A ação da Brigada Militar (BM) que encontrou oito mulheres numa linha de pesagem e embalagem de drogas no bairro Primeiro de Maio chamou a atenção até dos policiais mais experientes de Caxias do Sul. É a primeira vez que é flagrado na cidade um esquema de tráfico com pessoas distribuídas em funções específicas para o preparo e a distribuição da droga num modelo semelhante ao de uma fábrica.
O flagrante foi possível graças a denúncias e informações coletadas pelo setor de inteligência da BM. O 4º Batalhão de Choque (4º BPChoq) foi acionado e, ao olharem pelas janelas de uma casa, os policiais perceberam a atividade organizada.
— Eram oito mulheres (incluindo duas adolescentes) em um legítimo processo industrial em volta de uma mesa. A droga chegava em estado bruto e era fracionada e embalada para venda. (As presas) não passaram muitas informações, mas o que entendemos é que eram "operárias". Sabiam que era uma atividade ilícita, por se tratar de drogas, mas as drogas não eram delas — relata o tenente Roberto Souza.
A moradia fica na Rua Rômulo Carbone. No total, os policiais militares apreenderam 9,1 quilos de cocaína e 1,1 quilo de crack, além de cinco tabletes de maconha. Também foram encontrados R$ 121,9 mil em dinheiro, seis celulares e diversos utensílios que são comuns para preparo da droga.
— Trabalho há 24 anos em Caxias e, nestes moldes de produção, nunca tinha visto. Via de regra, o traficante fraciona e embala a droga no seu próprio local de venda, muitas vezes a sua própria casa. Desta forma, com tanta organização, esse modo de operação com um tom empresarial, é a primeira vez que vejo. É uma prisão inédita neste ponto — salienta o tenente Roberto.
De acordo com a BM, a residência foi escolhida pelo grupo criminoso em uma área do bairro que não é tão comum pelo tráfico de drogas — o Primeiro de Maio tem um problema histórico com venda de drogas, o que faz usuários ficarem reunidos na subida da Rua Borges de Medeiros, conhecida como Morro do Sabão. A casa era semelhantes as demais, "nem muito velha, nem muito nova".
A escolha por mulheres também seria uma forma de não chamar atenção. Apenas uma das presas, que tem 30 anos, possuía antecedente policial por tráfico de drogas. Contudo, foi a intensa movimentação de entregadores, que levavam a droga bruta e buscavam ela fracionada para a venda, que despertou a curiosidade de testemunhas.
— Um esquema bastante ardiloso, em um ponto mais "anônimo" do bairro. Geralmente, nossas equipes vão nos mesmos locais conhecidos. Ali (na casa) não acontecia a venda de drogas. Só a produção. Possivelmente, elas eram pagas para estar ali. Algumas pagas somente para fazer aquilo (sua função), outras poderiam ter participação com o proprietário da droga. Eram muitas pessoas envolvidas — analisa o tenente do 4º BPChoq.
As seis mulheres, entre 20 e 38 anos, foram autuadas em flagrante por tráfico de drogas e associação para o tráfico, sendo encaminhadas para o sistema penitenciário. Elas optaram por permanecer em silêncio na delegacia. As duas adolescentes de 16 anos foram apreendidas por ato infracional e entregues a responsáveis.
A fábrica de drogas agora será investigada fica pela Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco). O delegado interino Vitor Carnaúba também relata que é a primeira vez que acompanha uma linha de produção do tráfico.
— O nosso objetivo é identificar os responsáveis por esse local. Quem organizou? Quem auferia os lucros? Qual o grupo está por trás disso? Tudo será objeto da investigação. Tentaremos detalhes de como funcionava essa produção para apurar as responsabilidades — afirma o delegado.
A suspeita inicial é que a droga em estado bruto vinha de longe, possivelmente numa rota direta do Paraguai. A concentração de uma linha de produção em um só lugar faz sentido com o aumento do poder das facções, que dominam bairros e territórios. A casa no Primeiro de Maio, portanto, seria uma central para abastecer todos os traficantes menores.
Outro ponto considerado pelos policiais é que o surgimento do espaço, até então inédito na cidade, tem relação com a trégua entre as facções, principalmente no Primeiro de Maio. O menor número de homicídios e ataques na comunidade teria permitido que os grupos se concentrassem em lucrar mais com a venda de drogas, o que abriu caminho para uma linha de produção com várias pessoas atuando a serviço de traficantes, o que não seria possível em outros tempos.