Uma nota divulgada pelo Comitê Pop Rua, no fim da manhã desta terça-feira (27), contradiz informações divulgadas pela prefeitura de Caxias do Sul e diz que o homem suspeito de matar José Monteiro Silveira, 34 anos, na noite de sábado (24), não é uma pessoa em situação de rua. A condição do suspeito motivou uma coletiva de imprensa na manhã de segunda-feira (26) e ações de abordagem e cadastramento deste público ainda durante a noite de segunda. O comunicado (veja abaixo) ressalta que o homem é natural de Caxias, possui um endereço fixo no município e trata-se de uma pessoa com transtorno mental grave.
A nota ainda alerta que é preciso apresentar dados para "relacionar a população em situação de rua ao aumento da criminalidade" no município. O texto também lamenta a morte de José e se solidariza com os familiares e amigos. Ele foi sepultado na manhã de segunda-feira no município de Praia Grande (Santa Catarina).
"Este tema deve ser trabalhado com a devida responsabilidade e complexidade, evitando generalizações e culpabilizações errôneas, neste caso, direcionados exclusivamente a população em situação de rua", diz parte do comunicado.
O material também aponta que integrantes do comitê não foram convidados para participar do gabinete de crise anunciado pelo prefeito Adiló Didomenico, nas redes sociais, ainda no início da tarde domingo (25).
"Com base nas legislações e fundamentos com os quais trabalhamos neste comitê, entendemos ser necessário fazer uma distinção entre aspectos relacionados à segurança pública e as pessoas em situação de rua, a fim de não criminalizar um grupo populacional que é heterogêneo e já apresenta muitas fragilidades. A veiculação exclusiva da criminalidade associada às pessoas em situação de rua gera desinformações e estimula preconceitos, o que não contribui com o processo de saída das ruas", defende outro trecho da nota.
O que é o Comitê
O Comitê Pop Rua foi implantado pelo Decreto Municipal nº 22.286 de 17 de novembro de 2022 e tem o objetivo de dialogar, acompanhar, construir e monitorar ações referentes à população em situação de rua em Caxias do Sul. O grupo é formado por representantes de órgãos governamentais e da sociedade civil organizada.
O material enviado à imprensa também aponta preocupações com as medidas anunciadas na segunda-feira pela prefeitura como "desobstrução da entrada de bancos, do passeio público e dos locais que fornecem alimentos".
"Nos preocupa as repercussões dessas falas na comunidade, pois podem desencadear posturas hostis", desta outro trecho.
BM mantém informação de que o homem suspeito vivia em situação de rua
Procurado pela reportagem na segunda-feira (26), o comandante do 12º Batalhão de Polícia Militar (BPM), tenente-coronel Ricardo Moreira de Vargas, manteve a informação de que o homem suspeito da morte de Silveira vivia em situação de rua, que apesar de ter casa e família, "preferia estar na rua".
— Ele é uma pessoa que vivia naquela redondeza (local do crime), que está em situação de rua. Ou a família não quer mais saber dele e ele está na rua, ou ele não quer estar no convívio familiar. São coisas diferentes. Para nós, da polícia, ele está na rua e nos faz ter um olhar diferenciado. Por isso a prefeitura vai começar a recadastrar eles, para saber quem está em situação de vulnerabilidade, questão econômica, que precise ir para o albergue, por exemplo, por falta de casa. Ou quem está em situação de rua, mas, porém, tem família e deveria estar em casa, mas opta por estar na rua, seja pelo vício ou pelo crime — disse o comandante, de forma geral, sem especificar sobre o caso de sábado.
O homem suspeito do assassinato tem antecedentes policiais por homicídio, porte ilegal de arma de fogo, tráfico de entorpecentes, entre outros, segundo a polícia. Vargas disse que, devido ao histórico criminal do suspeito, o homem não deveria estar em liberdade.
— Como que essa pessoa, com quatro homicídios, vai estar em situação de rua sem nenhum tipo de pena para cumprir? Ele já foi internado três vezes em clínica psiquiátrica — questiona.
Ainda de acordo com a polícia, depois de ser preso, o homem afirmou que estava em atendimento psiquiátrico em um dos Caps do município, mas havia abandonado o tratamento.
Silveira foi sepultado em Santa Catarina
José Monteiro da Silveira, 34 anos, o homem assassinado enquanto passeava com o cachorro na noite de sábado (24), foi sepultado em Santa Catarina (SC). O suspeito do crime foi preso pela Brigada Militar (BM) horas depois no bairro São Pelegrino. Na mesma ocorrência, um jovem de 19 anos também foi esfaqueado, atendido e liberado.
