Nesta sexta-feira (18), completa-se um ano de um dos esquemas criminosos com mais repercussão nos últimos tempos na Serra. Em 18 de novembro de 2021, os caxienses amanheciam com a notícia de que carne de cavalo era comercializada como se fosse carne de gado para hamburguerias da região. O esquema foi desarticulado pelo Ministério Público (MP) do Rio Grande do Sul na chamada Operação Hipo, em uma chácara de Forqueta. Todas as 10 pessoas denunciadas pelo MP, posteriormente, respondem ao processo em liberdade. Agora, 12 meses depois, o caso, que tramita na 4ª Vara Criminal, se prepara para segunda audiência na Justiça.
A juíza Taise Velásquez Lopes explica que a primeira audiência do caso ocorreu no dia 18 de julho, quando foram ouvidas 17 das 20 testemunhas arroladas pelo Ministério Público. Este ato, inclusive, estava previsto para o dia 26 de abril, mas foi suspenso, à época, porque um endereço não foi localizado. Agora, a segunda audiência está prevista para o dia 6 de dezembro, quando irão depor o restante das testemunhas indicadas pela acusação e iniciarão as falas dos depoentes apontados pela defesa dos réus, sendo que 17 pessoas foram intimadas.
Possivelmente, os 10 réus só serão ouvidos em uma terceira audiência, a qual não tem data agendada até o momento.
— Os réus só são ouvidos no final. O Código de Processo Penal determina que o interrogatório é o último ato do processo. Então, somente depois que forem ouvidas todas as testemunhas é que eles serão ouvidos. Provavelmente, também não será agora no dia 6 — explica a magistrada responsável.
Na sequência, então, será aberto espaço para argumentos finais, que pode ser por meio de audiência ou por escrito; e por fim, a sentença — a qual também não tem data para ocorrer. A juíza ainda esclarece que, embora estejam soltos, os réus têm medida cautelar restritiva de proibição de exercício de atividade econômica no ramo alimentício.
— Com isso, fica cautelada a ordem pública de eles não se envolverem em comércio de gênero alimentício, de qualquer natureza. Se ocorrer, eles podem voltar a ser presos — finaliza Taise Velásquez Lopes.
Relembre o caso
:: No início da manhã do dia 18 de novembro de 2021, a Operação Hipo, do MP-RS, desarticulou um esquema de venda clandestina de carne de cavalo que era comercializada como se fosse carne de gado para hamburguerias da Serra. Seis mandados de prisão e 15 mandados de busca e apreensão foram cumpridos em uma chácara do bairro Forqueta, sob coordenação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) – Segurança Alimentar.
:: Inicialmente, duas hamburguerias da cidade tiveram lanches submetidos à análise laboratorial que indicou a presença de DNA de carne de cavalo.
:: Anotações encontradas durante o cumprimento dos mandados levaram as investigações a outras lancherias da cidade. Em uma análise prévia no celular de um desses homens, que seria o principal vendedor, foram encontrados contatos de dezenas de hamburguerias e outros estabelecimentos compradores dessa carne, também investigados.
:: O esquema funcionava da seguinte forma: uma parte era responsável por procurar cavalos pelas ruas, muitos deles já doentes, que puxavam carroças, para comprar. Feita a aquisição, o animal era levado para uma chácara, onde era abatido. Carneado, as partes eram vendidas para um comprador que produzia bifes de hambúrgueres para vender para lancherias. Nesse local, a carne de cavalo era misturada com carnes de outros animais, como perus e suínos, e os bifes eram vendidos embalados para hamburguerias como se fossem de gado. Algumas carnes com cheiro de podre eram lavadas para serem vendidas como novas.
:: O MP denunciou 10 pessoas por suspeita de envolvimento no esquema. Segundo o promotor Alcindo Luz Bastos da Silva Filho, a prática ocorria havia pelo menos sete meses.
