Encarar diariamente salas cheias de estudantes com o desafio de ensiná-los. Ser amigo dos alunos sem diluir a hierarquia e competir com o vasto conteúdo, nem sempre útil, da internet. A missão dos professores não é fácil e tem, entre tantos obstáculos, o choque de gerações, a mudança no comportamento pós-pandemia e a necessidade de preparar as aulas antecipadamente.
Conforme o ano letivo avança, as tarefas precisam ser superadas. E nesse cenário de organização e cobrança, ganhar a atenção plena do estudante é a vitória de quem se desdobra para compartilhar conhecimento. Os que conseguem, ganham admiração. No Dia do Professor, comemorado neste domingo (15), confira histórias de mestres que se esforçam diariamente para ficarem marcados na memória daqueles que passam a citá-los como referências em educação.
"Gosto de ouvir, não sou de impor"
Os sinais de que se abrir ao diálogo estava dando certo vieram para a professora Joelma Couto Rosa, 38 anos, quando viu os alunos questionarem sobre temas do seu interesse. Racismo e empoderamento são os assuntos abordados por ela desde que chegou a Caxias do Sul, em 2010, para lecionar na rede municipal.
— Encontrei bastante vulnerabilidade social e crianças com dificuldade de aprendizagem que nos desafiam enquanto professor. Mas consegui trabalhar com a comunidade e com a cultura que faz parte daquelas comunidades, como o hip hop — contou.
Natural de Rio Pardo, Joelma atua na coordenação pedagógica da Escola Municipal de Ensino Fundamental Machado de Assis, no bairro Reolon. Antes dali foram outras três escolas na mesma região norte da cidade, onde trabalhou e pôde inspirar os alunos.
— Sou uma professora que gosta de ouvir, não sou de impor o que quero ensinar. Trabalho a partir da escuta deles e de coisas que lhes interessam. Acredito que o processo de aprendizagem precisa ter vínculo. Se não tentar olhar do ponto de vista deles, não vou atingir o que quero — afirmou.
De cabelos trançados, a professora Joelma atendeu a reportagem por vídeo chamada direto de Buenos Aires. Na capital argentina, apresentou um artigo, em uma jornada internacional de pós-graduação, sobre as possibilidades de a educação construir uma sociedade antirracista e mais democrática.
Quando não corre pela tentativa de transformar o mundo, Joelma treina na rua. Já correu meia maratona e se dedica à arte circense. O universo que a rodeia é transmitido aos alunos, que enxergam nela uma referência:
— São atividades que auxiliam na minha formação e em ter coisas para levar aos alunos. Eles têm abertura para falar daquilo que tem curiosidade e pedir ajuda em como superar situações de racismo, por exemplo. Na escola do Reolon há muitas meninas negras, e vejo que elas têm valorizado os cabelos, com tranças ou mesmo soltando. Uma delas me disse que nunca tinha visto uma profe com o cabelo afro.
Aulas para professores
Foi numa aula de pré-vestibular sobre a história da Grécia que o professor Max Dantas, 44, descobriu qual seria sua próxima profissão. O então bailarino se encantou pela didática daquele que viria, no futuro, ser seu colega, inclusive, de disciplina a ser lecionada. À frente da turma estava o professor Luis Fernando Mazzochi, o Nandi, que morreu em 2002 e dá nome a uma escola municipal no bairro Desvio Rizzo. A inspiração fez Max seguir a receita para se tornar um bom profissional: gostar de fazer o que faz.
— Tenho a profissão que sempre quis ter, quando cheguei no pré-vestibular e consegui dar aula do jeito que eu acreditava foi minha realização. Os alunos precisam gostar de estar lá — disse.
Depois de atuar em todos os níveis de educação, do Ensino Fundamental ao Superior, o professor de história Max Dantas fez de um cômodo do apartamento a sala de aula. Na prateleira, capacetes originais de guerras e artefatos históricos do Egito antigo que traz de cada viagem que faz.
Durante a pandemia, a necessidade de outra fonte de renda fez suprir uma demanda de milhares de professores Brasil afora:
— Preparar aulas é a parte mais burocrática e onerosa, e que o professor não é remunerado. Era uma necessidade de mercado. Há muitos sistemas que atendem o aluno, mas poucos que dão ao professor fontes para encontrar o conteúdo a ser levado para a turma — considerou.
E, assim, em setembro de 2021 surgiu o “Aulas para professores”, uma plataforma digital com todas as disciplinas e que conta com quase 10 mil assinantes. Deu tão certo que Dantas precisou deixar a sala de aula e se dedicar exclusivamente à venda de material didático de forma online.
— Trouxe colegas de outras matérias. A ideia é ser barato, não passa de R$ 200 por ano e tem tudo o que acredito para dar condições ao professor. Eu sempre preparei muito bem minhas aulas, fazia um roteiro e me dedicava para chegar com o pé na porta — contou.
“Não começo a aula sem ganhar um bom dia”
O desafio de preparar as aulas é encarado pelo professor de Biologia, Paulo Henrique Boff, com o objetivo de captar a atenção do aluno. A estratégia nas aulas do Cetec é chamar o aluno para perto e se colocar à disposição para solucionar problemas.
— É muito fácil dar aula para o aluno dedicado, mas para aquele que não tem muito interesse é preciso trazer a o conteúdo para a sua realidade e ser mais atrativo que o celular. Tomei como parâmetro meus melhores professores, que faziam aulas leves — disse.
A receita de Boff é focar nos alunos dispersos, trazê-los para o assunto e, dessa forma, criar uma espécie de espelho para os outros estudantes:
— É preciso vencer barreiras. Os primeiros dois meses do ano letivo são os mais difíceis para mim. Sou um cara estranho, que chega querendo impor conteúdos, então tenho que ganhar a confiança deles. Brinco muito, participo da vida dos alunos e não começo a aula sem ganhar um bom dia.
A diretora Ana Cristina Possapp Cesa concorda com o método e ainda inclui novos desafios para a convivência entre professores e alunos:
— O adolescente forma a identidade no grupo, se tu trouxer para teu lado ele te defende de qualquer coisa. Mas, se tu bater de frente com o bloco, vai perder. É preciso ser honesto. O celular, por exemplo, é hoje uma extensão da gente. Ele nos distrai, mas a pandemia prejudicou ainda mais. O adolescente precisa do encontro, então sofreu muito, está mais fragilizado e o professor precisa lidar com tudo isso.