Enquanto Caxias do Sul se prepara para rediscutir, nesta quinta-feira, aspectos que estão sendo questionados no Plano Municipal de Educação (PME) - em especial devido ao uso das expressões "orientação sexual" e "identidade de gênero", no anexo que lista as estratégias educacionais -, o juiz federal Roger Raupp Rios, doutor em Direito e professor do mestrado em Direitos Humanos da Uniritter, entende que o real problema é a elevada discriminação ainda presente na sociedade brasileira.
- Numa perspectiva jurídica, na qual a atenção está voltada para a proteção dos direitos fundamentais de todos os cidadãos, parte-se da proibição de discriminação por motivo de sexo, de gênero, de orientação sexual e de identidade de gênero. De fato, tanto em tratados internacionais de direitos humanos de que o Brasil é parte quanto na Constituição, na jurisprudência do STF e nas leis federais, estaduais e municipais, está claro que ninguém pode ser discriminado por esses motivos. Isso significa ter proteção contra discriminação na escola, no trabalho, nos espaços públicos - destaca.
Segundo Raupp Rios, planos de educação, sejam federal, estaduais ou municipais, são desdobramentos desses direitos fundamentais e têm o papel de estruturar não só a organização, como também os princípios informadores das práticas educacionais. Dessa forma, neles haveria espaço para várias considerações.
- O que não há, por certo, é espaço para atitudes motivadas por preconceito, cujo efeito é reproduzir e até mesmo incitar e materializar discriminação. No contexto brasileiro atual, em que vicejam propostas para retirar proteção contra discriminação, quando essas existiam, e barrar a inclusão dessa proteção nos casos em que nada se previa, há evidente discriminação. Quando se exclui proteção já existente, diante dos altos índices de violência machista e homofóbica, há manifestação incontestável da vontade de deixar livre tais formas de discriminação e de violência.
Para ele, isso fere direitos básicos, como a vida, a honra, a integridade física e psíquica de mulheres e de outras grupos que são discriminados pela sexualidade.
- Assim como seria inconstitucional e inadmissível na democracia excluir proteção diante de discriminação por motivo de cor ou de religião, é nitidamente ilícito excluir proteção por gênero, orientação ou identidade de gênero. Quando se impede a inclusão dessas proteções em planos que ainda se omitem, aí estamos diante de omissão e negligência desejadas e assumidas, que violam esses direitos fundamentais.
O juiz e professor ressalta ainda que é equivocada, talvez por falta de compreensão, a alegação de que a educação não é lugar para implantar "ideologia de gênero".
- Ideologia é, em palavras simples, um modo de ver o mundo. Em sociedades democráticas, sexo, gênero (entendido como as percepções culturais da masculinidade e da feminilidade), orientação sexual e identidade de gênero são plurais e são respeitados, sendo rejeitadas violência e discriminação contra quem quer que seja. Essa é a visão de mundo que prevalece na democracia, inclusive modificando costumes e crenças discriminatórias, que acontece com tradições como aquelas que consideram mulheres ou homossexuais pessoas inferiores ou indignas.
Ele também contesta o apelo à biologia para evitar questões como o respeito à diversidade:
- Respeito e proteção contra discriminação no ambiente escolar não são definidos pela biologia, nem por qualquer aspecto físico ou estilo de vida sexual, mas sim pelo fato de vivermos em uma sociedade plural e democrática e sabermos o valor disso. A propósito, a invocação de argumentos biológicos para suprimir direitos tem uma triste e trágica história no Século XX e antes dele, que conhecemos bem. Alegando razões biológicas, foram justificadas a escravidão, os campos de concentração e extermínio no nazi-facismo e a tortura contra mulheres, consideradas bruxas pela inquisição.
Por isso, diz, a escola tem o dever de educar a todos conforme os valores do respeito e da proibição de discriminação.
Polêmica
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Maristela Scheuer Deves
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