As críticas da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) às propostas das Reformas da Previdência e Trabalhista apresentadas pelo governo do presidente Michel Temer (PMDB) trouxe a Igreja Católica novamente para o centro das principais discussões do país. Diferentemente de outros bispos, o responsável pela Diocese de Caxias do Sul, dom Alessandro Ruffinoni, preferiu se apoiar na manifestação da CNBB por não conhecer "perfeitamente" a história do país.
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Em entrevista concedida na quarta-feira à tarde, horas antes de eclodirem as graves denúncias contra o presidente Michel Temer, Ruffinoni comentou sobre ética, justiça social e o momento da política brasileira. Ele criticou o impeachment da presidente Dilma Rousseff e como as reformas estão sendo discutidas, ambas as decisões sem a participação da população.
Ruffinoni também incentivou a participação dos católicos na política e falou sobre sua aposentadoria, que está prevista para o próximo ano. Confira.
A Igreja Católica teve papel importante na luta pela justiça social no Brasil. Como é a atuação nos dias de hoje?
Cheguei da assembleia geral dos bispos que aconteceu em Aparecida (São Paulo) e refletimos sobre a situação política, social, ética e moral do país. Às vezes, enviamos nota escrita ao povo ou autoridades para manifestar o pensamento da igreja sobre o país. Agora, por exemplo, estamos em uma situação bastante delicada e diante de um mal-estar geral, de corrupção. Lamentamos os muitos casos de corrupção.
A dignidade dos mais pobres está em risco?
Não sei dizer exatamente se está em risco, mas sem dúvida quem sofre mais diante dessa situação são sempre os pobres. Tem menos trabalho, e o pobre tem menos recursos e menos poupança para resistir a uma crise por longo tempo. É o pobre que mais sofre as consequências da miséria e da corrupção.
Como o senhor vê o clima de ódio e intolerância na internet?
Nossa reação imediata é sempre de condenar os outros. Deveríamos ter um equilíbrio um pouco maior e ter um bom senso. Somos livres e cada um expressa a sua opinião a partir da sua fé, da sua situação social e da sua religião, mas seria interessante que todos tivessem a ideia de que é verdade aquilo que estão lendo.
A relação entre a Igreja e a política é antiga. Como a Igreja se comporta atualmente?
A Igreja sempre favorece a participação na política. A política em si é uma coisa boa, é um serviço, é uma maneira de amar e de servir. A Igreja não indica candidatos de nenhum partido. Apoiamos que os católicos se dediquem e se preparem para a política. Muitos políticos saíram das nossas instituições, colégios e seminários, então deveriam ter uma boa formação. Mas às vezes o tempo e a experiência levam as pessoas a perder algum valor que aprendeu ou, talvez, nós não conseguimos transmitir os valores de uma maneira mais profunda que ficasse no coração e na mente desses políticos. Insistimos que os católicos não se neguem a participar e se candidatar para fazer política.
A CNBB e diversos bispos apoiaram movimentos contrários às reformas da Previdência e Trabalhista. Por que essa iniciativa da Igreja Católica se fez necessária?
É um apoio a tudo que está sendo discutido no Senado e na Câmara. Alguns bispos se pronunciaram e cada bispo é livre para falar aquilo que achar oportuno na sua diocese. Não temos censuras, mas em geral a orientação é que, quando queremos falar em nome da Igreja, é melhor que a gente espere o documento oficial da CNBB. Tem alguns bispos que se pronunciam de uma forma mais forte e que se identificam mais com o social.
O senhor costuma fazer essa manifestação ou prefere que venha por nota oficial?
Sou estrangeiro. Estou há 47 anos no Brasil, também sou brasileiro, mas, pelo respeito e por não conhecer perfeitamente a realidade (do país), prefiro me apoiar no parecer da nota oficial. Não adianta condenar uma situação (no Brasil) quando no meu país (Itália) tem coisas piores.
Qual a sua opinião sobre o impeachment da presidente Dilma e a ascensão de Temer?
Esse foi um fato muito difícil. O impeachment não foi popular. A Câmara dos Deputados que aprovou o impeachment e depois foi aprovado pelo Senado. Agora tem essa reação popular porque o povo não está participando de debates importantes como o da Previdência, das leis do trabalho e da terceirização. Seria melhor um debate mais amplo e mais popular. Aprovamos a greve, mas não aprovamos a confusão e a destruição. A greve é um direito que todo mundo tem.
A Igreja e o governo reconhecem.O presidente da CNBB, dom Sergio da Rocha, disse que o país “precisa de um novo jeito de fazer política”. Que jeito é esse?
Escutando mais o povo. O novo jeito de fazer política é não olhar só o bem de algumas categorias, mas o bem geral, de toda a nação. O novo jeito de fazer política significa não só olhar o lucro, mas olhar a pessoa.
Qual sua avaliação sobre o adiamento da Festa da Uva?
Muita gente não tem a visão de quanto é gasto com essa festa. Quem está na organização, pensa se pode fazer essa dívida. Talvez não tenha força para fazer no próximo ano e começa agora a preparação. Talvez seja melhor esperar mais um ano e fazer melhor, diferente, de outro jeito, com pessoas com novas ideias. Vamos confiar nas pessoas que estão aí.
O senhor vai se aposentar no próximo ano. O que pretende fazer?
Estou esperando com alegria. Ainda tendo saúde e é bom ter caras novas e bom ter um bispo mais jovem, que tenha mais energia, mais criatividade e mais entusiasmo. Apesar que não me falta entusiasmo. Continuarei como bispo servindo a diocese, não mais ao governo da diocese, continuarei ajudando na simplicidade em uma paróquia ou em uma instituição.
E já entregou a sua carta de renúncia?
Vou esperar o próximo ano. Isso não me proíbe de pedir um bispo coadjutor desde agora. Estou pensando nisso para que ele fique comigo dois, três, quatro, cinco meses para conhecer a realidade.