A proximidade do aniversário de cem anos de três idosas, moradoras de Veranópolis, pode fazer do pequeno município da Serra uma das áreas chamadas de Blue Zones. A ocorrência de centenários na população é um dos critérios adotados pelos pesquisadores Gianni Pes e Michel Poulain, fundadores do conceito descrito, em 2004, no jornal Experimental Gerontology.
À época, o estudo demográfico mapeou a alimentação e os hábitos da população de cinco regiões do planeta com alta concentração de idosos. Em Nuoro, na Itália, Okinawa, no Japão, Nicoya, na Costa Rica, Loma Linda, nos Estados Unidos, e na ilha de Ikaria, na Grécia, as chances de homens e mulheres atingirem os cem anos são bem maiores do que em grandes centros urbanos espalhados pelo mundo.
O estudo apontou a similaridade de países localizados em diferentes continentes e o que faz dessas regiões locais propícios para a longevidade. Para o Instituto Moriguchi, um centro de estudos e aplicações práticas voltadas ao processo de envelhecimento, e localizado em Veranópolis, ainda que possuam culturas diferentes, as Blue Zones encontram em comum a alimentação não industrializada, o modo de vida comunitário e a espiritualidade dos seus habitantes.
Os itens que compõem a lista de indicativos sugeridos pela organização são facilmente encontrados em Veranópolis, cidade conhecida como a Terra da Longevidade e que há 28 anos sedia o principal estudo sobre envelhecimento no Brasil. Responsável pelo projeto, o Instituto Moriguchi recebeu, no final do ano passado, especialistas colaboradores da Blue Zone, que visitaram a cidade e puderam conferir o que foi feito até aqui.
— Nenhum lugar do país gerou tantos estudos e publicações cientificas. O que falta para nós é um número maior de centenários. Temos uma longevidade grande, mas não acima dos cem anos, até por conta do número da população. Okinawa (no Japão) tem mais centenários que toda a Europa, são 50 para cada 100 mil habitantes. Nesse cálculo, em Veranópolis chegamos a um número muito pequeno. O processo está encaminhado, já provamos que temos aqui os fatores das outras áreas já consideradas — explicou o médico geriatra e diretor do Instituto, João Senger.
“Envelhecer bem é um processo que começa cedo”, diz especialista
Especializado em geriatria há 40 anos, o médico João Senger tem presenciado a evolução da longevidade nos pacientes. Se há duas ou três décadas os males da velhice começavam a surgir perto dos 70 anos, agora é com 90 que eles têm preocupado as famílias. Mas, para Senger, viver mais não é sinônimo de estarmos vivendo melhor. E os anos que ganhamos ao passar do tempo fazem, segundo ele, chegarmos ainda mais frágeis quando nos aproximamos do centenário.
— A medicina teve a capacidade de aumentar a expectativa de vida, mas a qualidade desses anos que foram ganhos não é muito boa. No Estado, o gaúcho que chega aos 65 anos tem uma expectativa de mais 12 anos, mas a metade desse tempo será de dependência, quando perde a capacidade de fazer as coisas — disse.
O desafio em retardar a perda de independência dos idosos esbarra no Alzheimer. A principal doença degenerativa do cérebro, segundo o especialista, acomete cerca de 50% da população com mais de 95 anos. E o caminho para enfrentá-la, na visão do geriatra, está em observar indivíduos que estão prestes a ultrapassar as nove décadas de vida.
— Temos muito a aprender com pessoas acima dos 80 anos. Nessa faixa etária, a prevalência do Alzheimer pode ser de até 20%, podendo dobrar a cada década de vida. Os idosos dessa idade têm chegado muito frágeis porque perdem muita massa muscular, são de uma geração que não aprendeu a importância de fazer exercícios. E esses hábitos devem ser trabalhados durante toda a vida.
É o estilo de vida e os hábitos adquiridos ao longo dos anos que se mostram determinantes para o bom envelhecimento. Exercitar a musculatura e manter a mente ocupada com novos aprendizados parece ser a receita para alcançar a terceira idade com lucidez e sem depender tanto da ajuda de profissionais e familiares. No entanto, segundo o geriatra, essa postura diante da vida deve começar cedo.
— Não há mágica, é um contexto de prevenção que faz muita diferença. É preciso controlar a pressão alta e o colesterol, por exemplo, ainda na meia idade. A intervenção e diagnóstico do Alzheimer deve ser feito mais cedo, não adianta ter um remédio e intervir depois que o camarada perdeu parte dos neurônios.
Para isso o Instituto Moriguchi investe em pesquisas e estimula estudos de universidades em Veranópolis. A Universidade Federal do Rio Grande Sul (UFRGS) por exemplo, trabalha atualmente em uma análise sobre a Doença de Parkinson e para isso convidou mais de 3,5 mil idosos veranenses a serem testados. Além disso, segundo Senger já há verba aprovada, de uma organização internacional, para avançar no diagnóstico precoce do Alzheimer.
— Essa é a função do Instituto, a população de Veranópolis incorporou que a pesquisa faz parte da vida deles, se orgulham disso e comparecem nos testes. A ideia é focar no diagnóstico precoce já neste segundo semestre do ano com os recursos da Alzheimer Association.