Os finais de semana já não são mais os mesmos no interior de Santa Tereza, município de 1,7 mil habitantes e distante cerca de 30 quilômetros de Bento Gonçalves. A cidade foi a mais atingida na Serra pela cheia do Rio Taquari no ano passado, que causou 54 mortes no Estado e destruiu cidades como Muçum e Roca Sales.
Naquele 4 de setembro, duas igrejas e seus salões comunitários foram levados pela força da água. Fundadas por imigrantes italianos e poloneses, as comunidades de São José e Santo Estanislau perderam seus centros de encontros. Missas, jogos de futebol e carteado não têm mais local para ocorrer e é o silêncio, em comunidades já esvaziadas pelo tempo, que predomina na Linha José Júlio, onde as estruturas estavam instaladas.
Depois de rodar o Brasil por muitos anos como caminhoneiro, Noeli Bolesina, 74 anos, se aposentou e retornou de vez à Santa Tereza, onde mora em uma casa na sede do município. Instalada ao lado da Igreja de São José, reformada em 1951, a casa centenária onde nasceu foi comprada pelo avô. Junto do campo de futebol e de um pequeno salão comunitário, o local era, aos finais de semana, um resgate das origens:
— Minha juventude foi toda aqui. A casa foi construída pelos primeiros poloneses que chegaram na região e funcionava como comércio, tinha mais de 120 anos. Era uma comunidade forte, não em quantidade, mas bem estruturada. Com 16 anos fui morar em Bento Gonçalves porque aqui já não tinha muito futuro, mas a comunidade sempre se manteve, com festas anuais e missas regulares — conta.
Da comunidade, restou parte do cemitério. Sepultado nele, o caixão com o corpo do pai de Bolesina foi encontrado quando a água baixou:
— Recolhemos e levamos para Bento — diz.
Quem segue tendo São José como endereço sente ainda mais falta dos encontros. O casal de agricultores Noeli, 70, e Odina Baggio, 67, reconstruiu a casa, levada pela enchente, mas perdeu a convivência dos vizinhos que não fizeram o mesmo e se mudaram para Bento.
— Já tem poucas famílias aqui porque todos foram embora para Bento, mas no final de semana vinham jogar bola e comer uma carne. Faz falta, antes era movimentado e, agora, é tudo um silêncio. É uma tristeza. A gente falava com os vizinhos pela janela. Depois da enchente, foram embora e vinham aos finais de semana. Agora nem isso — dizem.
Missas em casas e capitel reconstruído
A menos de cinco quilômetros dali, a capela de Santo Estanislau também foi ao chão, assim como o salão da comunidade, que no dia 19 de agosto recebeu a última festa do padroeiro, em uma celebração que reuniu quase 300 pessoas.
O presidente da comunidade, Jovani Bielski, 42, busca junto dos vizinhos e por meio de doações, um novo local para reconstruir as estruturas. No entanto, os terrenos ofertados até aqui estão todos na margem do Rio Taquari e uma nova enchente poderia causas estragos semelhantes.
— A paróquia não tem outros terrenos e a comunidade é pequena. Então, não vemos muitas maneiras de reconstruir. É uma tristeza porque a gente se criou aqui jogando bola e fazendo festa. Nós tínhamos reformado a igreja para a festa e, 15 dias depois, a enchente levou tudo embora — conta.
Fundadores da comunidade, os antepassados das 10 famílias que permanecem na localidade estão sepultados no cemitério que, assim como a Capela São José, foi danificado, mas permanece com grande parte da estrutura em pé.
Ali estão os imigrantes que colonizaram as margens do Rio Taquari no século passado e trouxeram a devoção ao bispo polonês Estanislau de Szczepanów ao Rio Grande do Sul. A imagem, vinda da Polônia, se perdeu na enchente. O sino centenário permaneceu no campanário de madeira, mas foi roubado, e a única lembrança física, agora, é uma imagem de Nossa Senhora da Saúde que ficou desfigurada e é guardada pela família Reska.
Em frente à casa do agricultor José Reska, 67, uma imagem de Santo Antônio teve melhor sorte. Mantida em um capitel construído pela família décadas atrás e também destruído pela enchente, a estátua foi encontrada enterrada, de cabeça para baixo, na lama.
Com a ajuda dos vizinhos, o agricultor refez o capitel. A imagem, que teve a pintura danificada, foi restaurada e agora será recolocada no altar em uma missa a ser celebrada pelo pároco de Santa Tereza, padre Agenor da Rocha.
Essa será a segunda celebração a ser realizada nas casas de quem fazia parte da comunidade de Santo Estanislau e marcará a reinauguração do capitel da família Reska. A alternativa foi uma sugestão do padre Agenor:
— A igreja iniciou nas famílias e não em templos. Onde é plano e poderia se reconstruir é muito à beira do rio. E a gente avalia quantas famílias tem por lá, a idade dos remanescentes e se vale a pena a reconstrução — diz.
As missas ocorrem conforme a agenda do pároco, mas a ideia é mantê-las sempre aos terceiros domingos do mês. A desta semana ocorre às 14h30min, no quiosque da família Reska.