Finados é um dia de celebração ou de melancolia? De tristeza ou de alegria? É normal que o 2 de novembro provoque sensações diversas, por ser a data em que tanto lembramos com carinho e comemoramos a vida de quem já partiu, como choramos a saudade de uma perda que deixou dentro de nós um vazio que não será preenchido.
Não há certo ou errado, tampouco há resposta definitiva para as perguntas acima, que, afinal, são subjetivas. O padre e doutorando em Teologia Eleandro Teles, no entanto, explica que Finados, em sua essência, é uma data alegre, em que a tradição cristã comemora a vitória da vida eterna sobre a morte, baseada na crença na ressurreição.
- No 2 de novembro comemoramos todos aqueles que já estão no reino dos céus e todos aqueles que ainda estão no purgatório, no último processo de purificação para alcançar plenamente a felicidade do céu. Ainda que a dor e a saudade façam parte do amor, e sejam do mesmo tamanho do amor que nós sentimos pelas pessoas, não é um dia de melancolia, mas sim de celebrarmos a esperança que nós cristãos temos na vida eterna, que é muito maior do que a tristeza da separação que a morte nos impõe. Neste dia reafirmamos a nossa esperança de que a morte não é a última palavra sobre a existência humana - diz Teles, que é reitor do Seminário São José, da Diocese de Caxias do Sul.
O religioso explica ainda que o Dia de Finados, no sentido original proposto pelo abade francês Odilon de Cluny ao sugerir a criação da data, na Idade Média, representa a comemoração de todos os fiéis defuntos, é um dia de conexão através da oração e também pelos símbolos mais comuns, que são as flores e as velas, tradicionalmente depositadas junto aos túmulos nos cemitérios, onde são celebradas as missas.
- É um dia de exercícios espirituais. De oração, que é o nosso maior vínculo com aqueles que já partiram, mas em que as pessoas também aproveitam para fazer visitas aos túmulos, levar flores e acender velas. A vela expressa a luz eterna que é Deus, e as flores expressam o amor e a esperança de nos encontrarmos nesta luz. Tudo isso carrega um significado orante, de expressar amor, saudade e, sobretudo, a esperança que nós temos de reencontrar as pessoas amadas quando formos todos nós reunidos no mistério do amor de Deus, que une os vivos e os mortos na sua eternidade.
"É nosso direito entristecer-nos"
Psicóloga clínica Especialista em Luto e Emergências e fundadora do Luspe Instituto de Psicologia, com sede em Caxias do Sul, Ana Reis considera que ritos como os que envolvem o Dia de Finados são, em suas palavras, "como uma cama elástica, nos amparam e protegem frente ao tombo do vazio naquela tesourada na teia da vida que a morte deixa como rastro". Neste contexto, a especialista reforça a importância de viver esta data como um momento sensível, para reforçar os vínculos afetivos com aqueles cuja relação de amor e cuidado nos fez ser quem somos:
- É uma data para lembrar que não somos absolutos, que o amor não é uma questão de escolha para nós, se quisermos viver bem e equilibrados neste mundo. É um tempo para olhar para nossos vínculos, sair da superficialidade, reconhecer a importância das pessoas que com seu amor e cuidado nos construíram- e constroem - mesmo não estando aqui. Porque, uma vez amado para sempre amado. O amor não precisa de reforço para seguir existindo. Para quem já viveu as suas despedidas, sabe que no amor a eternidade atravessa o tempo para nos encontrar.
Ao recordar a infância, em que no dia de Finados a psicóloga ia ao cemitério com a família para momentos que eram de confraternização com outras famílias, Ana observa que o dia para prestar homenagem aos mortos também é uma maneira de tratar a morte como algo natural do viver, que não precisa ser um tabu na sociedade:
- Para as pequenas comunidades, talvez mais sadias do que as grandes cidades, em Finados o cemitério vira um espaço de encontro e de trocas, onde encontramos nossos amigos rezando pelos seus amados, e até sentamos lá, com biscoitos e chimarrão. Lembro-me disso quando era criança, e a morte para nós não era tão assustadora. As crianças iam sem tantos melindres aos cemitérios, faziam perguntas e recebiam respostas, sendo que agora os adultos agora nos perguntam, se devem ou não expor as crianças a "isso". É preocupante quando a morte se torna um "isso". Não penso que devemos naturalizá-la demais, nem banalizá-la, mas temos que considerar que ela não é o outro lado na moeda da vida. Ela está no viver.
É comum, no entanto, se sentir desconfortável ou triste diante do Dia de Finados. Ser estimulado por uma data ou evento a recordar uma perda ou reviver um luto não elaborado, pode fazer aumentar a sensação de vazio ou de solidão. A dica da psicóloga Ana Reis diante deste tipo de situação é evitar, especialmente nestes dias, se isolar:
- No fundo, creio que ninguém goste de Finados, e é nosso direito entristecer-nos. No entanto, há uma diferença entre luto e melancolia. No luto, sentimos falta de alguém do nosso lado de fora. Falta de ouvir a voz, de vê-la sorrir, de poder chamar e abraçar alguém que aos poucos vai morando cada vez mais, dentro de nós. Na melancolia, podemos experimentar um vazio interior, que, claro, pode ser redobrado quando vivemos um luto. Mas é uma falta inicial, anterior ao luto, talvez ao longo da vida e dentro de nós. Dai a importância de que cada pessoa respeite seus próprios sentimentos e que também se escute, oferecendo a si aquilo que sente que seria suportável. Quanto mais difícil estiver, mais recomendado é que sejamos acompanhados por pessoas com as quais possamos nos sentir confortáveis. Na vida atual, não é uma boa ideia para nossa saúde física e mental caminhar sozinhos. Nada é mais mitigador de estresse e trauma para o ser humano do que o vínculo.