Não é perfeito o colégio onde Júnior Port de Oliveira, 15 anos, frequenta em Flores da Cunha. Impressiona é a fórmula adotada pela sessentona Escola São Rafael para motivar e conduzir estudantes em meio ao desgastado cenário da rede estadual.
Se o diretor Vitório Francisco Dalcero lembra que o ginásio clama pela reforma do telhado e do piso e a supervisora pedagógica Neiva Zanatta cita a necessidade de tirar a grade curricular da era analógica, é Júnior quem pede aos candidatos ao governo do Estado que não vejam a São Rafael apenas como exemplo do que dá certo.
O guri e outros 849 colegas de escola não querem mais ser exceções. Eles desejam ver outros jovens da cidade e da Serra desfrutando das mesmas condições nas escolas estaduais:
— Se querem estudantes com conhecimento e visão do mundo, façam um projeto semelhante — brada o guri ao se referir ao projeto multidisciplinar que estimula as turmas do Ensino Médio a produzir documentários e curtas-metragens para o Astro, tradicional festival de cinema estudantil.
A ideia de produzir cinema em sala de aula já dura 20 anos e nasceu da iniciativa do Grêmio Estudantil. Não tem o dedo do governo gaúcho, do secretário da Educação ou do prefeito local. Parece destoar ainda mais em relação ao passado porque é a educação pública mostrando que os jovens não precisam somente de um Estado executor de obras emergenciais em prédios envelhecidos. As novas gerações querem ações de um governo incentivador da inovação, dono de planejamento contínuo e mantenedor de programas administrativos padrão ISO, daqueles que não sejam descartados a cada troca de governo.
No entendimento de fontes especializadas consultadas pela reportagem, o que inclui estudantes, o gestor do Palácio do Piratini para o período 2019-2022 precisa ser um líder na formação de bons gestores escolares para a Serra, priorizar a modernização da rede e colocar, de fato, o aluno e o professor como protagonistas, feito que a São Rafael vem obtendo isoladamente mesmo não sendo perfeita numa rede tão carente.
Para Júnior e colegas da escola florense, caso de Isadora Malacarne, 15, não é sonhar alto quando a educação surge como prioridade nas retóricas de campanhas. Júnior, como diretor de um curta-metragem, e Isadora, como integrante do Grêmio Estudantil, tiveram uma visão de liderança e organização, chance que poucos alunos conseguem diante da franca desmobilização nas salas das escolas estaduais.
O festival deste ano, a exemplo dos anteriores, foi trabalho de grupo, teve atividade extraclasse e muita pedagogia. Iniciou em março e terminou no último sábado numa bela festa no Clube Independente de Flores da Cunha com direito a alunos premiados em 23 categorias. Produzir filmes que exigem roteirização, produção, confecção de figurinos, pesquisas e até trilha sonora foi a maneira encontrada para firmar o estudante como o centro das atenções da escola e não ao contrário, algo que transcende cadernos e livros, sem necessariamente que livros e cadernos fiquem em segundo plano. Cada grupo precisa ligar a produção a uma disciplina para avaliação. A turma de Júnior escolheu matemática.
— O aluno precisa tomar a iniciativa e o cinema possibilita isso. Por ser interdisciplinar, o estudante vê o resultado do produto final — pondera o diretor Vitório.
Não é só a arte que chama a atenção nos bem conservados corredores e salas de aula da São Rafael. O estabelecimento arrecada recursos da União e do Estado, mas é a participação da comunidade que garante investimentos diferenciados. Os pais destinam um total de R$ 50 mil anualmente, dinheiro suficiente para compra de equipamentos e para o pagamento do salário de dois funcionários de portaria, o que dá segurança em todos os turnos na entrada e saída dos alunos. O Grêmio Estudantil também entra com verbas arrecadadas em eventos internos. Todas as salas de aula possuem ar-condicionado, projetores, internet wi-fi e cabeada. Há até auditório especial para a exibição de filmes, um luxo necessário.
São poucas as escolas, entre os 224 estabelecimentos estaduais da Serra, que conseguem alcançar um diferencial desse porte. Caberia ao gestor do Estado, portanto, transformar exceções assim em regras, apontam educadores.
O apoio comunitário e dedicação de alunos e professores ajudam, mas a São Rafael não conseguirá executar tudo sozinha para sempre. Como não é uma ilha na rede, a escola enfrenta dilemas. O bom estado do prédio não esconde a necessidade de obras, o que coloca o estabelecimento na enorme fila das reformas estruturais exigidas pela rede estadual. A dificuldade para manter professores iniciantes também é um desafio.
— O professor novo começa no Estado, se forma, ganha experiência e depois a rede municipal puxa ele — constata Vitório, ao lembrar dos baixos salários.
Na pedagogia, o desempenho dos estudantes em avaliações externas é satisfatória, mas precisa render mais.
— A grande questão é a gente se adequar ao mundo tecnológico, quem está entrando é a geração alfa (nascidos a partir de 2010) que já nasce dominando a tecnologia. Que professor é esse e que escola é essa que vão lidar com essa juventude? Os currículos nas licenciaturas continuam os mesmos. Precisa de uma mudança na formação dos professores. A escola ainda está atrás de tudo isso — avalia Neiva, numa pista para o futuro governador sobre as saídas para a educação da Serra e do Estado.
Abaixo, vídeo do cotidiano da Escola São Rafael, em Flores da Cunha
Confira as sugestões para a alavancar a educação estadual na Serra a partir de educadores, estudantes e especialistas para a educação estadual na Serra: