O dia seguinte à operação que colocou sob suspeita a qualidade de um dos principais lanches de Caxias do Sul foi de tristeza nas hamburguerias da cidade. O que mais incomoda é uma lista de 17 estabelecimentos que seriam compradores do grupo investigado pelo Ministério Público (MP) por misturar carne de cavalo nos hambúrgueres. Uma imagem de suposta folha contendo o nome das lanchonetes circula nas redes sociais, contudo o MP não confirma veracidade da foto.
Na manhã desta sexta-feira (19), a promotoria ouvia testemunhas relacionadas à investigação. Procurado pela reportagem, o promotor Alcindo Bastos evitou falar sobre a lista de hamburguerias que circula nas redes sociais.
— (Os nomes que encontramos) terão que prestar informações, esclarecimentos. Não temos como adiantar no momento se serão meras testemunhas ou investigados — afirmou o coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) - Segurança Alimentar.
A reportagem do Pioneiro procurou os estabelecimentos que aparecem nesta suposta lista. Representantes da maioria deles relatam que foram fiscalizados pela Vigilância Sanitária na noite de quinta-feira (19) e apresentaram toda a documentação solicitada. Alguns locais tiveram lanches coletados para análise. Todos negam envolvimento com o suposto esquema investigado pelo MP (confira as manifestações das hamburguerias abaixo).
O ponto central da investigação está em Marcos André de Bortoli, 50 anos, que foi preso preventivamente e está recolhido na Penitenciária Estadual de Caxias do Sul, no distrito do Apanhador. O nome dele seria conhecido por praticamente todos os empresários do ramo de hambúrguer. Ele é descrito como um distribuidor regional de carnes com décadas de atuação na cidade.
— Ele trabalha há muito tempo com isso. O pai dele já fazia hambúrguer. Foi um negócio que passou de pai para filho, com décadas trabalhando, então, o pessoal tinha confiança. Já comprei alguma vez. Hoje, não pego mais. As hamburguerias todas foram vítimas dele, tenho certeza. Estou falando pelos outros, porque todos sabemos e conhecemos ele — relata um dono de casa de xis que pede para não ser identificado.
Esse relato é comum. Empresários comentam que compraram o ponto e mantiveram o mesmo fornecedor, justamente porque ele era muito bem recomendado.
— Considerava um "amigão" meu. São anos que nos conhecemos. Ele não precisava fazer isso, já estava estabelecido (no mercado). Era uma pessoa que vendia para todo mundo, todos consideravam de confiança — desabafa outro empresário.
— As pessoas são maldosas e tem vários comentários por aí. Mas, não aconteceu por dinheiro (ganância). Não foi por preço, porque o preço dele nunca foi barato. Só que faz anos que ele faz isso, e para muita gente, até de outras cidades. Ele já tinha um nome — comenta outro profissional do ramo.
Outro investigado é Eduardo Mezzomo, 26 anos, que é apontado como o responsável pela chácara em Forqueta, no interior de Caxias, onde o MP fez as buscas e encontrou cavalos em condições insalubres. Foi ele quem apontou onde a operação deveria usar a retroescavadeira para encontrar as carcaças dos animais que eram enterrados após o abate.
Eduardo e o pai dele, Reny Mezzomo, 61, também foram presos preventivamente e estão recolhidos na penitenciária no Apanhador. Ambos são moradores de Forqueta.
A reportagem não conseguiu confirmar a identidade dos outros três investigados presos durante a operação e ainda aguarda contato dos advogados de Eduardo, Reny e Marcos.
Imagem do hambúrguer da cidade está abalada
O sentimento entre os empresários do ramo é que o estrago já está feito. A noite de quinta-feira e a manhã de sexta-feira, que costumam ser horários de movimento intenso, tiveram menos de 20% dos pedidos, segundo empresas ouvidas pela reportagem. Diversos estabelecimentos recorreram às redes sociais para garantir a qualidade de seus produtos e fornecedores e a limpeza das cozinhas.
— Estão todos (do ramo) "pagando o pato", porque o pessoal está assustado. É um momento que temos que zelar por todo mundo. Hoje é uma sexta-feira e movimento está baixo. Até quem nos conhece, é cliente há anos, está com medo — lamenta Marcelo Claudio Nunes, dono do Hiper Burguer.
Além do movimento baixo, os empresários descrevem ofensas e "brincadeiras" maldosas nas redes sociais e por telefone. Também há relatos de pedidos de telentrega que são trotes ou são cancelados no último momento.
— Foi uma repercussão bem ruim. Até se esclarecer tudo e voltar ao normal, o pessoal fica muito desconfiado. Convidei vários clientes para conhecerem, verem os nossos processos, fazerem um teste. A cozinha é aberta, temos as notas fiscais para apresentar. Reforçamos os procedimentos para segurança nossa e dos próprios clientes — relata Samuel Ferreira, que adquiriu o ponto da Bruce Burguer neste ano.
