Aprovada em primeiro turno nesta semana, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, a chamada PEC do Teto de Gastos, deve retornar à pauta da Câmara dos Deputados para segunda votação no final do mês, provavelmente no dia 24 ou 25.
A proposta, que estabelece um limite para o aumento dos gastos públicos pelos próximos 20 anos, foi enviada ao Congresso pelo presidente Michel Temer em junho, quando ele ainda era interino.
A PEC é polêmica por incluir no teto investimentos e gastos em saúde e educação, que serão reajustados somente pela inflação oficial dos 12 meses anteriores. O objetivo é conter o aumento da despesa primária (gastos com pessoal, custeio e investimentos), que, segundo o governo, cresceu 6% acima da inflação entre 2008 e 2015.
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Contrário à medida, o presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Rio Grande do Sul, Francisco Ferrer, prevê dificuldades no atendimento com a aplicação de um limite para os recursos.
Ele destaca que existe defasagem de muitos anos na base de cálculo que envolve correção no financiamento e isso tende a piorar se a PEC for aprovada:
_ A única coisa que a proposta traz de novo é que ela antecipa o valor de 2018 para 2017, o que agrega R$ 9 bilhões a mais no orçamento do ano que vem. Mas, efetivamente, isso não é a solução, porque nos anos subsequentes permanece a reposição inflacionária numa base de cálculo absolutamente insuficiente para a necessidade da rede.
Para o prefeito de Farroupilha, Claiton Gonçalves (PDT), a proposta de emenda deveria ter sido melhor discutida antes de ser enviada à Câmara. Se aprovada, os investimentos irão diminuir e a responsabilidade dos municípios vai aumentar, acredita.
_ Esse teto vai congelar as despesas do governo federal em ações que são fundamentais para o desenvolvimento. Você não constrói cidadania sem saúde, educação e segurança _ diz.
O QUE DIZEM LIDERANÇAS E ESPECIALISTAS DA REGIÃO
"É uma tragédia para a educação. Vai significar o fim do Plano Nacional de Educação, que tinha fixado 10% do PIB em investimentos até 2024. Vai significar um grande encolhimento nos programas de incentivo aos estudos, seja acesso à universidade e à educação básica. Acho que compromete as metas tanto da universalização da escola infantil quanto do ensino médio. A primeira grande diretriz do Plano de Educação é erradicar o analfabetismo até 2024. São 13 milhões de analfabetos. De onde vão tirar dinheiro para isso? O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) fez um estudo de que só da saúde serão tirados, neste período de 20 anos, R$ 731 bilhões, o que significaria um prejuízo enorme para o SUS. Nós temos todos os compromissos assumidos na Conferência Nacional de Educação que é de constituir um sistema nacional de educação. É outra coisa que vai ser afetada. A gente está vendo com muita preocupação, e o Estado brasileiro vai cometer um erro com repercussões não para 20, mas para 40 anos. A PEC é um grande risco para a infância, porque afeta saúde, educação e assistência. Ela representa um risco para a cidadania brasileira." Delcio Antônio Agliardi, mestre em Educação, professor e membro do Observatório de Educação da Universidade de Caxias do Sul (UCS)
"A PEC causa um congelamento em investimentos, principalmente em educação e saúde. A forma como estão divulgando essa PEC é como corte de gastos, o que a gente concorda. O que a gente não concorda é onde esse corte de gastos está acontecendo. A gente concorda que estamos passando por uma crise e precisamos cortar gastos, mas acreditamos que reter gastos em educação e saúde, que são básicos, não seria a solução. Por isso, estamos protestando, pois não estamos de acordo com essa medida. Acho que (vai impactar) não só no Instituto Federal, mas em toda a rede federal, em outras escolas, hospitais. No momento em que tu coloca um teto de gastos, tu acaba restringindo certas coisas. Tu não pode construir, por exemplo, uma infraestrutura melhor, tu não vai comprar equipamentos, porque não vai ter verbas". Angélica Stefan Ditadi, presidente do Grêmio Estudantil do campus de Farroupilha do Instituto Federal de Educação (IFRS)
"A base de cálculo que envolve qualquer correção no financiamento da saúde já é absolutamente subfinanciada. Existe uma defasagem de muitos anos e, com a proposta da emenda, isso tende a agravar o problema. Não há previsibilidade de recomposição dessa base de cálculo do refinanciamento. A única coisa que a proposta traz de novo é que antecipa o valor de 2018 para 2017, o que agrega R$ 9 bilhões a mais no orçamento do ano que vem, mas efetivamente isso não é a solução, porque, nos anos subsequentes, permanece a reposição inflacionária numa base de cálculo absolutamente insuficiente para a necessidade da rede. A preocupação no todo, e Caxias não é diferente, são os tetos físicos e orçamentários negociados. Os tetos físicos são os quantitativos de atendimento e os orçamentários são os valores utilizados para ressarcir os serviços. A preocupação é essa, inclusive que os atendimentos de saúde a nível básico possam não ser atendidos também, e com repercussão no nível secundário, que é o atendimento ambulatorial e, em última instância, o próprio atendimento hospitalar nas suas cirurgias eletivas e outras situações. Existe uma preocupação, face o contexto de subfinanciamento hoje existente, sabidamente insuficiente para atender à demanda que ai está, com um atendimento com qualidade e quantitativo exigido. E a proposta de emenda na recomposição de apenas a inflação, com essa base ínfima, não traz segurança de que sejam atendidos os serviços. Sabemos que o governo tem defendido a racionalização e a economia do serviço no que tange a menos consumo de medicamentos, novas negociações por parte de gestores públicos. Isso entendemos que é uma excelente iniciativa, reduz o custo da saúde, mas efetivamente, se não trouxer a discussão para um patamar de receita adequada, não vai resolver, e aí há risco de redução de serviços." Francisco Ferrer, presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do RS
