Todos os réus que haviam sido presos por vender carne de cavalo como se fosse de gado em Caxias do Sul estão em liberdade. Das 10 pessoas denunciadas pelo Ministério Público, em decorrência da Operação Hipo, cinco cumpriram prisão preventiva – um réu foi solto em dezembro do ano passado e os demais saíram da prisão em janeiro, março e abril. As solturas foram concedidas pela 4ª Vara Criminal da comarca local, onde tramita a ação, atendendo aos pedidos de habeas corpus das respectivas defesas. Estão em liberdade provisória Eduardo Mezzomo, 26 anos, Reny Mezzomo, 61, Alexandre Gedoz, 65, Daniel Gnoatto, 57, e Marcos André de Bortoli, 50, além de Teresinha Salete Gedoz, 59, que estava em prisão domiciliar. Outros quatro réus foram incluídos na denúncia, mas nunca tiveram a prisão decretada (veja abaixo a relação dos suspeitos)
Segundo a juiza Taise Velásquez Lopes, as determinações de liberdade se deram porque a conduta deles não foi mais considerada um risco. Durante o andamento do processo, os réus ficam proibidos de exercer qualquer atividade no ramo alimentício, de sair da cidade por mais de sete dias sem autorização e devem, ainda, comparecer aos atos do processo.
Audiência suspensa
A audiência que abriria a fase de instrução do processo estava prevista para a tarde da última terça-feira (26), mas foi suspensa porque um endereço não foi localizado. De acordo com o Poder Judiciário, ainda não há nova data prevista para o ato processual do qual participariam 30 pessoas — 20 testemunhas de acusação e os 10 réus apontados pelo MP.
— O oficial de Justiça emitiu uma certidão alegando que a numeração cadastrada estava irregular e que a intimação não pode ser realizada. Como é algo muito grande, que envolve muitas pessoas, inclusive de fora da comarca de Caxias do Sul, a audiência foi suspensa. Suspendemos com antecedência, para evitar deslocamentos desnecessários — afirmou a magistrada, que está à frente do julgamento.
Com a regularização do endereço do réu, uma nova data deverá ser agendada. A magistrada responsável reitera, porém, que tratando-se, agora, de um processo no qual os acusados aguardam julgamento em liberdade, a prioridade acaba sendo prejudicada.
— Processo de réu solto muda o nível de prioridade diante de tantos casos que temos hoje em andamento, com pessoas que aguardam o julgamento presas. A gente vai relativizando. Solicitamos, agora, por exemplo, que o Ministério Público junte a perícia relativa aos telefones apreendidos, algo que ainda não estava pronto, mas que poderá ser juntado antes da audiência — afirma Taise.
A magistrada explica que, por ter um alto número de envolvidos no processo, o trâmite poderá ser mais demorado que de costume. Na fase de instrução, na qual ocorrem os depoimentos e análises de perícias e diligências, a magistrada prevê, pelo menos, três audiências. Na sequência, é aberto espaço para argumentos finais, que pode ser por meio de audiência ou por escrito; e por fim, a sentença.
— É difícil de prever mas, possivelmente, tudo se resolva ainda neste ano — completa a juiza.
Relembre o caso
:: Após dois anos de investigação, a Operação Hipo, do MP-RS, desarticulou um esquema de venda clandestina de carne de cavalo que era comercializada como se fosse carne de gado para hamburguerias da Serra. Seis mandados de prisão e 15 mandados de busca e apreensão foram cumpridos em novembro de 2021, em uma chácara do bairro Forqueta, sob coordenação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) – Segurança Alimentar.
:: Inicialmente, duas hamburguerias da cidade tiveram lanches submetidos à análise laboratorial que indicou a presença de DNA de carne de cavalo.
:: Anotações encontradas durante o cumprimento dos mandados levaram as investigações a outras lancherias da cidade. Em uma análise prévia no celular de um desses homens, que seria o principal vendedor, foram encontrados contatos de dezenas de hamburguerias e outros estabelecimentos compradores dessa carne, também investigados.