O que dizem as hamburguerias investigadas:
Duas hamburguerias foram citadas pelo Ministério Público na operação: o Miru's Burguer, no bairro Kaiser, e o Natural Burguer, no Sagrada Família. Nessas casas, a investigação coletou lanches e enviou para análise no Laboratório Federal de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, em Goiás. O resultado do DNA deu positivo para carne de cavalo.
De acordo com o advogado Victorio Giordano da Costa, a sua cliente, Natural Burguer do Sagrada Família, e diversas outras hamburguerias foram enganadas por um distribuidor regional - o advogado afirma não ter conhecimento para citar o nome desse vendedor.
— As hamburguerias também são vítimas do distribuidor dos produtos, que está preso. Eles jamais podiam imaginar. Ele atendia toda a região, dezenas de hamburguerias, e ninguém suspeitava. A comida era embalada, limpa e gostosa. Os donos e funcionários comiam esses mesmos lanches, levavam para os pais e filhos, ninguém imaginava que houvesse problema. Foram inocentes úteis — declara.
A Natural Burguer Sagrada Família se manteve aberta após a operação, mas o movimento reduziu em mais de 90% conforme os funcionários. A loja tem uma cozinha aberta, à vista dos clientes.
— Foram inocentes porque tinham inteira confiança. Tudo era feito por depósito no banco. Quando precisava (de carne), telefonava e logo recebia a encomenda. Era um negócio de inteira confiança porque essa pessoa tem muito nome, era um distribuidor regional há anos — salienta o advogado.
Costa afirma que a Natural Burguer Sagrada Família está à disposição das autoridades e não tem a mínima restrição para que tudo seja investigado. A hamburgueria, segundo o defensor, quer que tudo seja transparente e esclarecido para com seus clientes.
A outra investigada, Miru's Burguer, funciona apenas à noite e se manifestou por uma nota nas redes sociais. Leia na íntegra:
"Em respeito à comunidade caxiense e a todos os clientes, por meio desta Nota a Miru's Burguer vem a público manifestar-se:
Primeiramente, assim como a comunidade caxiense a Miru´s Burger foi vítima deste fornecedor de matéria prima (hambúrgueres), colocando inclusive familiares nesta situação desprezível.
Ao longo deste dia, a Miru's Burguer tomou ciência dos fatos envolvendo o estabelecimento, e vem tomando atitudes e ações necessárias junto das autoridades competentes.
É necessário informar que o conhecimento das ações delituosas causadas pelo fornecedor de hambúrgueres aconteceu através da impressa local.
Frente aos fatos, e preocupada com seus clientes, a Miru's Burguer está buscando meios de comprovar sua idoneidade e honestidade, através dos meios legais, e que é apenas mais uma vítima desta prática lamentável. Que jamais teve conhecimento de tais práticas, corroborou ou foi conivente com tais práticas.
Inclusive que a poucos dias tornara-se cliente de tal fornecedor, ação esta, que visava avaliar o possível fornecedor.
A Miru´s Burger está à disposição das autoridades e trará novos esclarecimentos em breve aos seus clientes.
Por fim, esclarece que buscará meios de responsabilizar os verdadeiros culpados e que maculam a imagem do estabelecimento."
O que dizem as hamburguerias que aparecem na suposta lista:
A reportagem tentou contato com todos os donos ou representantes das 17 hamburguerias que aparecem na suposta lista de compradores do esquema que vendia carne de cavalo misturada com carne bovina. Da relação, 13 responderam ou emitiram comunicados em suas redes sociais. Todos negaram relação com o grupo investigado.
As manifestações são semelhantes. As lancherias garantem que compram seus produtos de fornecedores de confiança e possuem todas as notas fiscais. Muitas lembram que trabalham há anos, até décadas, em Caxias do Sul e sempre prezaram pela saúde e conforto de seus clientes.
A maioria também argumenta ter produção própria ou fazem hambúrgueres artesanais com o próprio tempero. Outros apresentam seus parceiros fornecedores de carnes. Também é comum o convite para a comunidade conhecer as cozinhas e os procedimentos de higiene e cuidado com os alimentos.
Alguns tratam as listas espalhadas pelas redes sociais como fake news. Outros se colocam à disposição das autoridades. Também há diversos relatos de que a fiscalização da Vigilância Sanitária esteve presente recentemente e não constatou nenhum problema.
— São casas tradicionais, que foram vítimas deste fornecedor. Não é questão de dinheiro. Basta olhar os demais produtos de marca e qualidade (nas hamburguerias). Não faz sentido poupar alguns centavos (com hambúrguer clandestino) e gastar mais com um queijo de qualidade, um vegetal importado, um condimento de marca — pondera um empresário que tem a identidade preservada.
Como não há acusação contra esses 17 empreendimentos, os nomes são preservados pela reportagem. O próprio Ministério Público não divulga a lista ou confirma a veracidade das imagens que circulam por redes sociais. Uma ponderação feita pelo promotor Alcindo Bastos é que a lista não possuía data, por isso não era possível ter qualquer conclusão naquele momento.