O premiado programa Esse Terreno é Meu, criado pela prefeitura de Caxias do Sul em agosto de 2021 para regularizar terrenos que nunca tiveram as escrituras oficializadas tem um novo desafio no futuro: criar dispositivos que evitem que novas ocupações irregulares pipoquem pela cidade. Do contrário, a lei precisará voltar a ser editada para a entrega de títulos a quem está com as áreas irregulares hoje. Isso porque a legislação atual estabelece regularizações estabelecidas até 2018.
O Esse Terreno é Meu foi premiado na sexta-feira passada (11) com o Selo Verde Internacional no 2º Fórum Internacional de Cidades Sustentáveis (Fics), em Maceió (AL). O programa já entregou a documentação para 1,8 mil famílias. Para o secretário de Urbanismo, João Uez, a distinção reconhece o trabalho, que atende a uma demanda represada há quase 35 anos na cidade e dá luz às atenções para a urbanização sustentável:
— O programa vem andando a passos largos, já fizemos vários cadastramentos de áreas que aguardavam, como os loteamentos Centenário e Conquista, e agora, no começo de janeiro, vamos cadastrar mais um núcleo habitacional, próximo ao aeroporto, que abriga cerca de 490 famílias.
São passíveis de regularização núcleos urbanos consolidados que constem em imagens de satélite do ano de 2018, conforme previsto na Lei Municipal 657/2021. Em áreas públicas, o processo de regularização é realizado pelo próprio município. No caso de áreas particulares, a parte legitimada é representada pelos moradores e o município é, neste caso, o processante, responsável por analisar e aprovar as etapas de regularização.
Especializado em processos de Regularização Urbana Fundiária (Reurb), o advogado Rodrigo Balen tem atualmente 36 processos em andamento que tratam da regulamentação de lotes ao redor do município. A criação do programa Esse Terreno é Meu, segundo ele, foi fundamental para que os processos fossem acelerados em Caxias do Sul. Para Balen, com a oficialização do Selo Verde, o programa agora ganha status de defesa ao meio ambiente e olhos atentos para que as urbanizações não prejudiquem a natureza.
— O Selo Verde é fundamental porque a prefeitura tem que se ater a questões ambientais. O Reurb prevê a regularização do que está consolidado, mas é preciso haver uma atenção para que não haja uma perpetuação em cima de áreas de preservação permanente — explicou.
A partir de agora, critérios de edificação e fiscalização deverão ser ainda mais respeitados para que a distinção seja mantida pois, segundo Balen, a regularização de áreas que no passado foram urbanizadas de forma irregular não faz com que multas e remoções deixem de ser aplicadas.
— Não adianta ter títulos e não ter um meio ambiente sustentável. A remoção também faz parte da regularização — afirmou o advogado.
O discurso é alinhado com a Secretaria de Urbanismo, que diz manter a responsabilidade sob regularizações que cumpram com os critérios exigidos.
— A prova disso foi o reconhecimento. Se regulariza, mas se leva em consideração o ambiente do entorno, como áreas de encosta e de preservação permanente. Se regulariza com responsabilidade, dando condições de habitabilidade às pessoas — disse Uez.
Responsável pelos projetos de regularização fundiária, a diretora da Garden Projetos, Amanda Dalmás, credita o sucesso do Esse Terreno é Meu ao número de regularizações que voltaram a ocorrer em Caxias do Sul.
— Estava estagnado e, desde o programa, foi possível liberar. Tínhamos um passivo enorme. E é importante que é feito para áreas já consolidadas, que foram urbanizadas de forma irregular. É importante que não se permitam novas ocupações porque senão sempre estaremos em processo de regularização.
De acordo com a SMU, são 34 áreas a serem regularizadas em que a administração municipal possui parceria com o Ministério Público (MP). Nestas, não há custos para a obtenção do documento de propriedade, que leva em conta os levantamentos topográficos, ambientais e urbanísticos.
Para especialista, programa é ágil, mas precisa planejar o futuro
O professor da disciplina de Direito Ambiental e Urbanístico do curso de Direito da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Adir Rech, lista os méritos que fazem com que o Esse Terreno é Meu seja modelo nacional. Mas atenta para a responsabilidade do município em criar dispositivos que assegurem que novas ocupações irregulares não surjam em Caxias do Sul.
— Daqui para a frente se pressupõe que se evitem ocupações, planejando a cidade. Ele tem mérito de ser pioneiro, inovador e muito célere. Nenhum programa fez tantas regularizações em Caxias. Ele tem méritos e cumpre o que a lei estabelece — contou Rech.
No entanto, para Rech, é preciso atentar para o fato de evitar novas ocupações. Do contrário a lei precisará ser editada no futuro para entregar títulos de propriedade a moradores que vêm ocupando áreas irregulares no presente. Afinal, a legislação atual estabelece regularizações de áreas estabelecidas até 2018.
— Até agora, nenhum município que eu conheço apresentou uma proposta para evitar que novas irregularidades ocorram. A lei sinaliza que, além de regularizar, é preciso trabalhar o planejamento futuro para evitar que a cidade continue crescendo nas periferias — explicou.
O crescimento desordenado tem um motivo claro para o professor de Direito:
— Nosso planejamento é de exclusão social, não contemplamos nos projetos das cidades determinadas camadas da população que não tem condições de comprar um lote regularizado. O município tem que estabelecer zoneamentos especiais para as diferentes classes sociais. Só zoneamos para as classes média/rica para cima. E isso não precisa de dinheiro, precisa de planejamento, de estabelecer função social de espaços necessários ao tamanho dessa camada da população.