:: O MP denunciou 10 pessoas por suspeita de envolvimento no esquema. Segundo o promotor Alcindo Luz Bastos da Silva Filho, a prática ocorria havia pelo menos sete meses.
Os réus denunciados:
1. Eduardo Mezzomo, 26, seria o responsável pela compra, pelo abate irregular de cavalos e descarte. Também auxiliaria Alexandre Gedoz na desossa das carcaças. O abate ocorreria na chácara da família Mezzomo, na Estrada Quinto Slomp, em Forqueta, no interior de Caxias do Sul. O depoimento de uma testemunha, que vendia os cavalos por R$ 500, aponta que Eduardo procurava por animais gordos.
O que diz a defesa de Eduardo: o advogado Vinícius Figueiredo diz que o seu cliente "prestou esclarecimentos perante o promotor e o conteúdo consta no processo".
2. Reny Mezzomo, 61, era dono da chácara e supostamente cederia o espaço para os abates realizados pelo filho Eduardo. Reny auxiliaria na desossa, com Alexandre Gedoz, de quem seria parceiro nos negócios de processamento e venda de carnes do abate irregular. Na chácara, foram apreendidos cerca de 200 quilos de carne de cavalo. Segundo o MP, as práticas na chácara eram completamente insalubres, sem medidas de limpeza dos locais ou refrigeração das carnes. As carcaças dos cavalos eram enterradas em valas cavadas na chácara.
O que diz a defesa de Reny: o advogado Vinícius Figueiredo alega que Reny "prestou esclarecimentos perante o promotor e o conteúdo consta no processo".
3. Sirlei Mezzomo é irmã de Reny. Segundo a denúncia, ela intermediaria a comunicação entre os Mezzomo e os fornecedores de cavalos por mensagens de aplicativo. Em sua casa, supostamente eram estacionados os caminhões utilizados pelo grupo para transportar cavalos. Ela também emprestaria o telefone para o sobrinho Eduardo. Durante a operação, a Vigilância Sanitária apreendeu 280 quilos de produtos lácteos vencidos (iogurtes e geleias) que, segundo o MP, eram vendidos aos consumidores em geral por Sirlei em parceria com o irmão e o sobrinho.
O que diz a defesa de Sirlei: o advogado Vinícius Figueiredo alega que Sirlei "prestou esclarecimentos perante o promotor e o conteúdo consta no processo".
4. Alexandre Gedoz, 65, é descrito na denúncia como o idealizador do suposto esquema, além de ajudar na desossa das carcaças na chácara da família Mezzomo. Era em sua casa que ocorreria a moagem de carne, que eram mantida em refrigeradores e freezers para a venda principalmente para Daniel Gnoatto. Na manhã da operação, Alexandre foi surpreendido moendo carne. Os policiais relataram que o produto estava deteriorado, com odor pútrido e local tinha péssimas condições sanitárias. Na casa delem foram apreendidas uma máquina de moagem e R$ 96,9 mil em dinheiro.
O que diz a defesa de Alexandre: o advogado Fabiano Borges Huff comunica que seu cliente "não tinha qualquer envolvimento com a organização criminosa para venda e comércio de carne de cavalo".
5. Teresinha Salete Gedoz, 59, é a esposa de Alexandre e supostamente manteria contato permanente com Daniel Gnoatto, de quem receberia diariamente informações sobre a quantidade de carne e de guisado que deveria ser produzido para a revenda. A demanda era repassada a Eduardo e Reny Mezzomo, suspeitos de comprar e abater os cavalos. Teresinha também receberia dinheiro da venda dos produtos alimentícios e o repassaria a seu marido.
O que diz a defesa de Teresinha: o advogado Fabiano Borges Huff afirma que a cliente "nunca teve participação junto aos atos que perpetraram a denúncia, figura como mãe de família e possui um dos filhos com deficiência mental com o que dispende a sua maior parte do tempo diário".
