Por que alguém deixa de lado uma promissora carreira de designer de interiores para se lançar ao desafio de ser voluntária na Tailândia? Ancorada em um forte instinto de mudança e transformação, Luciane Martini, 37 anos, natural de Otávio Rocha, interior de Flores da Cunha, fechou a porta de casa em Caxias do Sul, onde morava desde os 18, para viajar pelo mundo, seguindo o seu destino.
— Eu trabalhei em muitas lojas de arquitetura e decoração no Brasil. Estava sempre envolvida com a Sala de Arquitetos, por exemplo. Aí cheguei a um ponto em que eu não aguentava mais. Não me sentia mais pertencendo aquele mundo — revela.
Em 2023, após a indicação de uma amiga, Luciane teve seu primeiro contato com a pousada The Chai Lai Orchid, em Chiang Mai, na Tailândia. O local é aberto para visitação e turismo e, parte do valor arrecadado é destinado para a reserva de elefantes resgatados de trabalhos forçados. Contudo, um dos maiores desafios é abrigar refugiados da guerra civil do Myanmar, que fica à sudeste da Tailândia. Os conflitos por lá perdura há mais de 70 anos.
— No começo era só um santuário de elefantes. Então a idealizadora, uma mulher de Nova Iorque, que veio para cá há dez anos, percebeu que havia uma missão de ajudar as pessoas (refugiadas). A pousada é a base de tudo, onde funcionam os escritórios, a recepção, a cozinha e, nos arredores, tem as vilas, e os moradores trabalham aqui direta ou indiretamente. E aí com o passar do tempo esse lugar foi se tornando um ponto de referência para as pessoas pedirem ajuda também — detalha Luciane.
"Algumas das crianças com quem trabalhei, nasceram de pais refugiados", diz Luciane
Os trabalhadores da pousada são pessoas do grupo étnico Karen, a quem Luciane dedicou-se por cerca de um mês, até a última quarta-feira (31 de janeiro). Ela conta que os elefantes ainda são resgatados, mas quem mais precisa de ajuda ainda são as crianças e os adultos, que segundo ela, continuam migrando com medo da repressão do exército do Myanmar.
— Na parte da manhã trabalhava em uma escolinha onde os pais deixam as crianças para irem trabalhar. Na maior parte, são crianças abandonadas, que perderam o pai, porque ou morreu, ou está preso. Porque se você não é o caçador no Myanmar, você é caçado. Algumas das crianças com quem trabalhei, nasceram de pais refugiados — revela.
O pouco que eu dou, já é muito para eles.
LUCIANE MARTINI
— Inclusive — explica Luciane — Um dos alunos a quem ensinava inglês era piloto de drone e sua função era matar pessoas para o exército do Myanmar. Hoje ele é um refugiado, porque não quer mais fazer isso. Nós damos o máximo de apoio. E o pouco que eu dou já é muito para eles.
Na pousada funciona ainda a ONG Daughters Rising, em livre tradução para o português "Filhas em Ascensão", cujo objetivo é oferecer abrigo, educação e emprego para as mulheres marginalizadas por conta da guerra, do tráfico humano e da exploração sexual que ainda persiste na região. Nos finais de semana, Luciane desenvolvia um trabalho de consciência e empoderamento feminino junto a um grupo de meninas.
— Ainda existe muito tráfico humano e sexual. Eu ajudava essas meninas, que têm entre 10 e 16 anos, que estão no abrigo por conta de abuso, tendo sido resgatadas do tráfico ou abandonadas pelos pais.
Elefantes e os Mahut
Mahut são chamados os cuidadores e treinadores de elefantes, estabelecendo o convívio entre turistas e os moradores da região. Luciane explica que os elefantes são mantidos no santuário, porque, soltos na natureza, oferecem riscos à agricultura local. Além de protegê-los da caça ilegal e do uso do animal para trabalhos forçados.
Despedida
Luciane Martini já viajou por 40 países e, na última quarta-feira (31 de janeiro), após um mês na pousada The Chai Lai Orchid, despediu-se para seguir seu destino. O próximo desafio será na Malásia e, a seguir, ela ruma para as Filipinas. Em abril, deve voltar ao Brasil para visitar a família, que mora em Caxias do Sul.