A conclusão do inquérito policial sobre a morte de Matheus da Silva dos Santos, em 2021, após perseguição na Perimetral Norte, em Caxias do Sul, aponta que o disparo que matou o jovem, então com 21 anos, teria saído da arma de um guarda municipal. De acordo com o delegado Caio Márcio Fernandes, responsável pela investigação, o agente público é indiciado por homicídio simples com dolo eventual, isto é, quando existe a possibilidade da ação gerar morte e o risco é tomado. O documento foi remetido à Justiça na terça (25) e cabe ao Ministério Público (MP) responder se mantém o indiciamento por homicídio doloso. O guarda municipal indiciado é Jeferson Luiz Ferraz.
Conforme a investigação, na madrugada de 6 de junho de 2021, Santos e dois amigos estavam em uma Parati branca, quando foram abordados por quatro guardas municipais e um agente da Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU) em uma blitz de trânsito em frente a uma casa de carnes, na Rua Moreira César quase na esquina com Rua José de Carli.
Ainda de acordo com o inquérito, a perseguição seguiu por ruas do bairro São José e terminou na rótula da Perimetral Norte com a Rua Ludovico Cavinato, quando Santos, que dirigia o veículo, foi cercado por viaturas da Guarda Municipal. Em seguida, o jovem tentou sair do cerco, atingindo um servidor que se aproximava do veículo. Quando continuaria a fuga, foi baleado e bateu contra o muro de uma residência na Rua Ludovico Cavinato.
Conforme assessoria de imprensa do MP, o órgão analisará o inquérito e deve se pronunciar nos próximos dias.
A investigação
O titular da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), Caio Fernandes, explica que a conclusão do inquérito surge após uma investigação de dois anos. Para chegar ao indiciamento, foram levados em conta inúmeros elementos informativos, como oitivas, laudos periciais das mais diferentes naturezas, análise de imagens, análises periciais de sons emitidos, entre outros. Tudo foi levantado e comparado com as versões colhidas e a simulação da perseguição, realizada em duas noites em abril do ano passado.
— Nós conseguimos identificar quatro cenários e dentro destes quatro cenários estabelecer diversas condutas de atores deste contexto, individualizando em cada um desses cenários. Em um desses cenários, nós conseguimos, na nossa percepção e analisando o conjunto probatório, identificar quem teria sido o autor do disparo fatal — descreve o delegado.
Os cenários são a sequência dos fatos que levaram à morte. O primeiro é a abordagem na blitz e o segundo é a perseguição. Fernandes chama atenção para os acontecimentos do terceiro e quarto atos, que é o momento que fecha-se o cerco a Santos e, por fim, do disparo e a colisão da Parati no muro da residência.
Como relata o delegado, no momento em que as viaturas e os servidores cercam o veículo, a vítima "investe contra os agentes públicos, inclusive prensando um guarda civil". Neste momento, ocorreram os primeiros disparos contra a Parati. Fernandes informa que os tiros foram em direção ao para-choque e aos pneus do carro, como forma de impedir o avanço. Em seguida, o delegado detalha que quando a Parati iniciou uma manobra para escapar do cerco, um agente atirou contra o capô, até acertando uma vela do motor e reduzindo a potência do carro. Na conclusão do inquérito, pelos disparos serem com a intenção de parar o veículo, esta ação dos agentes é considerada legítima defesa.
Porém, o disparo de um guarda municipal que atinge Santos surge no quarto cenário, a partir do momento que a vítima já posiciona a Parati no sentido oposto dos agentes públicos:
— No momento que ele começou a empreender fuga, não existia mais a justificativa de uma legítima defesa porque o veículo não estava vindo contra ou em direção aos agentes públicos, e sim, já estava começando uma nova fuga. Neste derradeiro momento, um dos guardas efetua uma sequência de disparos. Ao efetuar disparos em um veículo que não estava mais oferecendo um risco atual ou iminente pela vida deles ou integridade física e sugeria estar em fuga, ele (o guarda) assumiu o risco de matar alguém, sabendo que o veículo estava sendo tripulado.
O que diz a defesa
A defesa de Ferraz, representada pelos advogados Ivandro Bitencourt Feijó e Maurício Adami Custódio, confirma o recebimento do indiciamento e afirma que não enxerga na conduta do agente municipal "o ânimo do dolo eventual". Custódio afirma que vai aguardar a denúncia do Ministério Público ou de outras diligências:
— Acreditamos que houve uma conclusão que não abrange a melhor espécie do direito e razão do dolo eventual. Por outro lado, acreditamos que a reprodução dos fatos, que foi um pedido da defesa, conseguiu afastar a responsabilidade que se tentou fazer sumária em relação aos demais guardas. Hoje, aguardamos a posição do Ministério Público para saber as condutas processuais que vamos adotar no futuro.