Perto do meio-dia, em Caxias do Sul, o Centro está agitado. Carros buzinam no trânsito intenso, pedestres correm em direção ao almoço e adolescentes apressam-se para deixar a escola. É um cenário bem diferente do encontrado em André da Rocha, que está a 125 quilômetros da maior cidade da Serra. Lá, no mesmo horário, um silêncio tranquilizador toma conta das ruas. Em algumas casas, moradores são vistos em atividades domésticas. Já quem precisa pausar o trabalho, calmamente dirige-se a um dos dois restaurantes do município, que de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) tem a menor população do Estado e a sétima menor do Brasil, com 1.135 habitantes.
Essa é parte da rotina da comunidade de André da Rocha, "uma cidade pequena, mas de gente muito boa", como conta um trabalhador que recém termina o almoço e toma uma taça de vinho branco antes de voltar à lida. O acolhimento dos moradores, o sossego e a segurança — que se reflete em casas sem grades ou muros — fazem, inclusive, que quem venha de fora não queira mais ir embora do município, que completou 35 anos de emancipação (antes pertencia a região administrativa de Lagoa Vermelha). É o caso da paulista Simone Jesus, 46 anos.
É menos população, mas é menos tudo: menos droga, menos coisas ruins
SIMONE JESUS
Empresária
Ela, marido e três filhos deixaram o "agitado interior" de São Paulo, no município de Avaí — próximo a Bauru —, para apostar em uma estação de resina em André da Rocha. A oportunidade foi encontrada em uma pesquisa na internet. O negócio deu certo e Simone, agora, tem um trailer de lanches em frente à praça da Igreja Matriz São Sebastião — ponto de encontro da comunidade e trabalhadores de cidades vizinhas, como Nova Prata, que vão para lá. Simone relata que o movimento inicia às 15h e segue até a noite.
— Eu morei em vários lugares, Santa Catarina, Paraná... A região do Rio Grande do Sul foi a que eu mais me adaptei. Me apaixonei, gostei mesmo desse lugar. Não pretendo voltar mais (para São Paulo). A maneira do povo se comunicar, o carisma que o povo tem, são pessoas prestativas em ajudar. É um povo muito bom. E a tranquilidade daqui não se compara. É menos população, mas é menos tudo: menos droga, menos coisas ruins — descreve a dona dos Quitutes da Paulista.
A vida calma não agrada apenas a aqueles que têm família estabelecida. No posto de combustíveis da cidade, um grupo de amigos senta após o almoço para compartilhar um refrigerante de dois litros — cena que seria rara na correria de uma cidade grande. Luiz Otávio Toscan da Silva, 24, brinca que só nasceu em Nova Prata porque André da Rocha não possui hospital, mas pretende passar a vida no município.
— Aqui a gente pode ficar tranquilo. A gente diz que é o paraíso. Aqui todo mundo conhece todo mundo. Não (penso em sair). Penso em passar a vida inteira aqui. É o plano. Não se estressa com nada, não tem os desafios da cidade grande. Não tem assalto, essas coisas — diz o jovem, que trabalha com agropecuária em propriedade familiar estabelecida na cidade pelo avô.
Em meio a rotina, Silva descreve que tem o laço como passatempo. Os amigos brincam que "todo mundo nasce sabendo laçar em André da Rocha". Essa é mais uma característica da cidade: o tradicionalismo. Já no dia a dia, os moradores gostam de usar bota e bombacha. No tempo livre, o que anima os moradores, como conta o jovem, são os rodeios. Não por acaso, há um Centro de Tradicionalismo Gaúcho (CTG) na praça da cidade — sendo bastante frequentado. Para completar esse ambiente tradicionalista, o município tem até o distrito Chimarrão.
— Praticamos bastante o laço. Em André, tem mais de cem laçadores. De noite, a gente treina — conta o jovem.
"Pequeno Grande Pago"
Mesmo que não tenha hospital, André da Rocha consegue realizar atendimentos na Unidade Básica de Saúde (UBS) e possui atendimento a domicílio, como de noite ou em finais de semana (casos mais complexos são enviados municípios com estrutura maior). Já na educação, o município consegue dar transporte a todas as crianças para a escola. Situações como essa geram qualidade de vida aos habitantes e atraem novos moradores. A policial Cássia Dolgorucov Pires, 38, nasceu em Santana do Livramento e chegou em 2009 no município com o marido, após os dois terem a preparação para integrar a Brigada Militar (BM) na Serra. Foi amor à primeira vista.
O próprio slogan daqui, Pequeno Grande Pago. Na minha concepção, ele é pequeno por causa da população, mas ele é grande de acolhimento, solidariedade e união
CÁSSIA DOLGORUCOV
Policial
A cidade, primeiro, lembrou Cássia de Livramento — até pelo tradicionalismo. Depois, a policial surpreendeu-se positivamente com a comunidade e a segurança. Um ato simples, mas que chamou atenção dela no início (e que é uma surpresa para quem visita a cidade) é receber um "bom dia" ou "boa tarde" por quem está passando pelas ruas, mesmo que seja um desconhecido. Hoje, Cássia tem uma filha de oito anos e espera deixar como herança o orgulho de ter crescido no município.