Os réus denunciados:
1. Eduardo Mezzomo, 26, seria o responsável pela compra, pelo abate irregular de cavalos e descarte. Também auxiliaria Alexandre Gedoz na desossa das carcaças. O abate ocorreria na chácara da família Mezzomo, na Estrada Quinto Slomp, em Forqueta, no interior de Caxias do Sul. O depoimento de uma testemunha, que vendia os cavalos por R$ 500, aponta que Eduardo procurava por animais gordos.
O que diz a defesa de Eduardo: o advogado Vinicius de Figueiredo respondeu, em nota, que "a tramitação do processo se encontra dentro da normalidade, com uma audiência já realizada, e outra que acontecerá em data bastante próxima. Diante da complexidade dos fatos, o expressivo número de réus e o surpreendente volume do processo, o Poder Judiciário tem mostrado um trabalho primoroso, totalmente de acordo com a razoável duração de um processo. Sobre a atitude processual revanchista e fracionária do Ministério Público, quando recentemente pediu ao STJ a prisão somente de Eduardo e de Reny Mezzomo, a defesa informa a derrota da tese acusatória no Tribunal Superior, com a manutenção de ambos em liberdade. O defensor e os réus enfrentam o processo com serenidade, confiantes de que a sentença será justa e equilibrada".
2. Reny Mezzomo, 61, era dono da chácara e supostamente cederia o espaço para os abates realizados pelo filho Eduardo. Reny auxiliaria na desossa, com Alexandre Gedoz, de quem seria parceiro nos negócios de processamento e venda de carnes do abate irregular. Na chácara, foram apreendidos cerca de 200 quilos de carne de cavalo. Segundo o MP, as práticas na chácara eram completamente insalubres, sem medidas de limpeza dos locais ou refrigeração das carnes. As carcaças dos cavalos eram enterradas em valas cavadas na chácara.
A Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul é responsável pela defesa de Reny Mezzomo e diz que irá se manifestar apenas nos autos do processo.
3. Sirlei Mezzomo é irmã de Reny. Segundo a denúncia, ela intermediaria a comunicação entre os Mezzomo e os fornecedores de cavalos por mensagens de aplicativo. Em sua casa, supostamente eram estacionados os caminhões utilizados pelo grupo para transportar cavalos. Ela também emprestaria o telefone para o sobrinho Eduardo. Durante a operação, a Vigilância Sanitária apreendeu 280 quilos de produtos lácteos vencidos (iogurtes e geleias) que, segundo o MP, eram vendidos aos consumidores em geral por Sirlei em parceria com o irmão e o sobrinho.
A Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul é responsável pela defesa de Sirlei Mezzomo e diz que vai se manifestar apenas nos autos do processo.
4. Alexandre Gedoz, 65, é descrito na denúncia como o idealizador do suposto esquema, além de ajudar na desossa das carcaças na chácara da família Mezzomo. Era em sua casa que ocorreria a moagem de carne, que eram mantida em refrigeradores e freezers para a venda principalmente para Daniel Gnoatto. Na manhã da operação, Alexandre foi surpreendido moendo carne. Os policiais relataram que o produto estava deteriorado, com odor pútrido e local tinha péssimas condições sanitárias. Na casa delem foram apreendidas uma máquina de moagem e R$ 96,9 mil em dinheiro.
O que diz a defesa de Alexandre: o advogado Fabiano Borges Huff afirma que mantém "a linha de defesa ora apresentadas nas peças processuais com o objetivo de desqualificar as denúncias na intenção de inocentar seus clientes".
5. Teresinha Salete Gedoz, 59, é a esposa de Alexandre e supostamente manteria contato permanente com Daniel Gnoatto, de quem receberia diariamente informações sobre a quantidade de carne e de guisado que deveria ser produzido para a revenda. A demanda era repassada a Eduardo e Reny Mezzomo, suspeitos de comprar e abater os cavalos. Teresinha também receberia dinheiro da venda dos produtos alimentícios e o repassaria a seu marido.
O que diz a defesa de Teresinha: o advogado Fabiano Borges Huff afirma que mantém "a linha de defesa ora apresentadas nas peças processuais com o objetivo de desqualificar as denúncias na intenção de inocentar seus clientes".
