Responsáveis pela guarda externa da Penitenciária Industrial de Caxias do Sul (Pics), policiais militares presenciam diariamente o tráfico e outros esquemas entre os apenados da Pics. Assim como colegas de farda e agentes penitenciários, um dos PMs ouvidos pela reportagem demonstra desmotivação e reclama a falta de combate às irregularidades. Ele pede o anonimato para relatar o que vê de cima dos muros.
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Pioneiro: Vocês enxergam o consumo de drogas na Pics?
Policial militar: Lá dentro é um comércio muito grande. Crack, maconha, cigarro e até bebida (alcoólica). Eles fabricam cachaça artesanal. É feito em baldes de 20 litros. Nós (policiais) sabemos porque eles colocam a bebida para fermentar no sol. Não tem como não ver. Se não fosse assim, não saberíamos.
Fazem o que querem?
Hoje, quem manda no presídio são os presos. São eles que coordenam, que dizem o que vai ser ou não. Existe um acordo informal lá dentro, do tipo “vocês fazem o que a gente (Susepe) pede e a respeitamos a vontade de vocês até um limite”. É por isso que há tanto tempo não acontece uma rebelião. Não é porque está tudo sobre controle. É porque estão deixando a coisa acontecer à vontade. Tem droga e tudo mais que se imaginar.
Celulares?
Eles alugam o serviço. Emprestam o telefone na frente do banheiro externo, onde eles entram para falar. Assistimos aquele entra e sai. A maioria tem celular. Quem conseguir botar um celular lá dentro, ganha mais de R$ 2 mil.
Muito dinheiro circulando?
Não vemos notas de R$ 10. É só R$ 50 e R$ 100 nas mãos dos presos. Por isso tem gente lá que não quer sair. Lá de dentro, conseguem sustentar a todos lá fora. É de apavorar o quanto de dinheiro se movimenta lá. O forte entra nos dias de visita íntima. É só as visitas irem embora que começa o tendel. Eles passam as coisas por uma jibóia (corda feita de lençóis) entre as janelas das celas e galerias.
Eles não tentam esconder?
É explícito. Os caras (detentos) fumam maconha na nossa cara. Eles sabem que tem esse acordo lá dentro. Vejo a irregularidade e ligo para os agentes. Às vezes, apontamos até o nome, afinal conhecemos os vagabundos. Só que os caras (agentes) não vão atrás. Não há interesse em criar conflito com os presos. É uma filosofia (de trabalho), um acordo informal. Tem coisas difíceis de aceitar. Existe um horário determinado para o pátio. Seria das 9h às 16h em dia de visita. Só que se os caras inventarem de sair às 8h30min, eles saem. Se quiserem ficar até as 19h com a porta da galeria aberta, eles ficam. Quando pedimos para os agentes fecharem (a galeria), eles retornam a ligação para dizer que os caras (detentos) não querem.
Vocês informam esses problemas?
Foi relatado até a nível de comando. Já entramos em divergências com os agentes (da Susepe). Só que nós trabalhamos juntos, precisamos manter uma certa harmonia. Um depende do outro, mas tem momentos que fica difícil. A Pics é precária. É uma casa penitenciária mal projetada e eles têm acesso a ferramentas lá dentro. Por isso, serram as grades. Eles (detentos) não fogem porque não têm o que fazer. Se forem para casa, a Brigada vai lá buscar. Fugir só para dizer que pulou o muro?
E quem não tem dinheiro?
Quem não tem dinheiro vai se comprometer com alguma coisa. Pode emprestar a namorada ou se sujeitar a cometer um crime. Para a gente, pode parecer complicado, mas os caras aceitam essa vida e muitos não querem sair. Eles alegam que trabalhando nunca vão conseguir comprar uma casa. Mas se envolver com o tráfico e roubos dá muito dinheiro em pouco tempo.
Como entra tanta coisa?
Tem a questão da revista íntima (que foi limitada por legislação), mas não é só isso. Tem os presos chamados de confiança que são os que executam os serviços, como de manutenção, dentro da penitenciária. Esses presos têm livre circulação. Fazem o que querem. Até ir do lado de fora e voltar. Eles têm acesso à máquina de solda, a ferramentas e até veículos. Eles sabem tudo e passam as informações lá para dentro. E os que estão dentro (das celas) têm todo o tempo do mundo para cuidar a nossa rotina. Sabem quando trocamos de turno, quais brigadianos ficam mais relaxados na guarita, quem não dá bola (para as infrações). A verdade é que nós da BM já pisamos no freio. Não adianta ficar ligando a toda hora. Avisamos uma vez e depois, se não tomam nenhuma atitude, não nos envolvemos mais. Foge totalmente da nossa alçada.