Aulas, trabalhos, provas e dias agitados. Essa é uma rotina bastante comum em todo ano letivo. Mas um grupo de alunos da Escola Estadual de Ensino Médio Melvin Jones, localizada no bairro Planalto, em Caxias do Sul, tem encarado esse momento de uma maneira diferente. Estudantes do quinto ano do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio estão participando de um projeto-piloto da Secretaria Estadual de Educação (Seduc) com foco nas ações de atenção plena, principalmente a meditação.
Inicialmente, o projeto estava previsto para ser aplicado apenas nas séries iniciais do ensino fundamental. Porém, após pedido da própria Seduc, também foi implementado no ensino médio. Por contar com essas turmas e fazer parte do programa RS Seguro do Governo do Estado, que busca diminuir os índices de criminalidade, o Melvin Jones foi escolhido. Além de a iniciativa ter sido aceita pela direção.
As atividades começaram no dia 6 de novembro e acabaram, oficialmente, nesta terça-feira (12). As ações seguiram uma metodologia desenvolvida pela ONG Mente Viva, de Gramado, que firmou parceria com o governo do Rio Grande do Sul. Desde então, os alunos tiraram cinco minutos diários para fazer uma conexão interior.
Além da meditação, um polígrafo com mensagens dita a nova rotina diária, música clássica e até desenhos com os pés são aplicados pelos professores. O objetivo é, justamente, trazer uma maior calma aos estudantes e também para que eles se sintam mais confiantes na tomada de decisão.
A mudança já é percebida pelos próprios alunos. Hebert Samuel Ayres Severo, 17 anos, do segundo ano do ensino médio, disse que no início ocorreu um certo estranhamento, principalmente por não conhecer como funcionaria o projeto. Mas isso logo deu espaço à aceitação:
— Às vezes chegamos estressados, acordamos e ainda estamos com sono e, (quando) tiramos aquele tempo para ficar meditando, a gente se sente um pouco mais calmo, mais leve, mais tranquilo.
Lucas Oliveira da Silva, 16, e também aluno do segundo ano do ensino médio, disse que as ações de atenção plena auxiliaram até mesmo na relação entre os próprios colegas. E ele quer levar as atividades para dentro de casa e desenvolvê-las ao lado da mãe, do padrasto e das duas irmãs, com quem mora atualmente.
— Mesmo que eu conheça alguns colegas há 10, 11 anos, a gente não tinha uma proximidade, e agora a gente tem uma certa intimidade maior, o que ajudou em conversas mais profundas, e a turma está menos agitada — conta.
Professores notam rápida mudança
Os professores da escola foram capacitados para aplicar as atividades de atenção plena pela Coordenadora de Comissões Internas de Prevenção de Acidentes e Violência Escolar (Cipave+) da 4ª Cree, Marivane Aparecida Carvalho da Rosa, que foi até Gramado para entender como funcionava o projeto da Mente Viva.
Todos os 25 docentes da instituição de ensino passaram pelo processo, mas somente 12 executam as atividades com os alunos. Sobre a mudança de postura dos alunos que estão integrando o projeto, a diretora Raquel Maggi disse que foi “drástica e direta”.
— Não levaram dias. No momento em que foi colocada a proposta e eles aceitaram de coração, tiveram automaticamente uma mudança de postura. Se sentiram mais tranquilos, mais confiantes.
Raquel acredita que ações como essa são capazes de transformar toda a comunidade escolar. Segundo ela, o projeto seguirá sendo executado no Melvin Jones e, em 2024, será aplicado em todos os alunos:
— No momento em que ele (aluno) para aqueles cinco minutinhos de amor, que ele faz uma reflexão que pode mudar, que é capaz, muda muita coisa.
Impactos analisados pela UFRGS
As atividades do projeto-piloto da Seduc foram desenvolvidas com 201 dos 595 alunos da escola. Essa escolha é para que possa ser feita uma análise comparativa e para avaliar os impactos do projeto entre os que estão ou não participando do piloto.
Essa análise está sendo feita por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Eles, que coletaram dados no primeiro e no último dia da ação, vão elaborar um relatório de clima escolar. Esse documento analisará de forma qualitativa e quantitativa.
Os dados passarão por uma análise e devem ser divulgados oficialmente tanto pela UFRGS como pela ONG Mente Viva em janeiro de 2024.
Em todo o Estado no ano que vem
Os estudos da Mente Viva em atenção plena começaram no ano de 2007 e foram inspirados na cidade norte-americana de Detroit. Ao longo desses 16 anos, diversos projetos foram criados em escolas com o foco na meditação e outros exercícios que trabalham a cognição com base no afeto. Nesse período, conforme a ONG, mais de 314 mil crianças foram impactadas.
— Para ficar dentro de uma metáfora compreensível para as crianças, nós utilizamos a mensagem dos animais, então, cada dia tem um animal e um elemento da natureza que trazem a mensagem que será trabalhada. Aí fica um pouco mais fácil de serem percebidos os atributos, os valores que pretendemos trabalhar — descreveu a fundadora da Mente Viva, Mariela Silveira.
Alguns exemplos de aplicações são histórias com as formigas (com foco na resiliência e superação), com o leão (coragem) e com a girafa (possui pintinhas no corpo e mostraram que ninguém é igual). Sobre o impacto social causado pelas atividades, Mariela defende a necessidade de ações como essa:
— Respeito pelo ser humano e pelas diferenças. Cada ser humano é único, e esse é um tema de fundamental diferença.
Em 4 de dezembro, a Mente Viva firmou um acordo de cooperação com a Seduc para entregar, de forma voluntária, o conteúdo desenvolvido pela ONG para que possa ser aplicado em outras escolas do Rio Grande do Sul. Para janeiro de 2024, está marcada uma reunião com as 30 Coordenadorias Regionais de Educação do Estado para explicar os impactos da iniciativa e a forma de execução em todo o RS.