"A PEC nos pegou de surpresa, visto que os orçamentos dos últimos anos já vinham tendo cortes e à medida que há um congelamento dos investimentos. Embora o governo sinalize que, na educação e na saúde, passa a valer somente a partir de 2018. Num primeiro momento, a curto prazo, o impacto pode ser bastante pequeno. Mas com o passar dos anos, como a PEC é para 20 anos, o que isso significa? Significa que a população vai aumentar. Há pouco tempo, o IBGE apresentou um novo índice de quantos somos no Brasil e quantos seremos em 20 anos e como isso vai se configurar a medida que vamos chegar a uma população de 240 milhões brasileiros. Se você levar em consideração os próximos 20 anos em que teremos um aumento de 35 milhões de brasileiros e não vai haver o investimento maior, acredito que os serviços públicos vão entrar num colapso ou a população vai deixar de ser atendida. Se os recursos hoje já não atendem à demanda dos serviços necessários, daqui a médio e longo prazo o impacto vai ser muito maior, e isso vai repercutir diretamente no orçamento. Para o próximo ano, estamos com o mesmo orçamento (no IFRS). Mas o impacto mesmo a gente só vai sentir a médio e longo prazo. Hoje estamos com 1 mil alunos. Vão ingressar 400. Seremos 1,4 mil no ano que vem. Até 2020, teremos praticamente 2 mil alunos. E se a gente atender 2 mil alunos com orçamento de 1 mil, a gente vai ter de ver como vai dar conta." Vitor Schlickmann, diretor de ensino do campus de Caxias do Sul do Instituto Federal de Educação (IFRS)
"Acho que são medidas muito duras para escassez de discussão em nível nacional. Nós poderíamos ter discutido essa questão antes de ser tomada essa decisão. Entendo que nós estamos vivendo uma dificuldade muito grande do ponto de vista político e econômico do nosso país, mas uma proposição de emenda constitucional nem sempre, sem ter a maturação necessária numa discussão ampla e pública, agrega. Muitas vezes, ela distorce alguns veios de desenvolvimento, principalmente a questão da saúde e da educação. Sem se falar numa reforma ampla, uma reforma administrativa na questão dos recursos, nós não podemos falar em emendas que façam cerceamento, já que cada vez mais a responsabilidade da saúde, da educação e da segurança está sendo do município. A gente acha que a diminuição do investimento vai aumentar a responsabilidade do município. Esse teto vai congelar as despesas do governo federal em ações que são fundamentais para o desenvolvimento. Você não constrói cidadania sem saúde, educação e segurança. Há, sim, uma fala de que a saúde teria um pouco mais de recursos, mas esse um pouco mais fica muito aquém do recurso que seria minimamente necessário." Claiton Gonçalves, prefeito de Farroupilha
* A reportagem tentou, ainda na quinta-feira, contato com o prefeito de Caxias do Sul, Alceu Barbosa Velho, mas, conforme a assessoria de imprensa, ele não tinha horário em sua agenda para entrevistas.
O que é a PEC 241?
A partir de quando passariam a valer as novas regras?
A partir de 2017, com exceção das despesas com saúde e educação, para as quais o cálculo passaria a valer a partir de 2018. Essa exceção foi criada porque os gastos com saúde e educação, hoje, são calculados com base na receita, e a receita federal caiu muito neste ano.
Os gastos mínimos com saúde e educação serão alterados?
Sim. Hoje, os pisos para despesas com saúde e educação são vinculados à receita do governo. Quando se arrecada mais, o investimento aumenta. A PEC prevê gasto mínimo de 18% da arrecadação para educação e 15% para saúde o ano que vem e, a partir de 2018, correção desse piso pela inflação do ano anterior. O governo argumenta que isso protege os orçamentos das duas áreas. Críticos da medida sustentam que, se o piso foi limitado à inflação, e o PIB voltar a crescer, os gastos representarão um percentual cada vez menor do PIB.
Algum tipo de gasto fica fora da medida?
Sim. A PEC limita apenas as despesas primárias do governo, ou seja, não impõe restrições ao pagamento de juros de dívida. Também ficam fora, por exemplo, as transferências constitucionais para Estados e municípios, a complementação do Fundo da Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
É possível rever as regras antes de 20 anos?
Sim. O projeto prevê a possibilidade de mudança no modelo de correção das despesas a partir do 10º ano de vigência da nova lei.
A PEC terá impacto sobre o salário mínimo?
É possível. Se os gastos do governo atingirem o teto previsto na emenda constitucional, uma das restrições previstas pelo artigo 104 da proposta é impedir o aumento do salário mínimo acima da inflação.
A PEC atinge quais poderes?
A proposta orçamentária deverá limitar os gastos dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), do Ministério Público e da Defensoria Pública. Dentro de um mesmo poder, serão previstos limites por órgão.
Há sanções previstas?
Quem desrespeitar o teto ficará impossibilitado, no ano seguinte, de dar aumento salarial, contratar pessoal e criar nova despesa, entre outras proibições, que valerão até as despesas retornarem ao limite estipulado.