Quem olha o Rio Taquari com as águas calmas, como registrado nesta semana na localidade de Santa Bárbara, entre as cidades de Santa Tereza e São Valentim do Sul, na Serra, não imagina a fúria com que ele devastou o que encontrou pela frente durante as cheias de setembro de 2023. Em uma das piores catástrofes que a região já enfrentou, dezenas de famílias ficaram desabrigadas, com prejuízos que, mesmo meses após a tragédia, ainda estão sendo contabilizados.
E um dos maiores estragos foi a queda da ponte que ligava as cidades pela RS-431. Construída entre os anos de 1961 e 1964, a estrutura ficava onde os rios Carreiro e das Antas se encontram, formando o Taquari. A ponte era o principal acesso para municípios como Bento Gonçalves, Guaporé, Muçum, Dois Lajeados, Cotiporã e Monte Belo do Sul. A interrupção do tráfego alterou, além da paisagem, a rotina de moradores que utilizavam a via no dia a dia para negócios e lazer. Ao longo de cinco meses, eles precisaram fazer desvios de pelo menos duas horas por outras rodovias para chegarem ao seu destino.
A nova realidade obrigou as lideranças locais a encontrarem uma solução emergencial, enquanto aguardam a construção de uma nova ponte. Passado o choque e já em ritmo de mobilização, o governo do Estado iniciou o processo de contratação, por meio de edital, de uma balsa para fazer a travessia de veículos e pedestres, temporariamente. A empresa ganhadora foi a Lacel Construção e Apoio Naval, de São Jerônimo.
A embarcação deixou a Região Metropolitana de Porto Alegre no dia 9 de janeiro e, depois de subir o Rio Taquari por 21 dias, chegou ao destino final. Com 35 metros de extensão e 13 metros de largura, percorreu 190 quilômetros e passou por 13 cidades antes de atracar em Santa Tereza. Após a liberação da Marinha para o funcionamento, a balsa entrou em operação no fim da tarde desta sexta-feira (09). Ela comporta uma média de 30 veículos de passeio. Em peso, pode carregar aproximadamente 250 toneladas. A tarifa-base para os usuários é de R$ 9,63.
Municípios investem quase R$ 1 milhão
Para receber a balsa que passa a fazer o translado, os municípios precisaram fazer investimentos para adequação das margens do rio que servirão de atracadouro. Entre instalação de vigas de contenção, colocação de pedras nas encostas, calçamento e pavimentação de vias, iluminação pública e trifásica, foram aportados cerca de R$ 480 mil pelas prefeituras de São Valentim do Sul e Dois Lajeados, e outros R$ 400 mil pela prefeitura de Santa Tereza.
Nova ligação ainda está no papel
A solução paliativa para a falta de acesso não satisfaz os moradores. Tanto que já há um movimento de prefeitos e empresários que lutam pela reconstrução da ponte, ainda sem um orçamento definitivo por parte do governo do Estado, responsável pela futura obra. Houve um primeiro encontro de lideranças da região no último sábado, dia 3, que debateu caminhos para viabilizar a nova ligação e cobrar agilidade do Estado. De acordo com o Departamento de Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), estão prontos o anteprojeto e o orçamento para a construção da estrutura. A obra foi cadastrada para análise no Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR).
O Daer confirma que a proposta já foi analisada pelo ministério, que solicitou alteração com relação à estrutura anterior, passando para 320 metros de comprimento, maior do que o tamanho da ponte destruída. Conforme o governo estadual, “o valor estimado da obra e os prazos para início e conclusão não estão determinados, uma vez que dependem da definição do projeto”.
A cobrança pela reconstrução da ponte na localidade ficou ainda mais forte depois que as comunidades de Nova Roma do Sul e Farroupilha, além de outras cidades vizinhas, também na Serra, articularem grande mobilização e arrecadarem mais de R$ 6 milhões para a construção da Ponte Nossa Senhora de Caravaggio, na RS-448, que substituiu a antiga estrutura, também derrubada pelas cheias de setembro do ano passado.
Entre as principais diferenças nos dois cenários, contudo, estão as condições das bases. Enquanto em Nova Roma as estruturas permaneceram intactas, na localidade de Santa Bárbara as sustentações foram completamente destruídas, o que acarretará em um custo muito mais alto para realização da obra - ainda não há valor estimado. Por isso, a solução é mais complexa e demorada.
Um guia para trazer o novo meio de transporte
Aos 44 anos, o pescador Juliano Fitarelli, figura conhecida nas localidades que ficaram sem a ponte, convive com a angústia de ter perdido a pousada que administrava na mesma cheia de setembro de 2023. Além do prejuízo financeiro mensal acarretado pela enchente, o ex-vereador de Santa Tereza lamenta a situação das comunidades que ficaram sem seu principal acesso. Envolvido no processo de condução da balsa até o município onde mora, ele fez questão de acompanhar a equipe durante todo o trajeto, pelo conhecimento que tem do rio.
— Quando começou o planejamento para buscar a balsa, me prontifiquei porque conheço muito bem o Rio Taquari. Me criei pescando nessas águas e faço isso até hoje. Foi uma alegria ajudar e ter conseguido chegar ao ponto final. Ameniza um pouco tudo que passamos no ano passado — avalia Fitarelli.
Falta de acesso acarreta transtornos
São inúmeras as empresas afetadas pela interrupção da RS-431 sem a ponte. Muitos negócios locais têm buscado deslocamento das cargas utilizando outras estradas da região. Caso da Agroindústria Dois Lajeadense, de Dois Lajeados, que trabalha com abate de suínos e industrialização de embutidos. Com o principal mercado de atendimento na cidade de Bento Gonçalves, o trajeto que antes era cerca de 70 quilômetros, agora está em quase 113 quilômetros, acrescentando uma hora às viagens. Sócia-proprietária da empresa, Angélica Giacomin ressalta o prejuízo encarado.
— Impactou todo mundo. Não fomos somente nós a aumentar os gastos com logística, mas também os fornecedores, que precisaram adaptar novas rotas. Foi um baque. Mas agora estamos acostumados e ansiosos pela balsa, que diminuirá muito os custos — aponta Angélica.
Saiba mais
- A ponte derrubada pela enchente de setembro do ano passado foi inaugurada em 1964.
- A balsa que passa a fazer o transporte entre Santa Tereza e São Valentim do Sul, na Serra, percorreu 13 cidades, de São Jerônimo até o destino final, onde chegou em 21 de janeiro.
- A embarcação pode comportar até 30 veículos de passeio.
- O custo para travessia de carros é de R$ 9,63.