6. Daniel Gnoatto, 57, seria o principal comprador de carnes de cavalo. É suspeito de ter mantido constante contato com os demais investigados para tratar sobre quantidades a serem produzidas conforme os pedidos apresentados por clientes de restaurantes e de lancherias e, principalmente, de seu parceiro no suposto esquema, Marcos André de Bortoli, conhecido por Marquinhos, que possuía uma hamburgueria clandestina. Segundo o MP, Daniel venderia a carne de cavalo já desossada e em retalhos, sendo que seu principal cliente era Marcos, o qual supostamente adquiria em torno de 700 quilos de carne semanalmente. A denúncia reforça que Daniel sabia que a carne vendida provinha do abate irregular de cavalos. Ou seja, teria conhecimento de que se tratava de produto alimentício sem origem e corrompido. No dia da operação, Daniel foi preso com 10 quilos de carne de cavalo ensacadas no porta-malas do seu carro, prontas para uma entrega.
O que diz a defesa de Daniel: Um advogado que representava Daniel anteriormente esclarece que foi retirado do processo. A Defensoria Pública possivelmente deve assumir o caso, mas aguarda o desenrolar do trâmite e, por isso, não se pronuncia.
7. Marcos André de Bortoli, 50, conhecido como Marquinhos, é citado pelo MP como o suposto responsável pela confecção dos hambúrgueres e bifes de cavalo. A carne era processada na Rua Abramo Girardi, bairro Sagrada Família, em uma lanchonete clandestina. No local, foram apreendidos 500 quilos de hambúrgueres e 126 quilos de carnes sem procedência, além de maquinários e freezer.
O que diz a defesa de Marcos: os advogados Giovana dos Reis e Vinicius Octávio Reis, do escritório Reis e Reis Advocacia Criminal, afirmam que "O Marcos é inocente, fato que será comprovado ao longo do processo. Como o processo ainda encontra-se em fase de instrução, existem provas a serem produzidas que irão comprovar que nosso cliente desconhecia se tratar de carne de cavalo, uma vez que ele próprio e seus familiares consumiam hambúrgueres fabricados com a mesma carne".
8. Ismael Lima era funcionário de Marcos André de Bortoli na hamburgueria. Ismael receberia carne diretamente de Daniel para processamento.
O que diz a defesa de Ismael: o advogado Leandro Carlo Schramm alega que o seu cliente não tinha conhecimento que a carne utilizada era de cavalo e que o ex-funcionário estava apenas cumprindo ordens do patrão.
9. Airton Miguel Pires Brando, 55, atuava como gerente do Natural Burguer Sagrada Família, onde a investigação comprou um lanche e comprovou a presença de carne de cavalo. A investigação não apontou que os donos de lancherias sabiam do abate ilegal e mistura de carne de cavalo nos hambúrgueres, mas a promotoria ressaltou a falta de notas fiscais e de regras sanitárias na compra das carnes.
O que diz a defesa de Airton: a reportagem não conseguiu contato com a defesa. Anteriormente, os advogados Wagner Flores de Oliveira e Gregory Baun afirmaram que Airton é inocente, porque jamais compactuou com a prática alegada na denúncia ou expôs à venda qualquer produto impróprio aos consumidores, ressaltando que ele também consumia os mesmos produtos.
10. Robson Kemerich Samoel, 33, é o dono da Miru's Burguer, outra lanchonete em que o MP comprovou, por exame de DNA, a presença de carne de cavalo em lanches.
O que diz a defesa de Robson: A advogada Daniela Silva afirma que o estabelecimento foi enganado pelo vendedor Daniel Gnoatto sobre as carnes utilizadas para preparar o alimento. De acordo com a defesa, a lanchonete foi "amplamente prejudicada", sofrendo um "dano irreparável".