A impossibilidade de helicópteros voarem na região, causada pela instabilidade do clima, faz com que a busca por desaparecidos e o resgate das famílias ilhadas siga apenas por meio terrestre no interior de Bento Gonçalves. As aeronaves do Exército que auxiliariam nos trabalhos não tiveram voos autorizados na manhã desta sexta-feira (3), segundo o prefeito Diogo Siqueira.
Uma equipe formada por cerca de 60 pessoas, entre bombeiros, Defesa Civil, prefeitura e voluntários avança como pode com quadriciclos, tratores e motocicletas até as áreas que sofreram com uma série de deslizamentos às margens da RS-431.
Davi Gallina, cinco anos, ficou três dias à espera do resgate junto ao padrinho George Neves, em uma casa da Linha Alcântara. Os pais, Dariane Norbert, 25, e Davison Gallina, 28, ficaram 48 horas sem notícias do filho, que foi resgatado na manhã desta sexta.
— O dindo mora aqui, tem um bar no lado do salão da comunidade, soubemos deles só na quinta à noite. Foi muita aflição — conta a mãe.
Junto do amigo Jaques Antônio Menegotto Júnior, 28, Davison acessou a localidade onde o filho estava com um veículo 4x4. No entanto, a maior parte do caminho foi feita a pé, em um resgate que durou cerca de quatro horas.
— Foi tenso, mas graças a Deus deu tudo certo, descemos um pouco de 4x4, um pouco de quadriciclo e depois a pé. Estou acabado — diz.
A situação mais cítrica é, justamente, registrada nas localidades de Linha Alcântara, Imaculada Conceição e Vale Aurora, onde há pessoas desaparecidas. Entre elas, o sogro de Sandro Migliavacca, 53, que mora em Linha Alcântara e está sumido desde a última quarta-feira(2). Com um quadriciclo, Migliavacca auxilia nas buscas.
— O amigo dele mora do lado, foi socorrido, mas ele não. Não conseguimos descer de nenhum lado, vamos tentar abrir uma picada (pequena trilha). Não se sabe se a casa está de pé, minha esposa não dorme. Ele resolveu descer pra dar comida para os gatos e não sabemos mais nada dele — conta.
A falta de acessos dificulta os trabalhos. Sem estradas, os caminhos percorridos pelas equipes são feitos entre parreirais, e uma trilha foi aberta em um trecho de mata. Pelo caminho estreito, o motorista César Panizzi, 41, acessou pela primeira vez as proximidades da casa que abandonou na última quarta-feira:
— Pegamos algumas coisas e fomos pra Bento, mas meu vizinho da frente, que chegou a me convidar pra ver como estava a situação da estrada, não foi mais visto.
Primeiras pessoas resgatadas
A professora de Ciências Juraci Fedrigo, 65, mora há cinco anos em Linha Alcântara e leciona em escolas estaduais do interior. Chegou ao salão comunitário de Faria Lemos no final da tarde de quinta-feira (2), depois de um longo percurso até ficar em segurança junto da filha.
— Eu não faço a menor ideia de como está nossa casa. Subimos por uma estrada com trator, depois a pé por uma trilha de barro, depois mais trator, outra trilha e muita subida, até que chegamos. Foram umas três horas de subida por dentro de parreirais e mato.
Quem também dormiu no salão comunitário e não sabe como está a própria casa foi a família de Erci Caetano, 46, que junto do marido, dois filhos e da sogra, foi resgatada na comunidade de Veríssimo de Mattos, próximo ao Distrito de Tuiuty:
— Saímos de casa na quarta-feira (1) de manhã a pedido da Defesa Civil, fomos ao salão da comunidade de Veríssimo e, de madrugada, caiu tudo. Metade da vila não se enxerga mais —lamenta.
Animais salvos
A família Lunardi está agora toda reunida. Um acesso, por onde passam quadriciclos, possibilitou o resgate de dois cães da raça pastor alemão que precisaram ser deixados quando a família saiu de casa, ainda na quarta. Na caçamba de uma camionete, Apolo e Verona, ambos com nove anos, chegaram ao salão paroquial da comunidade de Faria Lemos como um suspiro de esperança em meio a aflição na busca por desaparecidos.
— Não tínhamos dimensão do que era, pensamos em voltar no outro dia, mas não deu. Foi difícil deixar eles lá, na primeira oportunidade voltamos e consegui ver que a casa também graças a Deus está no lugar — disse Guilherme Lunardi.