O corpo de Silveira foi transladado para o município de Praia Grande, onde nasceu. O velório ocorreu na Capela Mortuária da Funerária Thomas.
NOTA PÚBLICA
O Comitê Pop Rua implantado pelo Decreto Municipal nº 22.286 de 17 de novembro de 2022, tem por objetivo fazer o acompanhamento, assessoramento e monitoramento das políticas públicas voltadas para as pessoas em situação de rua, sendo composto por representantes de órgãos governamentais, bem como da sociedade civil organizada, vem a público manifestar-se sobre os fatos ocorridos neste último final de semana, envolvendo a temática das pessoas em situação de rua.
No que tange às pessoas em situação de rua, é preciso esclarecer que a superação desta se dá através da oferta de políticas públicas intersetoriais, como educação, habitação, saúde, segurança alimentar, trabalho e renda, cultura, entre outras. Sendo com isso que este grupo de trabalho tem se envolvido, cabendo destacar que no dia 12/12/2023 foi entregue ao chefe do Poder Executivo Municipal, uma Proposta Preliminar de Política Municipal para o Atendimento de Pessoas em Situação de Rua. E esta mesma proposta também foi entregue ao Poder Legislativo Municipal em 06/02/2024, para apreciação e contribuições. Destacamos ainda que, no dia 27/03/2024 às 14hs será realizado uma audiência pública para discussões, contribuições e aprovação da proposta final.
Neste sentido gostaríamos de apontar dois aspectos importantes: Em primeiro lugar, nos solidarizamos aos familiares e amigos e lamentamos a irreparável perda do cidadão, o qual foi brutalmente assassinado em nossa cidade. Sendo este, o 30º homicídio ocorrido em Caxias do Sul, em dois meses, o que demonstra aspectos relacionados a segurança pública no município. Porém este tema deve ser trabalhado com a devida responsabilidade e complexidade, evitando generalizações e culpabilizações errôneas, neste caso, direcionados exclusivamente a população em situação de rua.
Diante das inúmeras notícias relacionadas ao caso, que colocam o autor do ato como uma pessoa em situação de rua é importante salientar que o mesmo não é uma pessoa em situação de rua, possui um endereço fixo, sendo morador de um bairro próximo ao local da ocorrência e trata-se de uma pessoa com transtorno mental grave. Além de ser natural de Caxias do Sul, sendo residente e domiciliado em nosso município.
Relacionar a população em situação de rua ao aumento da criminalidade requer dados que deem sustentação a esse argumento, além de colocá-los como causa de um problema social, quando na verdade são consequências de um sistema econômico e social falho.
Em segundo lugar, pontuar que este comitê tem por natureza dialogar, acompanhar, construir e monitorar ações referentes à população em situação de rua, e desde sua implantação prezamos pelo diálogo com toda a sociedade, bem como, os poderes executivo e legislativo. No entanto, fomos surpreendidos através da imprensa, com a notícia da formação de um gabinete de crise para tratar dos “moradores de rua” na cidade, após o homicídio, cometido por uma suposta pessoa em situação de rua, e não sendo este comitê convidado para participar das discussões.
Com base nas legislações e fundamentos com os quais trabalhamos neste comitê, entendemos ser necessário fazer uma distinção entre aspectos relacionados à segurança pública e as pessoas em situação de rua, a fim de não criminalizar um grupo populacional que é heterogêneo e já apresenta muitas fragilidades. A veiculação exclusiva da criminalidade associada às pessoas em situação de rua gera desinformações e estimula preconceitos, o que não contribui com o processo de saída das ruas.
Este comitê manifesta preocupação com relação às ações anunciadas pelo Poder Executivo Municipal, em relação às pessoas em situação de rua, como limpeza de espaços, remoção de pertences, através de uma força tarefa, além disso, nos preocupa às repercussões dessas falas na comunidade, pois podem desencadear posturas hostis.
Outro aspecto a ser salientado se refere a não distribuição de alimentos à população em situação de rua, é importante pontuar, que nosso município não possui uma política de segurança alimentar que contemple as necessidades humanas básicas, como restaurantes populares. Este e outros apontamentos estão contemplados na Proposta Preliminar de Política Municipal para o Atendimento de Pessoas em Situação de Rua, que é fundamentada em um diagnóstico preliminar do contexto municipal.
Por fim solicitamos que as questões relacionadas à população em situação de rua possam ser tratadas com a devida responsabilidade e complexidade, principalmente em diálogo com este grupo de trabalho, que há um ano vem debatendo e construindo alternativas e propostas para o atendimento com qualidade destas pessoas.
O Comitê Pop Rua está sempre à disposição para todas as discussões e construções sobre a temática, já que este é o objetivo fundamental de sua existência.
COMITÊ POP RUA