No dia 11 de dezembro de 1934, um grupo formado por cerca de 30 pessoas, os chamados emancipadores, celebrou o surgimento do município de Farroupilha. Um dos homens que formavam aquele comitê, o italiano Carlos Buscaino, junto com a esposa, Alvina, tinham celebrado três meses antes a chegada do filho Mário Carlos Buscaino.
Para além do fato de ambos se tornarem nonagenários, a história de Buscaino se mistura com a do município, que à época da emancipação tinha cerca de 11 mil habitantes, e que hoje soma mais de 70 mil. Seus antepassados doaram parte das terras recebidas do império para a construção de lugares não apenas históricos, mas determinantes para Farroupilha se tornar o que é hoje, como a Estação Férrea Nova Vicenza, as igrejas católica e luterana, além do Parque dos Pinheiros e até do cemitério.
Ainda proprietário de uma extensa área herdada dos pais, antes de consolidar o nome da família no ramo imobiliário, Buscaino investiu no setor da terraplanagem, nos anos 1950. Durante o boom da industrialização de Farroupilha, a partir do final da década de 1960, preparou o terreno, literalmente, para a instalação de unidades da Tramontina, Trombini, Soprano e Grendene, entre outras que formariam o distrito industrial idealizado pelo então prefeito Avelino Maggioni.
- Farroupilha é a cidade que eu amo e que não troco por nenhuma outra. Conheço cada canto, cada pessoa que abriu sua empresa ou agricultor que lavrou sua terra para produzir. Costumo dizer que todo homem de negócio vai ganhar, vai perder ou vai empatar, e aqui é uma terra em que quem investe ganha muito mais do que perde - avalia.
Com a boa memória de quem se preocupa em manter o corpo e a mente ativos, também por recomendação médica, Buscaino recorda com saudade dos dias de infância e adolescência, quando gostava de frequentar com os amigos um açude no Balneário Santa Rita, para se refrescar no verão, e de pegar o trem junto com o pai para assistir a concertos de ópera em Porto Alegre. Atualmente, além de acompanhar as empreitadas da terraplanagem, são hobbies simples, porém necessários, como tomar café da manhã aos sábados no Bar do Bolacha, que mantém Buscaino em contato com o dia a dia da cidade a qual já ofereceu muito, mas que também já recebeu muito em troca.
- Sou muito conhecido, mas muitos dos meus amigos já não estão mais aqui. Já "mudaram de endereço". Hoje posso andar na rua ou sentar no bar para tomar um café, e de cada 10 pessoas eu vou conhecer uma ou duas. É porque tudo tem sua época, e Farroupilha sempre vai receber muita gente nova, assim como novas empresas. É uma cidade em que só não trabalha quem não quer.
Homenagem aos revolucionários
Inaugurada em 1910, a estação férrea Nova Vicenza pode ser considerada o marco da emancipação política de Farroupilha, devido à sua importância para a urbanização daquela região. Historiador do município, Vinicius Pigozzi comenta que, como outras vilas que se desenvolvem em torno da linha férrea, ali começaram a prosperar comerciantes e profissionais liberais que queriam ter o poder de se autogerenciar, reinvestindo o que era gerado com a arrecadação de impostos que iam para os cofres da relativamente distante Caxias do Sul.
O comitê emancipacionista foi criado em 1933 e as tratativas duraram cerca de um ano, mas desde o início contaram com a simpatia do então interventor federal Flores da Cunha, àquela época já em campanha para concorrer a uma vaga ao senado. Ciente de que a emancipação não desagradaria a nenhuma das partes envolvidas, em 11 de dezembro de 1934 foi assinado, em Porto Alegre, o decreto estadual 5.779, que criou o município de Farroupilha. O nome escolhido foi uma homenagem ao centenário do início da Revolução Farroupilha, que se comemoraria no ano seguinte, em 1935.
Desafio de continuar sendo terra de oportunidades
Assim como grande parte dos moradores de Farroupilha, o atual vice-prefeito, eleito para ser o mandatário a partir de 2025, Jonas Tomazini, veio de fora. Nascido em Brasília, se mudou com os pais para a Serra aos nove anos, embora a família já tivesse morado no município serrano numa passagem anterior, antes da temporada vivida na capital federal.
Tomazini considera que a história de Farroupilha certamente orgulha os emancipadores que reivindicaram a fundação do município, a partir da fusão de territórios de Caxias do Sul (Nova Vicenza e Nova Milano), de Montenegro (Nova Sardenha) e Bento Gonçalves (Linha Jansen). Uma terra de oportunidades que ainda recebe migrantes de diversas partes do Brasil e de países vizinhos em busca de uma vida melhor, mas também de dar sua contribuição para fazer um município cada vez mais pujante.
- É uma característica que nós temos, de ter muitas pessoas vindas de fora, além de muita gente que nasceu aqui, mas que é filha destes migrantes. Nestes últimos meses já temos recebido pessoas de regiões afetadas pela enchente, como Roca Sales, Muçum, Eldorado do Sul. Também há muitos nordestinos, venezuelanos. Na última campanha vi isso muito de perto. São pessoas que vêm com uma necessidade muito grande de contar com os serviços públicos, porque a renda inicial do primeiro emprego que conseguem na cidade, às vezes não é suficiente para sustentar a família.
Tomazini destaca que, nos últimos três anos e meio, Farroupilha criou três mil novos empregos, passando de 24 mil para 27 mil postos de trabalho. E que a distribuição entre diferentes setores que contribuem para a economia é uma razão para confiar que, talvez pelos próximos 90 anos, ainda há muito espaço para crescer:
- Se pegarmos as 10 empresas que geram maior retorno de ICMS em Farroupilha, nenhuma delas concorre entre si. Essa diversificação é muito importante porque, no momento em que um determinado setor é atingido por uma crise, fica mais fácil de absorver. Ao mesmo tempo, além da indústria, nossa agricultura está muito forte e também o turismo tem registrado um crescimento muito significativo, como podemos ver ao analisar a arrecadação no setor hoteleiro, que dobrou na comparação de 2019 com 2023.