— O nosso desenvolvimento é constante. Não acredito que o progresso é a quantidade, mas sim a qualidade. Quem vive aqui, vê esse processo do desenvolver. Quem vive aqui, tem uma qualidade de vida magnífica. O próprio slogan daqui, Pequeno Grande Pago. Na minha concepção, ele é pequeno por causa da população, mas ele é grande de acolhimento, solidariedade e união — reflete Cássia.
Outro encantamento da policial são as belezas naturais, como a cascata, o rio e as fazendas antigas. Estes atrativos estão no plano da prefeitura para desenvolver ainda mais André da Rocha com o turismo rural.
O prefeito Sergio Carlos Moretti lembra, por exemplo, que o município tem uma extensão territorial maior que cidades vizinhas, como Nova Prata, que tem quase 26 mil moradores. A utilização de todo esse território está ligada diretamente ao desenvolvimento, que proporciona que jovens fiquem no campo ou que moradores decidam retornar.
— A cidade produz alimentos para 200 vezes o seu tamanho. Está ajudando o Estado e o país a exportar grãos, que no nosso caso é a soja — informa o prefeito, lembrando que a criação de suínos é outra atividade econômica de destaque.
Sem perder o jeito de interior — o que não há nada de ruim nisso, como destaca Moretti — André da Rocha quer continuar com esta qualidade de vida, independente de aumento populacional. A comunidade até ficou feliz em saber que voltou a ter o posto de menor população do RS.
A vida em União da Serra
Em União da Serra, a tranquilidade também é uma característica marcante. No Centro, em uma tarde sem movimento na Rua Moreira César, onde está a prefeitura local, até mesmo um galo é ouvido cantando — um som que dificilmente seria ouvido em outra localidade no mesmo horário. Em um bar próximo, dois aposentados aproveitam o tempo nublado para jogar canastra. Enquanto se divertem, aguardam que outros amigos cheguem. Parte da rotina é assim na cidade com a segunda menor população do Estado e a nona do Brasil, com 1.170 moradores.
— Aqui é um lugar bom de morar, não podemos nos queixar da cidade — afirma Valdecir Boggio, 60, que é dono do bar há 11 anos, depois de ter trabalhado 22 anos na prefeitura.
A cidade emancipou-se há 30 anos, quando os distritos de Vila Oeste e Pulador, que eram de Guaporé, uniram-se. Até por isso, a primeira sede da prefeitura era entre as duas comunidades. Hoje, está em um novo ponto — o que para os moradores mais supersticiosos fez com que a cidade se desenvolvesse mais. Boggio e o amigo Irineu Antônio Dellazeri, 59, contam que a localidade é tão segura "que dá para deixar a porta do carro aberta, com a chave, que ninguém vai levar". Os dois nasceram e passaram a vida inteira na região.
Para eles e outros moradores ouvidos, a única coisa que está faltando é o acesso asfáltico ao município, que ajudaria União da Serra desenvolver-se mais, atraindo novos negócios — a expectativa é que o projeto saia do papel no ano que vem. A cidade tem como principais atividades econômicas a produção de grãos, suínos e frangos, além do leite.
— São 22 quilômetros de estrada de chão (na RS-831) e tem os morros, então o pessoal não vem investir aqui — opina Boggio.
Religião e cultura italiana
Mesmo que a rotina calma seja marcante, União da Serra tem uma população bastante ligada à religião e à cultura italiana. O município até adotou o Talian como segunda língua no início deste ano. Para Dellazeri, a cidade é "uma verdadeira capital da cultura italiana no Brasil". Ao mesmo tempo, a religiosidade pode ser vista na quantidade de capelas e igrejas espalhadas pela comunidade. Por exemplo, há a Igreja Santo Antônio no Centro e a Igreja do Pulador no distrito de mesmo nome.
Como conta a assessora jurídica da prefeitura, que atua como secretária interina de administração, Angela Nascimento, 56, isso faz com que União da Serra tenha um movimento anual pelo turismo religioso. A Gruta de Nossa Senhora de Lourdes é um dos pontos mais visitados. Em fevereiro, celebra-se a festa da Santa, o que faz com que a cidade receba até dois mil visitantes.
O município também tem projeto para ativar o turismo rural, já que tem atrativos como duas cascatas e o Salto de Pulador, uma área com cachoeira convidativa para caminhadas ecológicas.
— Começamos a entrar no cenário turístico por meio do turismo rural, voltado para o circuito de cascatas — explica Angela.
Porém, o detalhe que mais chama atenção de Angela, que antes morava em Porto Alegre, é como a cidade tem uma população longeva. A assessora mudou-se há quase quatro anos com o marido, natural de União da Serra, já pensando na aposentadoria e no sossego que se mostra vantajoso para a saúde:
— Nós temos pessoas de bastante idade, pessoas que já chegaram aos cem anos. Escolhi por ser uma cidade tranquila e com segurança, onde posso criar meus filhos.
Até pela população menor, a UBS local consegue realizar um trabalho preventivo e alcançar todos os moradores. Em necessidade de casos mais complexos, os pacientes são levados a Guaporé.