com essa manifestação de 2013 e, portanto, ela acaba sendo um caldo de cultura para que a qualquer momento surja um pretenso messias para tirar o Brasil do buraco. Tenho enfatizado que não podemos pendurar a nossa esperança apenas nas eleições de 2018.
Como o país pode se recuperar dessa crise ética e moral?
Temos que votar com a maior consciência no próximo ano analisando a vida pregressa dos candidatos. O importante é voltarmos ao trabalho de base que aconteceu nos anos 1970, 1980 e 1990 para fortalecer o empoderamento popular e os movimentos sociais. Isso que considero prioritário no Brasil.