O ano de 2023 está sendo marcado pelo aumento de 21,8% no número de homicídios no primeiro quadrimestre em diversas cidades da Serra. Com 26.199 habitantes, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Guaporé é um dos municípios da região onde o indicador de homicídios está ainda mais elevado. De janeiro a abril, cinco pessoas foram assassinadas na cidade. Considerando o caso mais recente, registrado na segunda-feira (8), seis pessoas perderam a vida de forma violenta neste ano até agora. Isso significa uma taxa de 22,9 mortes para cada 100 mil habitantes. Para comparação, Caxias do Sul, que registrou 38 assassinatos no mesmo período, tem uma taxa de 7,55 casos para cada 100 mil habitantes.
O número atual de assassinatos em Guaporé também está bem próximo de se igualar ao registrado em todo o ano passado, quando oito pessoas perderam a vida de forma violenta. Para se ter uma ideia, de janeiro a abril de 2022, três pessoas foram mortas no município. Em 2023, neste mesmo período foram registrados cinco assassinatos, o que equivale a um aumento de 66,6%. A causa de tantos crimes seria a disputa envolvendo o tráfico de drogas.
O jovem Adilson da Silva, 25 anos, foi a última vítima. Ele teria sido morto por engano, segundo a Polícia Civil. Conforme o delegado de Guaporé, Tiago Albuquerque, o alvo seria o irmão do jovem. A morte de Silva é mais uma a provocar apreensão na comunidade, uma vez que a quantidade de vidas perdidas é incomum para os padrões da cidade.
— Ficamos com medo porque tem acontecido mortes seguidas e com pessoas inocentes. Esse jovem trabalhava aqui perto e dizem que era gente boa e morreu por engano — afirma o empresário Júlio Júlio Verardi, 66.
Natural de Guaporé, e com comércio na área central há 36 anos, Verardi ressalta que percebem o reflexo da disputa de território em todas as áreas da cidade:
— Em todos esses anos nunca vi uma situação assim. Todos ficam com medo porque a nossa cidade não era assim.
Para quem tem filhos jovens, a situação preocupa ainda mais, já que é uma faixa etária que sai mais à noite e fica exposta a tiroteios em áreas públicas.
— Eu estou assustada porque estão matando sem discriminação. Aumentou o número de mortes. A gente que é mãe não sabe o que fazer com os filhos. Não tem como prender em casa — afirma Cassi Sentena, 46.
Ela recorda que além do caso mais recente, o assassinato de Ivo Júnior Dutra dos Santos, 20, em 22 de fevereiro, também provocou medo. Ele foi baleado quando caminhava com a namorada pela Avenida Monsenhor Scalabrini, uma área de bares e restaurantes.
— A menina escapou, mas e se fosse morta? Eu tenho uma filha de 17 anos e um de 26. Ele gosta de balada. E se ele está com uma turma e acontece isso? Muitas vezes pessoas inocentes ficam no meio dessa guerra e pagam com a vida. Na minha juventude a cidade não era assim. Sai na rua e é tudo incerto. Nos sentimos reféns — desabafa Cassi.
Na Praça Vespasiano Corrêa, a presença da Brigada Militar (BM) aumenta, especialmente, no final da tarde quando o movimento de turmas de jovens aumenta. Em um dos restaurantes da área central, os moradores também demostravam choque ao comentar a sequência de assassinatos, especialmente, a morte de Silva:
— É uma cidade pequena e todo mundo se conhece. Ficamos tristes e chocados com a morte desse rapaz — comenta uma comerciante.
Disputa de facções alerta autoridades
O delegado Tiago Albuquerque está desde 2015 à frente da Delegacia da Polícia Civil de Guaporé. Ele afirma que o município engrossa as estatísticas da Serra em 2023 devido à disputa por território para a venda de drogas. Ele afirma que os crimes mais graves praticados por facção tiveram um acréscimo desde o ano passado. Albuquerque atribui isso, em parte, à interdição do presídio da cidade, entre 2021 e 2022. Isso porque, até aquela ocasião, apenas uma facção menor atuava em Guaporé. Com a interdição, os presos passaram a ter contato com facções maiores que comandam o tráfico em outras cidades, segundo Albuquerque.
— Os nossos presos eram encaminhados para Bento Gonçalves e Caxias do Sul e passaram a firmar parcerias com presos de outras facções. Eles receberam liberdade e voltaram à Guaporé integrando outro grupo. A facção local para não perder força se aliou a um grupo rival. Então, hoje temos essa disputa que desencadeia esses homicídios. Estamos trabalhando fortemente para esclarecer os fatos — destaca o delegado.
Para o secretário de Segurança Pública de Guaporé, Adriano Caron, a preocupação é constante porque as mortes transmitem uma sensação de insegurança entre os guaporenses. A alta de ocorrências foi assunto de reunião em Porto Alegre com a Secretaria de Segurança Pública do RS:
— A nossa polícia atua fortemente para combater os números, mas sabemos que é preciso aumentar o número de servidores. A gente sabe que o Estado está defasado por não ter servidores suficientes para todas as cidades. Esse baixo efetivo causa preocupação. Fomos a Porto Alegre para pedir mais efetivo para a Brigada Militar e Polícia Civil para levarmos mais segurança a nossa comunidade. O nosso problema hoje são as drogas. Tem um alto consumo e isso leva a disputa das facções pelo controle da venda —ressalta Caron.
Reforço do policiamento
O Comando Regional de Policiamento Ostensivo da Serra (CRPO/Serra) já tem um diagnóstico preliminar da situação. De acordo com o comandante, coronel Márcio Luz, há um trabalho em conjunto com a Polícia Civil para tentar evitar novos ataques. Ele explica que já identificaram as vítimas e quais as vinculações de cada uma delas com o cenário de violência em Guaporé.
— A partir daí, temos a rede de contatos entre eles e se consegue entender um pouco da motivação de cada um dos crimes. No primeiro momento, nós estamos aumentando o policiamento em alguns bairros para prevenir represália contra a facção rival. Também estamos atuando para tentar evitar novos casos até que nós consigamos, em conjunto com a Polícia Civil, provas das autorias e se consiga fazer a prisão desses autores para segurar esses índices.
Além disso, há reforço de efetivo com policiais da Força Tática da 2° Companhia de Nova Prata em Guaporé. O tenente-coronel Artur Marques de Barcellos, comandante do 3º Batalhão de Policiamento de Áreas Turísticas da Brigada Militar, de Bento Gonçalves, responsável por Guaporé, ressalta que o 4° Batalhão de Polícia de Choque também atua na cidade.
— De fato Guaporé está com o indicador de homicídio um pouco acima. Estávamos há pouco mais de um mês sem incidência e em março não tivemos ocorrências. Estamos realizando ações contundentes com apoio da força tática, patrulhas do batalhão do choque e ações em regiões mais conflagradas e de vulnerabilidade. As ações da BM continuam de maneira coordenada e efetiva no policiamento — afirma.
As vítimas de homicídio em 2023
Vita Adriano Carlos Giroldi, 46 anos - 20 de janeiro
Wellington Moraes Nunes, 18 anos - 29 de janeiro
Jailson Gustavo Santos da Silva, 18 anos - 22 de fevereiro
Ivo Júnior Dutra dos Santos, 20 anos - 23 de fevereiro
Luiz Victor Pacheco Souto, 22 anos - 2 de abril
Adilson da Silva, 25 anos - 8 de maio