Seguindo decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e solicitações do poder público, o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal para a População em Situação de Rua (Comitê Pop Rua) elaborou um documento com mais de 70 ações para orientar e aprimorar o atendimento a esse público. As sugestões vão desde um levantamento amplo sobre este público, como um censo, até o auxílio para que esse cidadão possa deixar esta situação e também se profissionalizar. O plano leva, assim, a construção de uma política pública municipal ao atendimento às pessoas em situação de rua. Elas foram apresentadas para o prefeito Adiló Didomenico na terça-feira (12) e serão analisadas.
— Na realidade, o que fizemos é uma proposta preliminar de atendimento, que contemple todas as necessidades da população em situação de rua. A população em situação de rua não precisa apenas da assistência social da FAS. Ela precisa de escolaridade, precisa de saúde. Hoje temos o Consultório nas Ruas, mas é além do consultório. Nós precisamos de cultura, de habitação. O documento é norteador para o município — explica a coordenadora do comitê, Márcia Fuhr.
As ações são divididas em diferentes áreas, como educação, saúde, cultura, saneamento básico, habitação, trabalho e renda, assistência social, cidadania e segurança alimentar. Elas foram levantadas a partir de pesquisa do contexto atual de Caxias e reuniões do comitê, formado por 22 representantes do poder público municipal e da sociedade civil. Como explica Márcia, todas as propostas são importantes e complementam-se, sendo fundamentais para o atendimento às pessoas em situação de rua.
— É uma articulação de todas as políticas. Por exemplo, o Consultório na Rua está também com o consultório dentário na rua, e está fazendo o atendimento para a população da rua. Isso é uma ação importante porque vai interferir quando ele (o cidadão) for buscar emprego. Então, é um conjunto — observa a coordenadora do comitê.
De acordo com a assessoria da prefeitura, o documento foi encaminhado a todas as secretarias envolvidas (como Educação, Cultura Saúde, Habitação, Segurança Pública e Proteção e FAS). Elas analisam as propostas e vão debatê-las na próxima terça-feira (19), em reunião da Dimensão Social da Prefeitura. O objetivo é que esta proposta leve à elaboração da Política Municipal para as Pessoas em Situação de Rua, em 2024.
As ações sugeridas
As ações também são baseadas no perfil desta população em Caxias e nos serviços disponíveis, como o Consultório na Rua, da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), que atendeu 361 pessoas em situação de rua até setembro deste ano. Os dados existentes (veja abaixo), inclusive, surgem das informações dos atendimentos, como no Centro Pop Rua, unidade de referência da Fundação de Assistência Social (FAS) para acolher este público.
O cenário da população de rua em Caxias do Sul:
- De acordo com o Cadastro Único, são 784 pessoas no município em situação de rua.
- Dos cadastrados no CadÚnico, quase 54% estão há mais de 10 anos em Caxias.
- Os principais motivos citados para entrar nesta situação são: rompimento de vínculos, uso de substâncias psicoativas, desemprego, perda de moradia e saúde.
- 1.755 pessoas diferentes foram atendidas pelo Centro Pop Rua até outubro de 2023.
- Neste período, são quase 35 mil atendimentos na unidade de referência.
Não há ainda como saber qual é o real número de pessoas em situação de rua no município. Por isso, entre as ações, estão propostas para a criação de uma base de dados sobre essa população, como um censo. Outro ponto são regulamentações municipais que precisam ser propostas e aprovadas, o que envolve a Câmara Municipal.
Para aprimorar o atendimento, existem propostas como buscar uma estratégia para facilite o acesso a certidões de nascimento de fora do Estado, desenvolver um plano de ações para atendimento em situações de calamidade pública ou eventos climáticos (como chuva ou frio intenso), e também um espaço público definitivo para o Hospedagem Solidária, que abriga este público no inverno.
O documento sugere ainda a instalação de dois restaurantes populares ou cozinhas comunitárias no centro, para ampliar o fornecimento de alimentação. Outra proposta é que a oferta ocorra também no turno da noite. Existe ainda a indicação para que se continue o trabalho para aqueles que possuem animais de estimação. Atualmente, existe uma parceria para que a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma) faça o atendimento dos pets dos moradores de rua.
Habitação, trabalho e saúde
Dentre as mais de 70 ações, algumas estão voltadas para as áreas de habitação, trabalho e saúde. Como explica Márcia, a partir do Programa de Renda Familiar (PRF), que é de transferência de renda a famílias em vulnerabilidade social, 49 pessoas foram tiradas da situação de rua:
— Tem muito sucesso com alguns que receberam deste programa e que estão muito bem. Estão bem porque tem o espaço deles. Então, também temos que pensar nisso (habitação).
Nessa área, o comitê sugere que seja criada uma cota para moradores de rua dentro de programas habitacionais municipais, adesão a programas federais e a criação de um programa habitacional. Já na saúde, sugere-se ampliar os atendimentos no Consultório de Rua e em centros de atenção psicossociais (Caps).
Enquanto isso, existe a indicação para que se criem ferramentas que estimulem a empregabilidade, seja no setor público ou privado, e ainda para a capacitação das pessoas nesta situação.
Márcia lembra ainda que há ações na educação, cultura e esportes. A coordenadora do comitê lembra que atividades ligadas a estes campos, especialmente os dois últimos, geram a oportunidade de uma recuperação de identidade e autoestima.
— Se preenchermos o tempo deles, de eles terem o que fazer, vão agregando outros aspectos e ficando mais distantes do mundo da rua. Então, é possibilitar oportunidades para saírem e serem atuantes. Tu resgata a autoestima e mostra que é possível — pontua a coordenadora.
Plano federal
A medida cautelar do STF, em agosto, determinou que o governo federal também elaborasse a Política Nacional para a População em Situação de Rua. Nesta semana, o Plano Nacional Ruas Visíveis foi lançado, com o anúncio de investimento de R$ 1 bilhão para financiamento do programa. Conforme Márcia, o comitê caxiense, que é o único no Estado que atua há mais de um ano, também acompanha as ações pelo plano nacional.