6. Daniel Gnoatto, 57, seria o principal comprador de carnes de cavalo. É suspeito de ter mantido constante contato com os demais investigados para tratar sobre quantidades a serem produzidas conforme os pedidos apresentados por clientes de restaurantes e de lancherias e, principalmente, de seu parceiro no suposto esquema, Marcos André de Bortoli, conhecido por Marquinhos, que possuía uma hamburgueria clandestina. Segundo o MP, Daniel venderia a carne de cavalo já desossada e em retalhos, sendo que seu principal cliente era Marcos, o qual supostamente adquiria em torno de 700 quilos de carne semanalmente. A denúncia reforça que Daniel sabia que a carne vendida provinha do abate irregular de cavalos. Ou seja, teria conhecimento de que se tratava de produto alimentício sem origem e corrompido. No dia da operação, Daniel foi preso com 10 quilos de carne de cavalo ensacadas no porta-malas do seu carro, prontas para uma entrega.
A Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul é responsável pela defesa de Daniel Gnoatto e a instituição diz que vai se manifestar apenas nos autos do processo.
7. Marcos André de Bortoli, 50, conhecido como Marquinhos, é citado pelo MP como o suposto responsável pela confecção dos hambúrgueres e bifes de cavalo. A carne era processada na Rua Abramo Girardi, bairro Sagrada Família, em uma lanchonete clandestina. No local, foram apreendidos 500 quilos de hambúrgueres e 126 quilos de carnes sem procedência, além de maquinários e freezer.
O que diz a defesa de Marcos: o advogado Vinicius Octávio Reis aponta que Bortoli "afirma ser inocente e tem demonstrado isso nas provas que estão sendo produzidas no curso da instrução processual". Reis comenta que o processo está seguindo um curso natural e, como existem vários réus, "é natural ainda não ter um desfecho definitivo, haja visto que as partes requerem a produção de algumas provas que, eventualmente, demandam maior prazo". A expectativa é que na audiência de dezembro, com as testemunhas de defesa e outras provas, "fique mais aclarado a inocência de Bortoli".
8. Ismael Lima era funcionário de Marcos André de Bortoli na hamburgueria. Ismael receberia carne diretamente de Daniel para processamento.
O que diz a defesa de Ismael: o advogado Leandro Carlo Schramm diz que seu cliente "tinha total desconhecimento da origem e de como era obtida a carne, então a tese da defesa permanece a mesma, pois ele agiu com completo desconhecimento do que estava fazendo, apenas cumpria sua função como funcionário da hamburgueria. O Ismael desde os primeiros depoimentos que acompanhei, sempre primou pelo mesmo depoimento de que fazia seu serviço, cumpria ordens, e não tinha como saber o que manuseava, até porque ele mesmo consumia o produto. Ele levava as sobras para casa para consumir junto da família, e existem provas disso."
9. Airton Miguel Pires Brando, 55, atuava como gerente do Natural Burguer Sagrada Família, onde a investigação comprou um lanche e comprovou a presença de carne de cavalo. A investigação não apontou que os donos de lancherias sabiam do abate ilegal e mistura de carne de cavalo nos hambúrgueres, mas a promotoria ressaltou a falta de notas fiscais e de regras sanitárias na compra das carnes.
O que diz a defesa de Airton: Após consultar Brando, o advogado Wagner Flores de Oliveira disse preferir não se manifestar até a conclusão do processo.
10. Robson Kemerich Samoel, 33, é o dono da Miru's Burguer, outra lanchonete em que o MP comprovou, por exame de DNA, a presença de carne de cavalo em lanches.
O que diz a defesa de Robson: A advogada Daniela Silva afirma que "seguirá o mesmo posicionamento para provar que o representado confiava na procedência da carne e não sabia que trata-se de uma adulteração". A defesa apresentará cinco testemunhas. Daniela destaca que Robson também consumia os hambúrgueres que vendia.