O sonho de escalar o Monte Everest se transformou num milagre na vida do oftalmologista caxiense Mauro Chies, 50 anos. Apaixonado por escalada de altas montanhas, o médico sofreu uma queda, em uma greta, que são fendas profundas, no dia 30 de abril, durante expedição para subir até o cume da montanha mais alta do mundo. O acidente aconteceu quando Chies estava no segundo ciclo de aclimatação, que são caminhadas e pequenas ascensões nos montes próximos para acostumar o corpo à subida que vem pela frente. Essas incursões são realizadas próximas ao campo base, que é o local de onde saem todas as expedições. Chies já havia subido ao campo 1, uma vez, uma semana antes da queda, quando escalou o Monte Lobuche East, que fica a 6.100 metros.
Acompanhado do paulista Rodrigo Raineri, Chies, que foi o primeiro caxiense a escalar o monte, passou a noite do dia 29 de abril no acampamento 1 e na manhã seguinte partiu para campo 2, que fica a 6.500 metros.
De acordo com Chies, o caminho é relativamente fácil e não impõe muita dificuldade técnica. Chamado Vale do Silêncio, é um lugar quase plano, e a caminhada é de alguns quilômetros para vencer os 400 metros de desnível entre os acampamentos. No meio desse trajeto cruzando a greta, que às vezes tem centenas de metros de profundidade, Raineri passou na frente pela ponte de gelo que ligava uma extremidade da fenda a outra e, quando Chies foi passar, a ponte cedeu.
— Caí dentro da fenda e, para minha sorte, parei em outra ponte uns 10 metros abaixo da superfície, o que segurou minha queda. Se fosse um pouco mais para esquerda ou direita, eu não teria suporte e despencaria dezenas de metros para baixo. Ficaria preso até morrer — conta.
Enquanto caía, lembra que "aceitou a morte":
— Eu tive um lampejo de segundos de que havia caído em uma greta e tive a certeza absoluta de que iria morrer ali. Aceitei tranquilamente que tinha chegado a minha hora. Essa foi a primeira sensação, de agradecimento pelo que vivi até hoje. Depois senti pena, não por mim, mas pela minha esposa Patrícia e as minhas filhas, a Sofia e a Valentina, de 12 e oito anos, que cresceriam sem a minha presença. Pedi a Deus que minha morte fosse rápida.
Chies ressalta que, ao sentir o impacto, quando parou de cair, o pensamento se voltou para a sobrevivência. A calma e o sangue frio necessários na sala de cirurgia foram essenciais para aguardar o resgate:
— Parei de pensar que tinha morrido para me manter calmo e sair dali. Permaneci imóvel para não tornar a queda mais profunda. A calma, a tranquilidade e o sangue frio que tenho para enfrentar as situações no meu trabalho me permitiram sair desse acidente sem maiores problemas. Se tivesse me apavorado ou me mexido, talvez eu não estivesse aqui hoje.
Emocionado, Chies acredita que duas pessoas especiais, que perdeu recentemente, estavam olhando por ele no momento do acidente. Seu melhor amigo, o radiologista odontológico Marcelo Turra Vanazzi, 48, que morreu no dia 10 de março, um dia depois do seu casamento, e a mãe Leonida Chies, 74, que partiu quando ele chegou ao Nepal.
— A minha expedição teve algumas características emocionais que poderiam ter afetado muito mais a minha trajetória. Meu segundo casamento foi 15 dias antes de eu embarcar e um dia depois, o meu melhor amigo e padrinho morreu repentinamente e a família me entregou as cinzas para levar ao Nepal. Também perdi a minha mãe. Me despedi dela antes do embarque e ao chegar ao Nepal fui informado da partida dela. A carga emocional foi maior, mas acredito que essas duas pessoas queridas tenham me protegido de um final trágico, que eles estivessem olhando por mim.
Parte das cinzas do amigo foram levadas para o Nepal, onde Chies participou de uma cerimônia em um templo budista em homenagem à mãe dele e a Marcelo. Ele deixou as cinzas ao longo do caminho durante a expedição na montanha.
"Fiquei sentado no gelo do glaciar durante uma hora", conta médico
O resgate da fenda foi rápido, porque assim que Raineri percebeu que Chies não estava mais caminhado atrás dele iniciou os procedimentos para encontrá-lo. Experiente, o amigo do caxiense já esteve no Everest por cinco vezes e já chegou ao cume em três ocasiões:
— Fui prontamente resgatado pelo Rodrigo e por alguns xerpas (habitantes das montanhas) que passavam pelo local. Tentamos chamar o resgate pelo rádio, mas não nos atenderam. Passaram uns 30 minutos sem resposta, então acionei meu localizador de emergência via GPS e a central nos EUA acionou e coordenou o resgate a distância. Vinte minutos depois desse acionamento o helicóptero de resgate pousou ao meu lado. Fiquei sentado no gelo do glaciar durante uma hora.
Como resultado da queda, o médico quebrou o dedo.
— A lesão no dedo fez com que fosse impossível prosseguir, porque usamos duas a três luvas e precisamos das duas mãos para segurar as cordas. O helicóptero me levou para Kathmandu, capital do Nepal, onde foi atendido e operado, e no dia 1º de maio voltei para o Brasil.
A ideia dos montanhistas era chegar ao topo da montanha pela face sul do Everest, que é uma rota clássica. Uma vez lá no topo, Raineri decolaria de parapente e como os dois são pilotos, Chies iria auxiliá-lo no voo:
— Infelizmente, não ocorreu como planejamos, mas meu interesse pelo Everest foi crescendo e eu nem sonhava chegar até lá, como cheguei.
O companheiro de expedição também não alcançou o cume. Duas semanas após o acidente do amigo, Rodrigo teve uma pneumonia grave e foi hospitalizado para tratamento em Kathmandu. Ele voltou ao Brasil depois de uma semana no hospital.