Os fios dourados e longos de Valentina Leal Zorraski, sete anos, recebiam o vaivém dos dedos delicados da menina na tarde da última quarta-feira (4), em um salão de beleza de Nova Roma do Sul. O afago era uma espécie de ritual de despedida para um momento inédito que estava prestes a acontecer. Para além de um novo visual, o primeiro corte com uma cabeleireira profissional representou um gesto nobre de generosidade e de solidariedade. É que a menina decidiu, por conta própria, doar o cabelo para a cunhada Gabriela Vieira de Almeida, 28, que está em tratamento contra um câncer de mama desde o ano passado e teve perda de cerca de 80% dos fios diante dos efeitos da medicação.
A vontade de doar foi informada aos pais Ricardo Zorraski, 46, e Beatriz Leal Goulart, 44, há cerca de um mês e surpreendeu positivamente o casal. Emocionado, o pai lembra que o cabelo, somente aparado em casa pela própria mãe, sempre foi motivo de orgulho e apego para a criança e até recebeu propostas para a venda, todas negadas pela família. Ele destaca a boa ação da filha:
Fico feliz por ter uma filha tão consciente e generosa.
RICARDO ZORRASKI
Pai de Valentina
—É emocionante, porque a gente vê tantas pessoas precisando e é até difícil saber que a cabeça de uma criança fica preocupada. Mas é bom, é ótimo. Fico feliz por ter uma filha tão consciente e generosa— enfatiza o pai.
Sentada em frente ao espelho da cabeleireira Nádia Conte, profissional de confiança de diferentes gerações da família, Valentina teve o cabelo separado em pequenas quantidades, amarradas com elásticos, seguindo um protocolo já conhecido e estudado pela cabeleireira para este tipo de ação. A primeira etapa foi um corte a seco apenas para separar os fios que serão usados na confecção da peruca daqueles que compuseram o novo visual, um corte chanel, pouco acima dos ombros. A mecha mais longa mediu 32 centímetros. A ideia é de que os fios sejam transformadas em faixas de mega hair e usados por Gabriela até o cabelo natural crescer completamente.
— A diferença (para um corte tradicional) é o início: tem que separar as mechinhas. Quando é um corte comum tu vai cortando e descartando. Assim, corta separando as mechas, presas – explica Nádia.
A cada mecha cortada, diferentes feições ocupavam o rosto da menina, dos pais e da irmã dela, Sofia, 10 anos. Valentina riu, ficou surpresa e, em alguns momentos, até esboçou uma expressão séria, mas, em geral, pareceu se divertir com o processo.
— Tu tá linda — encorajava a irmã Sofia, que também mantém um cabelo longo e natural.
Após a retirada das mechas, a cabeleireira lavou o cabelo, finalizou o corte e secou. Valentina disse que se sentia feliz em poder ajudar Gabriela. Questionada sobre o novo visual, respondeu timidamente:
— Me achei mais bonita assim! — confidenciou a criança.
"Elas sempre foram muito amorosas comigo"
O afeto e a proximidade permearam a relação da professora Gabriela Vieira de Almeida com as jovens cunhadas Valentina e Sofia desde o primeiro encontro, há dois anos. De lá para cá, a afinidade entre o trio só cresceu e se transformou no gesto de generosidade da caçula da família na última quarta.
— Elas sempre foram muito amorosas comigo. Quando eu comecei a namorar o Tiago, fiquei 25 dias com elas nas férias e sempre queriam secar o meu cabelo, queriam fazer penteado, queriam fazer maquiagem em mim. Inclusive, quando fiz minha primeira cirurgia, elas vieram para cá, queriam me cuidar — enfatiza Gabriela, que mora em Sapucaia, na Região Metropolitana de Porto Alegre.
O apoio da família do namorado é tido como fundamental para o tratamento. Ela se recorda que recebeu o diagnóstico de câncer em junho de 2023, após procurar ajuda médica ao sentir um caroço e mudança no aspecto do seio direito. Passou por consultas e exames até receber a confirmação da existência do tumor. À época, diz que pensou em terminar o namoro, possibilidade sequer cogitada por Tiago, 23, que sempre a acompanhou no tratamento.
Parece que abriu um buraco e eu caí para dentro e não conseguia sair. Fiquei um mês bem mal, tentando acreditar, parecia que não era verdade.
GABRIELA VIEIRA DE ALMEIDA
Professora diagnosticada com câncer em 2023
— Eu abri (o exame) pela internet e li carcinoma. Na hora, já tive noção de que era câncer. Parece que abriu um buraco e eu caí para dentro e não conseguia sair. Fiquei um mês bem mal, tentando acreditar, parecia que não era verdade, parecia que eu estava sonhando e não acordava. No dia em que eu saí do médico, mandei mensagem pedindo que o Tiago fosse embora, porque estava desesperada e acreditava que era uma coisa que eu tinha que passar — lembra.
A primeira cirurgia ocorreu um mês depois do diagnóstico e exigiu a retirada da mama direita. A quimioterapia começou em agosto e seguiu até janeiro deste ano. Gabriela diz que nunca desejou raspar o cabelo, por isso, buscou o auxílio de uma touca que faz o resfriamento do couro cabeludo para tentar preservar os fios. Alguns deles permaneceram na parte de trás da cabeça e, agora, com a doação da cunhada, devem ganhar mais volume até que o cabelo natural volta ao tamanho desejado.