Foi assando um bom churrasco que a família Mariani comemorou a melhor safra dos últimos anos em seus parreirais no interior de Bento Gonçalves. Antes de servir o almoço, o habitual momento de oração em agradecimento foi também um pedido para que agricultores da região, que perderam tudo com a enchente de maio do ano passado, possam recuperar suas propriedades e voltar a ter motivos para agradecer ao final da vindima.
Passar ilesos pela catástrofe permitiu aos Mariani, cuja propriedade soma 80 hectares plantados, no Vale dos Vinhedos, colher e entregar à cooperativa cerca de 240 quilos de uva.

– Nosso maior medo era que, se voltasse a ocorrer uma intempérie, seria difícil superar duas safras seguidas ruins. Perder uma colheita inteira por dois anos seguidos pode tornar o negócio inviável para o agricultor, e o próprio setor pode ter uma queda. Essa era a nossa maior preocupação neste ano – comenta Cristiano Mariani, 36.
Ao passear pelos parreirais limpos, após toda a uva ter sido colhida, o sentimento de realização se estende até o mais novo do clã. Aos 22 anos, Nicolas cultiva a vocação garantir a sucessão familiar.
– Tem muitos jovens da minha idade que saem do interior porque não gostam desse trabalho, que é pesado, mas acabam voltando porque é um negócio que é dele também, que é da família. Eu conheci meus bisavós, trabalho junto com meu avô, com meu pai, então sinto como se eu já tivesse uma experiência até maior. Ao mesmo tempo, me deixa feliz saber que todos eles tinham essa vontade de que as gerações mais novas seguissem o seu legado. É gratificante – diz.

O jovem também conta que trabalhar com os parreirais o ensina diariamente. Principalmente a saber esperar e a respeitar o tempo das coisas:
– Eu sempre fui muito ansioso, sempre quis tudo muito rápido. E a videira me ensinou que não é de uma hora para a outra que as coisas vão acontecer. Para colher é preciso plantar, cuidar, e, principalmente, saber esperar.
Para o pai de Nicolas, Gustavo Mariani, 45, todo ciclo traz algum aprendizado para o produtor, não importa quantos anos de experiência ele já tenha:
– Todo produtor vai concordar que em toda safra tu aprendes alguma coisa. Porque toda safra é única e tem sua peculiaridade. E vai ensinar, até com os erros, ou com o próprio desenvolvimento ou o resultado que ela vai dar em cima do nosso manejo. Se falhar com a videira, ela vai te dar o troco. Se tu agredires ela, ela vai jogar a uva no chão.

Ao final do ciclo, Gustavo diz que a sensação é de dever cumprido e também de alívio. Afinal, um produtor pode dominar todas as técnicas e ter adquirido todo o conhecimento, mas quem está no controle é sempre a natureza:
– A sensação de dever cumprido, porque se a gente faz a coisa certo dá o sentimento de que valeu a pena cada dia de esforço, de sol, de chuva. Quando a nossa parte é bem executada, só cabe à natureza reconhecer este esforço e nos presentear com uma boa safra.
RETROSPECTIVA
Ao longo de um ano, GZH, Pioneiro e RBS TV acompanharam o trabalho da família Mariani no interior de Bento Gonçalves. Foram oito reportagens que mostraram desde a limpeza e poda dos parreirais no outono; passando pelo período de dormência no inverno; que prepara a planta para brotação e floração na primavera, até, finalmente, a colheita no verão.

Para Gustavo Mariani, a experiência o fez ver seu trabalho sob uma nova perspectiva, respondendo a dúvidas e curiosidades que a ele pareciam banais, e também provocou emoções profundas ao refletir sobre a própria história familiar que, assim como a videira, se dá em ciclos:
– É normal, depois de muitos anos, passar a trabalhar no automático, sem parar para pensar em todo o aprendizado que foi necessário para chegar ao resultado esperado. Também houve momentos em que nos emocionamos, porque a agricultura familiar tem isso que é estar sempre representando alguém que veio antes e criou as condições para o trabalho ter continuidade.