Das quatro cidades por onde passou na carreira, o juiz Mauro Peil Martins carrega recordações e lembranças que decoram o seu novo gabinete no Fórum de Caxias do Sul. São fotografias, presentes e até mesmo uma placa do título de cidadão piratiniense que o gaúcho de Pelotas de 39 anos conquistou antes de assumir, em agosto deste ano, o cargo de titular do 1º Juizado da Vara Criminal na maior cidade da Serra. O que também decora a mesa de trabalho do novo juiz é um bonsai de figueira, um entre tantos exemplares da tradição japonesa que replica árvores em tamanho miniatura e cultivados como hobby pelo magistrado.
Martins chega para dar agilidade aos julgamentos de assassinatos em Caxias. Pela primeira vez, a 1ª Vara Criminal conta com a atuação simultânea de dois juízes titulares - além dele, o magistrado Thiago Dias da Cunha está à frente do 2º Juizado. O trabalho é extenso: são cerca de 200 julgamentos pautados, realizados sempre nas quartas e quintas-feiras, e mais de 100 audiências previstas, agendadas nas segundas e terças. A expectativa de Martins é colocar as audiências em dia até a metade de 2024, para poder realizar julgamentos também nas terças-feiras. Sobre os júris, acredita que eles devam se estender até 2027.
— Não conseguimos fazer mais que um júri por dia. Os trabalhos começam às 9h da manhã, ouvimos as pessoas em plenário, acusação e defesa ouvem testemunhas, depois a gente passa por debates, podendo ir a réplica e tréplica. Acaba que isso consome o dia inteiro. E é importante levar em consideração que é a liberdade das pessoas que está em jogo. Não podemos ter um compromisso com os números e tocar os processos de uma forma muito acelerada, sem o compromisso de fazer um trabalho adequado, com uma análise correta do que precisa — defende ele, que também costuma escrever artigos para publicação em periódicos.
Formado em Direito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) em 2007, e pós-graduado em Direito Processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), Martins ingressou na magistratura em 2014. Magistrado de entrância final, ele desenvolveu toda a carreira na zona sul do Estado, sendo a 6ª Vara Cível de Pelotas a primeira comarca da carreira, onde havia trabalhado como estagiário durante a faculdade.
Em seguida, migrou para a Comarca de Piratini, onde atuou por três anos, e comandou apenas dois júris durante todo o período. Foi onde recebeu o título de cidadão do município. Após, foi designado para Rio Grande, onde trabalhou por dois anos, e, desde 2020, estava no 1º Juizado da 4ª Vara Cível da Comarca de São Leopoldo, onde atuava em processos que envolviam relações contratuais, comerciais, cobranças indenizatórias. Também era diretor do Foro.
Não podemos ter um compromisso com os números e tocar os processos de uma forma muito acelerada, sem o compromisso de fazer um trabalho adequado, com uma análise correta do que precisa
A promoção para Caxias do Sul foi anunciada em abril e a mudança para a Serra realizada em agosto. Na cidade, que nunca tinha visitado, Martins preferiu alugar um apartamento por temporada para ter tempo de decidir qual a melhor região para morar. Apaixonado por cozinhar, tem na gastronomia italiana a sua especialidade e quer também conhecer restaurantes da região. No fim da tarde, sem falhas, faz exercícios físicos na academia e também pratica corrida. O único estranhamento, até o momento, é com o clima da Serra.
— Não gosto de lugares frios. Uma coisa que acontece aqui que eu nunca tinha visto era neblina com chuva. Porto Alegre é muito abafado, Pelotas é mais úmida, mas aqui é muito frio — conta.
Vaquinha para auxiliar atingidos
Ainda se habituando com Caxias, em setembro, Martins assumiu uma tarefa. Ele coordenou uma vaquinha online de juízes e servidores do Tribunal de Justiça (TJ-RS) para arrecadar recursos financeiros e ajudar famílias atingidas pelas enchentes no Rio Grande do Sul. Em três dias, arrecadou cerca de R$ 126 mil, divulgando a campanha no seu perfil no Instagram.
— Temos um grupo de WhatsApp com juízes de turmas recentes, com cerca de 200 pessoas. Nasceu ali a ideia de fazermos algo para ajudar. Todos entendiam que a vaquinha era a melhor ferramenta e me disponibilizei a executar. Quando a gente fez o pedido para arrecadar, a ideia era fornecer objetos que as pessoas estivessem precisando, como itens de primeira necessidade, mas a logística disso era muito difícil. Ao mesmo tempo, nos deparamos com a situação de que servidores, estagiários e terceirizados do judiciário que tinham perdido todos os seus itens — explica.
A saída encontrada foi destinar R$ 2 mil para cada um dos 19 funcionários ligados ao Judiciário das cidades atingidas que perderam móveis e casas. O restante do valor, cerca de R$ 77 mil, foi enviado para uma conta do governo do Estado que recebe doações em dinheiro para auxiliar na recuperação dos moradores e dos municípios atingidos. Segundo ele, o cargo de juiz ajuda a dar legitimidade para campanhas como essa, vista por ele como uma oportunidade para transformações sociais e fazer a diferença na comunidade.
Ao mesmo tempo, busca atuar para evitar cada vez mais a descrença das pessoas no Judiciário e acredita que a acusação perde força ao longo do processo. Ele cita casos recentes de acusações que chegam mais robustas à polícia, mas, na Justiça, ganham novas versões.
— Tenho a sensação que as pessoas têm muita dificuldade de ver o seu semelhante sendo punido. Quando acontece um crime, e elas são ouvidas pela polícia, em regra, elas falam coisas graves a respeito de quem está sendo acusado. Mas a polícia não toma a precaução de gravar o que está sendo dito. E, com o passar do tempo, quando as pessoas chegam aqui no Judiciário, na audiência, elas mudam todo o discurso. Elas tentam contar que não foi bem assim. O discurso é "eu não li e podem ter escrito e eu não falei". É impressionante. Acho que a gente tem uma sociedade que funciona para que as pessoas não sejam tão punidas — afirma.
Campanha para o governador
Filho de um bancário e de uma professora, Martins é o primeiro da família a seguir carreira no Judiciário. A única irmã, de 40 anos, é professora de inglês. Ainda na adolescência, se encantou pela profissão e se dedicou a estudar para concursos e se tornar juiz. Também durante a faculdade, em 2002, foi colega do governador Eduardo Leite (PSDB), seu amigo pessoal e para quem fez campanha em 2004 na primeira eleição do tucano, quando concorreu a uma vaga na Câmara de Vereadores de Pelotas.
— Eu tinha 19 anos, era antes da formação, uma coisa meio que na brincadeira (sobre auxiliar na campanha). Somos bem próximos, nos falamos com uma certa frequência. Ele tem uma vocação impressionante, sempre foi envolvido, tem muita disposição de abrir mão da vida pessoal por essa representação, que eu não teria — conta ele sobre o amigo.
Martins deseja seguir evoluindo na carreira para poder chegar, no futuro, ao cargo de desembargador. E que também possa acumular ainda mais homenagens e reconhecimento em Caxias - assim como nas outras cidades por onde passou.