Nas calçadas e sob marquises e viadutos, principalmente no Centro e em ruas de menor movimento, mas que ao mesmo tempo lhes ofereçam segurança. Pessoas em situação de rua compõe o cenário urbano de Caxias do Sul com diferentes perfis, mas um objetivo em comum: sobreviver.
Há quem use drogas, faça barulho, sujeira e incomode vizinhos e há entre eles quem procure os serviços oferecidos pela Fundação de Assistência Social (FAS). A entidade estima, em levantamento recente, que 744 pessoas estejam em situação de rua no município. É número parecido ao registrado no início de 2020, quando a cidade tinha 741 moradores nesta condição.
O número total considera indivíduos que estejam registrados no Cadastro Único, a forma encontrada pela FAS para encaminhá-los a programas assistenciais como o Bolsa-Família.
No entanto a população de rua de Caxias do Sul pode flutuar com as idas e vindas de um público transitório que procura oportunidades em outras cidades, ainda que o maior município da Serra seja o destino principal da região. Também por isso e devido aos serviços prestados, Caxias é procurada, segundo a FAS, por outras prefeituras para que seja feito o atendimento necessário.
— O Cadastro Único é feito para registro e acompanhamento mínimo de documentação. A gente precisa saber minimamente quem é esse indivíduo — explica a diretora da Proteção Social Especial de Média Complexidade da FAS, Cristiane Oliboni.
Para além de registrá-los, o objetivo da Fundação é também tentar criar vínculos e entender sobre a estrutura familiar de quem dorme na rua.
— O indivíduo tem que ter o interesse de deixar a rua, nós como serviço não podemos impor que deixem as calçadas, é um trabalho de construção e fortalecimento da pessoa para que ele consiga ter o mínimo de autonomia — conta Cristiane.
Perfil
A inexistência de trabalho agravada pela pandemia e o rompimento de vínculos familiares são apontados pela especialista como os principais motivos que levam as pessoas a morarem nas ruas. Mas é o uso de substâncias psicoativas e problemas de saúde mental que acometem a maioria da população. Ainda segundo a FAS, 90% das pessoas em situação de rua que procuram atendimento são usuários de drogas.
— Muitas vezes as famílias já estão adoentadas por lidarem com esses indivíduos, então não conseguem permanecer com eles dentro de casa fazendo com que acabem nessa situação. Eles têm uma organização na rua em que se sentem pertencentes e criam vínculos entre si. Hoje quase 100% das pessoas que acessam nossas casas de passagem têm essa questão de saúde — explica Cristiane.
A saída para isso, ainda de acordo com ela, é trabalhar para dar projeções de vida ao indivíduo e estimular as relações familiares. Em fevereiro o Centro Pop Rua e o Serviço de Abordagem Social atenderam 414 pessoas, sendo 366 homens e 48 mulheres. Destes, 51 foram encaminhados para elaboração de documentos e 34 tiveram passagens pagas para deslocamento intermunicipal.
Comitê Intersetorial
Nesta segunda-feira (10) a então diretora administrativa Geórgia Ramos Tomasi assume a presidência da FAS e tem no recém criado Comitê Intersetorial o principal foco de trabalho para reduzir a população de rua.
— Ele é composto por agentes do serviço público e da sociedade civil, para conseguirmos pensar, enquanto comunidade, nas melhores formas de lidar com isso e buscar fomentar a dignidade dessas pessoas que estão transitoriamente nessa situação — explica.
Morando em uma barraca
A falta de perspectiva de um lar levou Daniel do Nascimento Velho, 24 anos, a viver nas ruas de Caxias, onde permanece até hoje. Isso ocorreu depois que ele completou 18 anos e deixou o abrigo em que morou desde os quatro. Natural de Sapucaia do Sul, já viveu sobre as calçadas de Farroupilha e atualmente dorme em uma barraca na Rua José de Carli, no bairro Universitário, em Caxias. A estrutura chama a atenção pelo tempo que permanece em frente a um terreno desocupado. Nesse inverno, o improviso completará um ano.
A companhia de Velho são as duas cachorras, Chiara e Tina, que há com dois anos com ele, o motivam a acordar e conseguir dinheiro para mantê-las. A rotina começa por volta das 8h30min quando acorda e caminha até o centro. Em um atacado, compra uma caixa de paçocas, balas de goma ou chocolates e, com a revenda, consegue arrecadar, em dias bons, até R$ 100.
— Eu até já juntei algum dinheiro para um aluguel, mas não consigo porque não aceitam as cachorras. Elas cuidam do cara, se não tivesse elas, talvez estivesse dormindo ainda. Tem que dar ração, água e manter o pelo em dia — contou.
A presença dos animais, aliás, é também o motivo de Velho não procurar os serviços oferecidos pela prefeitura e permanecer em situação de rua. Cachorros não são aceitos no Pop Rua por exemplo. Para usar o banheiro, Velho vai a postos de gasolina e o banho é improvisado em baldes d’água. O celular tem a bateria carregada por um aparelho portátil. Durante a noite, diz acordar diversas vezes e não raro por outras pessoas em situação de rua que tentam roubá-lo.
Vem do entorno de onde vende os doces sua projeção de futuro. Nas sinaleiras e em frente a bancos, observa o trabalho dos vigias e se vê fazendo o mesmo.
— Queria fazer meu curso de segurança e ficar ali de uniforme cuidando dos outros. Se tivesse uma casa, teria comprovante de residência para me organizar. Na rua, a gente tem muito gasto, pode até não parecer, mas o dinheiro não para no bolso — diz.
E o que sobra é por vezes compartilhado com o irmão, Gabriel Henrique do Nascimento Velho, 26, que mora em uma casa de acolhimento. Em maio, o familiar dele completará oito anos de contrato no setor da capina da Codeca, mas desde setembro está afastado por conta da doença.
A FAS confirma que a situação de Daniel é monitorada semanalmente e mobiliza a equipe para encontrar um local para que ele possa alugar.