Menos diversidade no prato, preços mais altos nas bancas. A escassez de hortaliças, legumes e verduras em Caxias do Sul, registrada após o mês chuvoso de maio, tem levado o consumidor a pagar mais caro pelos alimentos. Desde o final de abril, antes da chuva, até a segunda semana de junho, o preço de nove dos principais produtos pesquisados pela Ceasa Serra apresentou crescimentos que variam de 18% a 89% (veja na lista abaixo).
A oscilação dos valores é reflexo do cenário pós-chuva, em que há pouca oferta de hortaliças e grande demanda. Com a capacidade de produção das lavouras locais prejudicadas, alimentos de outros Estados chegam em volumes maiores na Serra, elevando o preço, sobretudo, pelo frete.
— Neste último mês tivemos preços exorbitantes. Mas quando há falta, o mercado age rápido, trazendo o que não tem aqui de outros centros, como Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Como tudo é uma questão de transporte e preço, temos esses acréscimos de valores vistos recentemente – explica o presidente da Ceasa Serra, Alceu Thomé.
Segundo Thomé, dos 250 agricultores que comercializam na Ceasa, cerca de 70% foram afetados pela chuva, comprometendo a produção e a entrega de mercadorias. A situação se agrava com a chegada do inverno neste mês (começa dia 21 de junho), que costumeiramente, impacta as culturas pelas baixas temperaturas e da formação de geada.
O resultado disso pode ser sentido na cotação dos produtos vendidos na Ceasa Serra. A unidade da folha de couve, por exemplo, passou de R$ 1,77, no dia 30 de abril, para R$ 3,35 nesta terça-feira (11), um aumento de 89%. O maço do cheiro verde custava R$ 1,67 e agora está R$ 2,64, uma alta de 58%. Da lista pesquisada pela reportagem, a unidade de brócolis foi a que menos subiu, passando de R$ 4,67 para R$ 5,52, aumento de 18%. Os valores da Ceasa Serra são referentes às vendas dos fornecedores para o comércio, como mercados, restaurantes. Ou seja, para o consumidor, o preço de compra é mais alto, mas os percentuais de aumento servem como base para conhecer a situação atual dos custos.
Com isso, até que os produtores locais consigam se recuperar e voltar a produzir na mesma quantidade e condições de antes da chuva, o consumidor terá que buscar alternativas para equilibrar as necessidades com os custos.
É o caso de Ângelo Elias dos Passos, 57 anos, proprietário de um restaurante na área central de Caxias do Sul. Segundo ele, cerca de 90% dos fornecedores do restaurante tiveram as propriedades afetadas. A solução foi recorrer a outros locais que vendem os mesmos produtos e arcar com as despesas mais altas.
— Eu pegava os insumos com um pessoal de Feliz, mas eles estão sem condições de entregar. Senti no bolso a mudança: antes, uma caixa com 12 pés de alface custava R$ 25. Cheguei a pagar R$ 80 pelo mesmo produto. Esta semana consegui por R$ 40, na Ceasa – conta.
O aumento não se resume apenas a essa verdura. Passos notou que o valor da couve, brócolis, tomate, cebola e do couve-flor também se elevaram. Em uma década no ramo alimentício, afirma nunca ter visto uma situação semelhante.
— Enquanto os fornecedores não puderem mandar os alimentos, a gente precisa correr atrás, ir ao supermercado, na Ceasa, ver onde tem preço melhor, porque o hortifrúti como um todo aumentou. Nem sempre é possível repassar o valor para a clientela, então a gente precisa equilibrar e ir levando.
Lavouras levarão meses para render boas safras
A agricultura é um dos setores que mais sentiu e ainda convive com os impactos da chuva. Além das estradas bloqueadas que impediam o escoamento da produção, falta de energia elétrica para manter os alimentos refrigerados, a terra e o que estava crescendo nela foram arrasados pelo excesso de água.
— As folhas absorvem a água no solo e aos poucos começaram a apodrecer. As mudas não conseguiram se desenvolver pela falta de sol. Foi um mês praticamente de chuva contínua, impossível cultivar algo neste clima – diz Benardete Boniatti Onsi, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caxias do Sul.
Conforme ela, as perdas foram generalizadas entre produtores do município. No entanto, a cultura mais afetada são as hortaliças, justamente pela fragilidade diante do alto volume de chuvas. Alface, couve, espinafre, rúcula e repolho são alguns exemplos das folhosas que foram perdidas no último mês.
Ainda, há relatos de produtores de hortaliças que também registraram amplas perdas. Na propriedade de Rafael Ferraro, 35, em Santa Lúcia do Piaí, interior de Caxias do Sul, os 16 hectares com cultivo de brócolis, couve-flor, repolho, rabanete, berinjelas e estufas de morango, tiveram perdas de 90% das safras.
— Como o terreno é em um morro, nas partes mais baixas a chuva levou pedras e lavou a terra. As folhas do brócolis e do couve-flor foram apodrecendo. A flor das plantas nem chegou a se desenvolver direito porque não tinha sol. As estufas não foram atingidas, mas o morango mofou todo — conta.
Mesmo com os dias ensolarados, Ferraro ainda não conseguiu recomeçar o cultivo. Isso porque apenas a parte superior do solo secou. Nas camas mais baixas, a terra continua úmida. O agricultor teme mexer na lavoura e ter novas perdas com as chuvas previstas para os próximos dias.
Com isso, deverá aguardar mais algumas semanas para iniciar a recuperação da terra com adubo e calcário. Porém, a expectativa é que as primeiras safras após a chuva não tenham a mesma qualidade do período anterior a maio.
— Para retomar 100% da produção vai levar uns quatro meses, isso se o clima permitir. Temos chance de estiagem a partir de agosto, outro extremo que não contribui para quem vive da terra — antevê.
A perspectiva é compartilhada com Benardete, que acredita serem necessários meses para que os primeiros sinais de recuperação na agricultura sejam vistos. Conforme ela, o cultivo de temperos deverá ser um dos últimos a se restabelecer, já que os alimentos em questão têm um ciclo maior de crescimento.
Nesse período, o sindicato tem feito um levantamento das propriedades que ainda estão com entradas bloqueadas e solicitando a liberação junto à Secretaria de Obras e Serviços Público. Ainda, a associação orienta sobre os auxílios governamentais e como solicitar os mesmos. No entanto, a morosidade tem sido um dos maiores obstáculos para a recuperação das lavouras.
Só na propriedade de Ferraro, a perda é estimada em mais de R$ 150 mil. Sem seguro, ele deu encaminhamento ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que terá a taxa de juros zerado.
Enquanto o valor não é liberado, o agricultor tem investido recursos pessoais na propriedade. Recentemente, duas pessoas foram contratadas para auxiliar na recuperação dos hectares e uma nova estufa foi construída para desenvolver mudas que Ferraro comprou a custo mais baixo.
Questionado sobre o futuro no campo, Ferraro revela que evita pensar nos prejuízos que teve. A permanência na agricultura se resume a dois sentimentos: resiliência e afeto.
— Já me passou pela cabeça que tenho idade para ir embora, seguir outra profissão. Mas quando começo a ver este lugar, onde nasci e me criei, começa a dar um aperto no coração. Não vamos pensar muito e vamos tentar tudo de novo — finaliza Ferraro.