Quando se conheceu, em 1970, e por mais de 40 anos, o casal Sebastião Alves da Cruz, 63 anos, e Adelaide Domingues de Matos, 76, sempre morou em casas. A última delas em uma área irregular no bairro Fátima Baixo, às margens da RS-122, em Caxias do Sul. A partir de 2010, a construção do Loteamento Victório Trez regularizou a situação de mais de 300 famílias que passaram a residir em apartamentos, sobrados e casas doadas pela prefeitura.
Na zona norte da cidade, 11 torres surgiram para abrigar quem estava em áreas invadidas próximas dali. Ao todo 120 apartamentos, de três e dois dormitórios, contribuíram para Caxias somar o número, divulgado pelo IBGE, de mais 32.645 mil novas unidades num período de 12 anos. O aumento é de 108% em comparação ao penúltimo Censo, do ano de 2010, que indicou que cidade tinha, na época, 30.042 apartamentos.
Atualmente são 62.687. Um deles, no andar térreo da Rua Martim Neves da Rocha, ocupado pelo casal desde 2011, e que não se imagina mais viver em outro lugar:
— Lá onde a gente morava tinha muito barro. Depois que fizeram a escadaria, ficou um pouco melhor, mas nada se compara a morar aqui, no apartamento — compara Adelaide.
Cega desde a infância, a aposentada encontrou, no novo tipo de domicílio, a segurança que precisava para seguir fazendo todo o tipo de tarefa, sem que a deficiência a atrapalhe. Lava e estende roupas e faz pão para vender para fora.
— Acho que hoje nem me acostumo se voltar para uma casa — disse.
Vinda de Vacaria, a hoje presidente da Associação de Moradores do Loteamento Victório Trez, Sandra dos Santos, 54, tem história parecida. Ao chegar em Caxias do Sul, comprou, em um contrato de gaveta que não garantia matrícula ou escritura, uma casa no chamado Valão dos Bragas.
— Paguei R$ 14 mil, meu telhado estava no nível da RS-122 e ficava com o coração na mão imaginando um carro sair da pista e cair em cima de casa. Acompanhei todo o processo de cadastramento e mudança das famílias. Criamos comitês para mudar a mentalidade dos moradores que passaram a ter que se acostumar a morar em apartamentos.
O mesmo ocorreu em outros pontos da cidade e que também contribuíram para o aumento exponencial do número de unidades em Caxias. Em 2017, prefeitura e governo federal, lançaram, no Loteamento Mattioda, 420 apartamentos no Condomínio Rota Nova. E no maior deles, na zona leste de Caxias, o Loteamento Campos da Serra criou, entre 2011 e 2016, 10 torres que juntas somam 1.320 apartamentos.
Para todas as faixas de renda
O programa Minha Casa Minha Vida explica o crescimento imobiliário de Caxias. No entanto, a presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil de Caxias (Sinduscon), Maria Inês Menegotto, destaca que não foram apenas as unidades destinadas para famílias de baixa renda que fizeram o número de apartamentos mais que dobrar em 12 anos.
— Nos primeiros anos do programa, minha construtora entregou 800 apartamentos, e não só para população de baixíssima renda, ele existia em três modalidades. São prédios que iam para quem recebia de dois até 10 salários mínimos. Então, eram vários tipos de empreendimentos, de até 12 pavimentos, com elevador e estacionamento para todos os veículos. Atendeu a uma grande parte da população — disse.
Ainda que novos prédios tenham surgido após esse período, o boom imobiliário, percebido por Maria Inês entre 2009 e 2014, já freou o ritmo. À época eram as taxas de juros e o incentivo de instituições financeiras que faziam de Caxias um canteiro de obras:
— Foi um mercado meio surreal. Nunca mais imaginamos voltar a um pico como tivemos nestes anos. Chegávamos a ter prédios do Minha Casa Minha Vida que lançávamos e era todo vendido antes de a obra ter começado — lembrou.
Para manter a tendência de crescimento, ainda que mais discreta que no passado, o diretor geral da imobiliária Bassanesi, Josué Bassanesi, acredita que Caxias do Sul deva se manter competitiva ao atrair investimentos e fomentar assim a construção civil:
— Construtoras que na época não existiam ficaram enormes nesse período, e foi um crescimento muito interessante. Ocorre que as sementes dos próximos 10 anos precisam ser plantadas agora, para a cidade continuar sendo atrativa. Ela tem que atrair empresas e criar condições para que tenhamos atração de investimentos, seja no ramo imobiliário, na indústria e até nos serviços — considerou o diretor.
Condomínios-clube em alta
Como forma de comparação, os 32.645 mil novos apartamentos que Caxias ganhou em 12 anos se equivalem a 104 unidades do Condomínio Reserva do Parque, inaugurado em 2017, e que possui duas torres conjugadas de 30 andares. O empreendimento possui 312 apartamentos na Rua Marquês do Herval, no centro da cidade.
Além do aumento da população e dos incentivos criados pelo Minha Casa Minha Vida, o crescimento é ilustrado também por uma nova tendência inaugurada em Caxias no ano de 2002 pelo Condomínio American Garden, no bairro Rio Branco. A infraestrutura, com portaria, piscina e salões de festa, foi replicada em outros empreendimentos da EGF Construções ao longo dos anos na cidade.
No bairro Madureira, quatro torres surgiram imponentes a partir de 2010. Juntos, os condomínios Reserva da Mata e Caminhos de Pedra somam 296 apartamentos com conceito de condomínio-clube, que oferecem quadras de esportes e salões de jogos, entre outros atrativos.
O mais recente deles, o Reserva do Parque, além de piscinas, academia, salões de festas, quiosques com churrasqueiras e sala de cinema, disponibiliza para os moradores um minimercado de autoatendimento 24h e espaço pet.
— Essa cultura veio de São Paulo e a construtora foi pioneira nisso. Cresceu muito, recebemos pessoas de outros Estados para morar em Caxias e que querem em primeiro lugar segurança e localização — afirmou a gerente de vendas da EFG, Silvana Stangherlin.
Ter mais do que o dobro de apartamentos de uma década a outra representa também um aumento na fatia de domicílios desse tipo espalhados pela cidade. Em 2010, 20,46% das moradias em Caxias eram apartamentos, atualmente são 33,91%.
Se por um lado é notável o aumento no número de apartamentos, o de casas, no entanto é bastante discreto. Em 12 anos, segundo dados do IBGE, Caxias do Sul ganhou apenas 4.016 casas. O número representou uma queda da fatia de domicílios desse tipo na cidade. Em 2010 eram 78,39%. Em 2022, 64,44%.