Nas últimas duas semanas o som das aeronaves e helicópteros que circulam intensamente no céu passaram a integrar a rotina das cidades da Serra. Entre alimentos, água, medicamentos e pessoas transportadas, a esperança se tornou a carga mais valiosa. Isso porque com o bloqueio total da BR-470, entre Bento Gonçalves e Veranópolis, as aeronaves passaram a ser o meio de transporte mais ágil entre os municípios. Os 40 quilômetros que dividem as cidades, percorridos por terra em cerca de 45 minutos, agora são ultrapassados em 16 minutos, via ar.
Em 03 de maio, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) autorizou a realização de voos humanitários no Rio Grande do Sul. Desde o dia 05, pacientes veranenses têm partido do aeroclube da cidade em direção a municípios próximos e da região metropolitana para continuar recebendo cuidados.
— Veranópolis sempre teve uma demanda significativa de transporte para cidades vizinhas. Com o bloqueio da BR-470, estamos usando rotas alternativas, mas o trajeto até Bento, por exemplo, leva cerca de 3 horas. Felizmente, o aeroclube da cidade tem nos apoiado, permitindo que os pacientes possam chegar aos hospitais mais rapidamente para receber atendimento — detalha a Secretaria Municipal de Saúde de Veranópolis, Vanessa Calioli.
Em duas semanas, cerca de 13 pacientes de Veranópolis foram levados para Bento Gonçalves, Garibaldi e Porto Alegre. A organização dos voos é feita entre secretaria e aeroclube. A pasta recebe as solicitações, analisa quem precisa voar e encaminha a demanda para a equipe do aeroclube.
Lá, cerca de 12 aeronaves de pequeno porte e seis pilotos voluntários atuam no deslocamento dos pacientes, além de auxiliar no transporte de bombeiros, policiais, médicos e remédios. Os aviões pertencem a empresários de Veranópolis que cederam os monomotores para as ações humanitárias.
— Desde o começo nossa ideia sempre foi ajudar as pessoas com problemas de saúde. Não esperávamos que essa situação acontecesse, mas logo nos organizamos para auxiliar como fosse possível — explica o presidente do aeroclube, Arthur Tomasetto.
Os custos do combustível para as aeronaves têm sido subsidiados por vaquinhas criadas pelo próprio aeroclube e pelo Cruzeta Jipe Clube, grupo de jipeiros de Veranópolis. A chave Pix para realizar doações foi divulgada nas redes sociais do aeroclube.
A esperança voa alto
Quando Marciela Ferruda da Silva, 38 anos, e o pequeno Miguel Ferruda, 10, deixaram o bairro Valverde, em Veranópolis, e seguiram para o hospital Santa Casa de Misericórdia, em Porto Alegre, não imaginavam que retornariam para a Serra a bordo de um avião.
O menino passou pela sua 11ª cirurgia no dia 25 de abril. Miguel nasceu mielomeningocele, uma má formação na coluna vertebral, que exige uma série de cuidados. Enquanto se recuperava do procedimento, a chuva já tinha atingido a Serra, causando o bloqueio da BR-470.
— Quando saímos do hospital, no dia 05 de maio, já estava tudo trancado na estrada. O pessoal da Secretaria de Saúde avisou que a gente ia voltar para Veranópolis de avião. Foi uma surpresa que me deixou assustada. Eu e o Miguel nunca tínhamos andado de avião. Tive medo que ele entrasse em pânico, mas foi maravilhoso. O piloto foi muito gentil e o Miguel adorou a viagem — conta.
Mãe e filho embarcaram em Belém Novo, bairro da zona sul da Capital. De lá, seguiram até Santa Cruz, onde a aeronave fez uma pausa para entregar medicamentos. Depois, seguiram até o aeroporto de Veranópolis. No total, foi cerca de uma hora de viagem, que se tornou uma experiência inesquecível para Miguel.
— Eu ganhei um fone para colocar no ouvido e não ter barulho. O piloto dirigiu bem, mas nem tinha volante. Em algumas partes parecia que a gente estava passando por chão esburacado (momento de turbulência), mas eu gostei muito! Quero ir de novo — relata o menino.
Quem fez o transporte da família foi o piloto profissional Cassio Laner, 37. Naquele dia, ele tinha voado até Porto Alegre a pedido do proprietário do avião. Como retornaria sem carga, foi acionado para dar carona a Marciela e Miguel.
— Quando cheguei em Belém Novo, não sabia quem iria transportar. Só depois descobri que se tratava de um menino que tinha feito cirurgia. Poder ajudar as pessoas retornarem para suas casas tem sido uma experiência gratificante, mas quando são casos como esses, se tornam ainda mais especiais — se comove.