A lista de pedidos dos peregrinos de Caravaggio tradicionalmente contempla saúde, amor, prosperidade. Mas diante da crise econômica, que acumula 14,5 mil postos de trabalho fechados nos últimos 12 meses só em Caxias do Sul, um pedido virou prioridade entre as preces: o emprego.
– Sentimos as pessoas mais concentradas, preocupadas, pensativas. Mas não chega a ser um momento de desespero, e sim de reflexão – avalia o reitor do Santuário, padre Gilnei Fronza.
A caminhada ao Santuário deste ano, portanto, carrega esse desejo de melhorias entre muitos devotos. A expectativa é de que aumente significativamente o número de romeiros dispostos a percorrer a pé os mais de 18 quilômetros que separam Caxias de Farroupilha, depositando uma confiança diferente do costume na santa. Na romaria passada, 147 mil pessoas passaram pelo Santuário. Neste ano, a estimativa é de que se chegue a 200 mil.
Na avaliação dos religiosos, a adesão maior é de quem pede emprego, agradece por mantê-lo ou melhor: conseguiu recolocação no mercado há pouco tempo. Nem todas as histórias que embalam a 137ª edição da romaria votiva envolvem apreensão, mas se assemelham porque utilizam da persistência que a religiosidade oferece.
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Empresários preocupados em manter a sustentabilidade dos seus negócios estarão entre os romeiros. Na semana que antecedeu a grande romaria, por exemplo, pelo menos 1,5 mil trabalhadores da Cooperativa Vinícola Aurora ocuparam 24 ônibus para agradecer por uma graça alcançada: a longa e amarga dívida da empresa, que chegou a R$ 127 milhões, foi liquidada com quatro anos de antecedência. A dificuldade serviu como estímulo para crescimento e novidades na cooperativa bento-gonçalvense.
Se a fé tem a capacidade de acalmar, confortar e evitar o desespero, também fortalece a a alma de quem procura ajuda, garante o frei capuchinho e professor universitário Jaime Bettega.
– A religião é uma forma de dar conteúdo para a esperança. Este é um momento em que temos perguntas, e não respostas. Ir à Caravaggio é ir à casa da mãe. Quando estamos na casa da nossa mãe, estamos protegidos, seguros – ensina.
E esta segurança que Frei Jaime cita pode chegar ao devoto de forma bastante instintiva:
– O que ela nos dá é sempre muito mais o que precisamos. Às vezes, apenas o consolo da mãe serve.
Caravaggio, olhe para os colonos
O ano que passou também foi difícil para a agricultura. A safra da uva apresentou quebra de 65%. Além da fruta símbolo da região, há índices expressivos de redução na safra do pinhão, mel, maçã, caqui e pêssego. Para a agricultura ir bem, portanto, muitos acreditam que a ajuda de Nossa Senhora de Caravaggio se faz ainda mais necessária.
Para pedir mais abundância e qualidade da próxima safra, e também agradecer pelo pouco que foi colhido, a agricultura Miriam Zuco Nicoletto, 36 anos, não só fará a peregrinação como irá cozinhar para o público que vai ao Santuário. Miriam tem motivos para recorrer à santa: na propriedade da família Nicoletto, a queda da colheita da uva foi de 80%. A culpada? A geada atingiu quase que completamente os sete hectares plantados com variedades isabel, niágara e moscato. O prejuízo só não foi maior porque o seguro agrícola se encarregou de cobrir parte dos gastos.
– Nós sempre procuramos pedir ajuda para a santa. As famílias daqui sempre agradecem mais do que pedem, mas este ano pode ser diferente – avalia Miriam.
Miriam está envolvida com a festa há quatro meses. Ajudará a pilotar as panelas que vão servir bucho, arroz, massa e outras especialidades típicas de Caravagggio. O esforço só não é maior porque está grávida – no lugar de pedido à santa, é hora de agradecer.
– Tive um começo de gestação complicada, e a santa me ajudou. Ela sempre está conosco e merece que confiemos nela em qualquer situação – ensina.