No dia 25, prefeitura e representantes dos moradores do Monte Carmelo, em Caxias do Sul, e dos donos dos lotes ocupados há cerca de oito anos se reunirão para uma nova tentativa de conciliação. O processo de reintegração de posse do loteamento tramita na 5ª Vara Cível de Caxias desde que os quatro proprietários dos lotes 7, 2 e 3 entraram com uma ação judicial para retomar as áreas, ainda no ano de 2004. A ocupação iniciou entre o final de 2003 e começo do ano seguinte com cerca de 100 pessoas.
No final de 2019, houve uma tentativa, sem sucesso, de conciliação. Recentemente, a prefeitura demonstrou intenção de compra dos lotes, evitando que os atuais moradores fossem despejados. Devido a esta sinalização do município, o juiz responsável pelo caso, João Paulo Bernstein, abriu a possibilidade de conciliação entre os quatro proprietários e os moradores. A audiência está marcada para 14h30min, no Fórum, e terá mediação do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc).
De acordo com o advogado das famílias proprietárias dos lotes, Claúdio Fichtner, esse acordo tem a intenção de deixar os moradores cientes da compra que a prefeitura está fazendo e, posteriormente, o devido pagamento ao município.
— Essa audiência do dia 25 de janeiro foi uma iniciativa dos proprietários e uma necessidade da prefeitura, a fim de que os invasores prestem sua expressa anuência quanto ao acordo extrajudicial que está sendo realizado entre os proprietários e o município de Caxias do Sul.
A prefeitura e os proprietários ainda não entraram em um acordo sobre valor e forma de pagamento dos lotes, segundo o advogado.
Cejusc aposta em conciliação para evitar um novo Caso Magnabosco
O coordenador do Cejusc, juiz Clóvis Mattana, destaca que dois integrantes especializados em negociações vão conduzir o encontro entre a prefeitura, os advogados Claúdio Fichtner, dos proprietários das áreas, e Rodrigo Balen, representando parte dos moradores, e a Defensoria Pública sendo representante dos demais. A expectativa é que cerca de 60 pessoas participem.
O objetivo, segundo o magistrado, é chegar em um consenso entre as partes para dar um ponto final à questão e evitar que o processo do Monte Carmelo siga os mesmos passos do Caso Magnabosco, em litígio há mais de 50 anos.
Na audiência, caso haja um acordo, será formado um Termo de Sessão, documento enviado posteriormente para a homologação. Ao ser aprovado pelo juiz se tornará um Título Executivo Judicial, com execução imediata dos termos ali descritos.
— Quando eu julgo um processo, na condição de juiz da 3ª Vara Cível, exerço atividade de Estado, profiro uma sentença num processo. Eu não sei quando que ela vai se tornar eficaz, porque está sujeita a recurso, pode ser improcedente ou pode ser confirmada. Eu não sei o que vai acontecer. Mas, quando autor e réu fazem um acordo e trazem para que eu homologue, aí, eu sei o quanto eles se comprometeram, eu faço ele (acordo) se tornar eficaz no mesmo momento — ponderou o magistrado.
Advogado de defesa dos moradores do loteamento tem boas expectativas para a audiência
O advogado Rodrigo Balen representa a maioria das famílias, cerca de 300, desde 2018. Mesmo que tenha surgido de uma ocupação, atualmente, as pessoas que residem nos três lotes, de acordo com o advogado, não são mais os originários e sim pessoas de boa fé que compraram de terceiros sonhando com a possibilidade de regularização fundiária do loteamento.
Rodrigo Balen explica que a prefeitura de Caxias já esta com o processo de compra dos terrenos em estado avançado. Devido ao anúncio público desta desapropriação e a garantia, por parte do prefeito Adiló Didomenico, de que haverá uma regularização do local, a expectativa de Balen é que haja um acordo na audiência do dia 25.
Após a homologação do acordo, caso haja um, Balen reunirá as lideranças do Monte Carmelo e discutirá o andamento do processo de regularização fundiária.
A Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul informou que é apenas curadora especial no processo e que ainda não teve contato com os assistidos que representa.
