A profissão de engraxate, um dos ofícios que vêm desaparecendo ao longo dos anos, tem uma data comemorativa celebrada neste sábado, dia 27 de abril. Mesmo no esquecimento, a função, festejada poucos dias antes do 1º de Maio, Dia do Trabalhador, permanece viva em Caxias do Sul. A reportagem do Pioneiro encontrou duas pessoas que ainda circulam pelas ruas carregando a caixinha de madeira pelas costas com itens como escova, calçadeira, lata de graxa, flanela e esponja.
Um dos profissionais que mantêm a profissão é Vanderlei Borges, 51 anos, que atua na área central de Caxias do Sul. O outro é Joacir da Silva dos Reis, 41, que atende a clientela próximo à igreja de Nossa Senhora de Lourdes. Reis ainda diz que o irmão dele, Josmar, também continua trabalhando e exerce a atividade no Centro, no entorno da Praça Dante — ele não foi localizado pela equipe da reportagem.
Nascido e criado no bairro Planalto, em Caxias, Borges mora com a mãe, Inês. Atua desde os 10 anos, quando a antiga Comai (Comissão Municipal de Amparo à Infância), incentivava os menores de idade a trabalhar. A extinta Comai, criada em 1962, fazia uma espécie de fiscalização das crianças que viviam em situação de vulnerabilidade e pregava o modelo para ela de que "o trabalho educa". Atualmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe qualquer trabalho a menores de 14 anos de idade. A partir dos 14 é possível começar na condição de aprendiz.
Na época da antiga Comai, Borges ganhou uma caixa de madeira e tinha um ponto fixo na praça Dante. Recorda que haviam cadeiras típicas de engraxate onde o cliente sentava em uma altura elevada e os pés ficavam em frente do profissional, o que facilitava o trabalho braçal de fazer o polimento de calçados muitas vezes de executivos, de advogados e outros profissionais que necessitam usar trajes sociais.
— Se eu saísse do meu ponto e tentasse pegar o ponto do outro eu tinha a minha caixa apreendida pela Comai. Eles devolviam uns 10 dias depois. Naquela época não dava muito dinheiro, porque tinha muitos engraxates, mas a gente tinha muito mais clientes do que hoje — relembra Borges.
Vanderlei Borges agora circula entre o bairro São Pelegrino e a área central, atendendo clientes em paradas de ônibus, praças e nos comércios do clientes. Apesar de tímido, é bem conhecido, as pessoas param, o cumprimentam e conversam. Conta que trabalha de segunda a segunda por cerca de 12 horas por dia e cobra R$ 10 por cliente.
A caixa de madeira com o material tem mais de 10 quilos, o que ele considera pesado. Dentro há escovas grandes e pequenas, graxa para passar no sapato, pedaço de papelão colocado no pé do cliente para não sujar a meia e um líquido rosa, mistura de água e detergente para a limpeza do calçado. Além de engraxar sapatos, vende agulhas que desentopem as bocas de fogão. Dessa forma, garante que consegue se sustentar e diz que pretende seguir na profissão:
— Eu faço porque gosto, nunca pensei em parar, assim ganho meu dinheiro. Dependendo do mês, dá mais, outros menos. Mas dá mais de R$ 1 mil por mês. Ainda não sou aposentado, tenho só um concorrente em Caxias, que eu conheço, e a juventude de hoje não quer trabalhar com isso, então eu vou continuar.
O concorrente que Borges cita é o Joacir Reis, engraxate costumeiramente encontrado na região da igreja de Lourdes. Reis conta que atua na profissão desde pequeno. Diz que, pelo que se recorda, teve a primeira caixa de madeira aos seis anos e, ao lado da mãe, lustrava os calçados da clientela caxiense. Atualmente, Reis reside no bairro Parque Oásis, também com a mãe, Dinorá, e destina todo o valor arrecadado no sustento da casa.
— Eu ajudo minha mãe, dá pra sustentar a família, engraxo aqui os sapatos e cobro o valor que a pessoa quiser me dar. Também faço serviços para o pessoal aqui na volta, de pagar contas, ir na lotérica, lavo carros, estou sempre fazendo alguma coisa — conta Reis.
Antigamente, já trabalhou como garçom em um estabelecimento comercial na Avenida Júlio de Castilhos, mas a profissão de engraxate sempre foi a sua paixão e preferiu voltar para ela. Reis pretende continuar sendo engraxate enquanto tiver serviço, porque entende que é melhor atuar como autônomo para garantir o próprio sustento.
Mas admite que o dinheiro vem com muito suor. Todos os dias, levanta cedo, toma café e por volta de 7h já está nas proximidades da igreja de Lourdes. Os principais clientes são funcionários de empresas próximas. Assim como Borges, Reis usa a caixa de madeira com os mesmos utensílios.
— Eu pego o sapato, apoio e passo a escova para tirar bem a poeira. Depois passo a graxa e deixo secar. Tem que deixar secar bem pra não ficar lambuzado, depois eu lustro bem. Meu trabalho é honesto e garante meu sustento, sou conhecido aqui na volta e não pretendo parar, tenho que ajudar minha mãe — finaliza o profissional.
De acordo com a assessoria do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) em Caxias, engraxates não costumam manter registros junto aos órgãos competentes. O registro se enquadra junto de outras profissões similares, portanto, não é possível contabilizar quantos profissionais estão cadastrados no município.
Ainda segundo o Sebrae, trata-se do profissional responsável pelo polimento e limpeza de sapatos, sendo um ofício criado no ano de 1806, quando um operário, em sinal de respeito, poliu as botas de um general francês e, como recompensa, recebeu uma moeda de ouro.
O Sebrae orienta que é preciso trabalhar em locais estratégicos, onde há grande circulação de executivos, empresários e funcionários públicos, como aeroportos, tribunais, câmaras legislativas e centros executivos das cidades, onde pode-se encontrar boas oportunidades. "Um atendimento atencioso e um serviço com bom acabamento pode fidelizar o cliente e aumentar os ganhos", aconselha o órgão.