A abertura de uma das pistas da RS-431, no distrito de Faria Lemos, em Bento Gonçalves, permite a passagem de veículos de resgate e trânsito local até a localidade de Linha Alcântara, uma das mais prejudicadas pela chuva na Serra.
O ponto onde antes havia o bloqueio é em frente à Tenda do Neco, na propriedade da família Cobalchini, que resistiu ao desastre climático. O mesmo não aconteceu com a casa, que foi arrastada por um grande deslizamento que invadiu a rodovia e seguiu morro abaixo até o leito do Arroio Pedrinho.
Proprietários do comércio de produtos coloniais, Artemio Cobalchini, 72 anos, e Ivonete Cobalchini, 62, foram encontrados mortos na última sexta-feira (3). A filha do casal, Natália Cobalchini, 27, segue desaparecida. Nesta quinta-feira (9), novas buscas por ela seguiram com o auxílio de máquinas, de um cão farejador e de bombeiros do Rio de Janeiro, de Minas Gerais, de Tocantis, do Distrito Federal e da Bahia.
O efetivo concentrado em Faria Lemos é de 232 bombeiros, que diariamente se espalham por localidades rurais e também para outros municípios vizinhos, como Santa Tereza e Veranópolis. Em Bento Gonçalves, são ao menos cinco pessoas desaparecidas.
No caminho até a Linha Alcântara, estão à mostra grandes volumes de terra que se descolaram de encostas e levaram pedras, vegetação e imóveis.
Antes do salão comunitário da localidade, que chegou a abrigar cem pessoas na semana passada, é possível ver três deslizamentos que pararam muito próximo a duas casas. As residências são do cunhado de Antônio Gabardo, 74, que perdeu boa parte dos quatro hectares de uvas niágara e bordô.
— Está tudo revirado, nunca se viu coisa igual. Perdi um grande amigo que era o Neco, nossa comunidade não é mais a mesma — desabafa Gabardo.
A bordo de uma pequena carreta agrícola, Gabardo circulava pela comunidade e conferia, além dos deslizamentos que mudaram o cenário dos morros, a destruição causada pela cheia do Arroio Pedrinho. Por uma das pequenas pontes, o que se vê é um leito assoreado por árvores e pedras arrastadas pela enchente. O retrato é ainda mais impressionante na chegada do arroio ao Rio das Antas, que passa sob a ferrovia Tronco-Sul.
Atrás da residência de Rosalino Fedrigo, 63, o arroio se resume agora a pequenas concentrações de água que encontram espaço em meio a entulhos no leito. Parte da ferrovia foi arrancada, com dormentes soltos e tortos pela força da água.
— Tenho um galpão com porcos e galinhas em um ponto mais alto, os vizinhos passavam deixando as casas e largavam os animais ali. Gosto da minha terra, dos bichinhos, o que aconteceu aqui é impressionante, eu sei, mas não vou sair — diz.
O trabalho de dois agricultores que podavam um parreiral em meio à circulação de bombeiros, na manhã desta quinta-feira, chamava atenção. Ao fundo, três grandes deslizamentos em um morro próximo lembravam da tragédia na comunidade.
Quem cortava os galhos de parreira era Marcos Faller, 41. Ele auxiliou nas buscas iniciais por vizinhos, entre eles Elisandro Rosseto, 48, que transportava em um veículo agrícola o que havia conseguido salvar da residência:
— Cheguei em Bento com 20 anos e uma sacolinha na mão, estou saindo com uma mudança. Vim pra colher uva, morávamos no norte do Estado, lá meu pai tinha um cantinho, plantava soja e milho. Fiquei quatro anos trabalhando para uma família, depois surgiu de comprar aquela terra e trouxe toda a família pra cá — lembra
Da propriedade de Rosseto, sobrou só a casa, que protegeu a família por algumas horas até que eles encontrassem abrigo longe da água. Os bens que conseguiu salvar estavam hoje na caçamba do veículo agrícola em direção à Linha Paulina, para onde vai com a família se instalar em uma casa emprestada:
— Caiu uma barreira na frente e outra atrás que levou tudo, o parreiral e um galpão que tinha as máquinas. Só sobrou a casa mesmo.
Quem teve a sorte de não precisar se mudar, dava continuidade ao trabalho que muitos dos vizinhos também estariam fazendo, caso nada tivesse acontecido:
— Não podemos parar, entre desastre, morte e desaparecidos, tem a lida que não nos deixa parar — desabafou Faller, enquanto podava as parreiras.