Prefeitura encaminhará pedido de desapropriação da área para aprovação do Legislativo
A prefeitura de Caxias já recebeu o aval do Conselho Municipal de Habitação para dar andamento ao processo de desapropriação dos lotes 2 e 3, somando cerca de oito hectares de área. Agora, falta a aprovação dos vereadores caxienses. De acordo com o secretário municipal de Habitação, Carlos Giovani Fontana, em fevereiro, assim que iniciar o ano legislativo, o processo será encaminhado para avaliação.
Fontana esclarece que a Secretaria Municipal de Planejamento (Seplan) já fez uma avaliação da área. Em paralelo, os proprietários dos lotes 2 e 3 fizeram uma proposta de venda. O secretário comenta que o preço pedido está dentro do valor avaliado. Sendo assim, no dia da audiência de conciliação, o poder público irá oficializar, judicialmente, a proposta de compra do loteamento Monte Carmelo.
De acordo com uma nota divulgada no site da prefeitura, o valor será pago pelo Fundo da Casa Popular (Funcap) . " O investimento do município para a desapropriação das áreas será de R$ 5,5 milhões, sendo R$ 4 milhões pagos com recursos do Fundo da Casa Popular (Funcap) e os R$ 1,5 milhão restantes quitados em índices construtivos aos atuais proprietários. Para esta etapa será necessário manifestação da Secretaria Municipal de Planejamento (Seplan)", diz o texto.
A expectativa do secretário de Habitação é que ainda no primeiro trimestre de 2023, a Câmara de Vereadores vote o projeto de desapropriação.
Entenda o caso
:: Entre o final de 2003 e começo de 2004, cerca de cem famílias deram início à ocupação de uma área, batizada como Monte Carmelo.
:: Em 9 de fevereiro de 2004, os proprietários dos lotes 2 (com 39,3 mil metros quadrados) e 3 (com 39,7 mil metros quadrados) ingressaram com uma ação de reintegração de posse na Justiça. Processo que tramita até hoje.
:: Dois dias depois (11 de fevereiro de 2004), os donos de uma outra parte da área (o lote 7, com 139 mil metros quadrados) também pediram, judicialmente, a reintegração de posse. Em maio (2004), obtiveram liminar pela reintegração.
:: Em 7 de julho do mesmo ano (2004), o então prefeito, Pepe Vargas (PT), declarou o lote 7 "de utilidade pública, para fins de desapropriação", "visando o assentamento de famílias para fins de habitação de interesse social". Como garantia, a prefeitura efetuou um depósito de cerca de R$ 390,3 mil.
:: Segundo os moradores, após a publicação do decreto houve um verdadeiro inchaço da ocupação, chegando a mais de mil famílias.
:: Em 22 de fevereiro de 2005, o município, já sob a administração de José Ivo Sartori (então, PMDB) requereu na Justiça a suspensão da desapropriação. O parecer do Ministério Público, à época, aponta comportamento contraditório por parte da prefeitura: "De um lado diz que não tem mais interesse na desapropriação; por outro, executa atos próprios de quem está imitido na posse do bem que, segundo o decreto, seria destinado à regularização do loteamento". Fotografias anexadas ao processo mostrariam máquinas da prefeitura realizando obras de arruamento, inclusive, com derrubada de árvores, no mês de junho de 2005, após a manifestação da desistência.
:: De lá para cá, a prefeitura teve de pagar aos proprietários pela área desapropriada (lote 7) – o valor foi superior a R$ 1 milhão – mas nunca colocou em prática o loteamento com habitações populares e a regularização fundiária.
:: Em dezembro de 2019, em audiência de conciliação na Justiça, com intermediação do Ministério Público Estadual, foi apresentada proposta para que os pouco mais de 300 moradores dos lotes 2 e 3 formassem uma cooperativa e adquirissem essas áreas pelo valor de R$ 9,7 milhões. Ficou agendada nova audiência para o dia 19 de março.
:: Em 25 de março de 2022, o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) liberou recursos que irão auxiliar na regularização de dois loteamentos em Caxias – R$ 5.824.950,00 para o Monte Carmelo.
:: Em 11 de janeiro de 2023, poder público municipal recebeu a aprovação do Conselho de Municipal de Habitação, de forma unânime, para desapropriar os lotes 2 e 3 do complexo, que juntos somam em torno de oito hectares. Para isso, deve destinar R$ 5,5 milhões.
:: De acordo com o presidente da Amob Monte Carmelo, Adroaldo Silva, cerca de 2 mil famílias moram, atualmente, no local.