Vítimas de delitos passarão a contar com uma atenção diferenciada em Caxias do Sul a partir de outubro, quando será iniciado um programa da Promotoria de Justiça em parceria com a Polícia Civil e o Poder Judiciário locais. O projeto Nêmesis tem previsão de ser lançado ainda no final deste mês e pretende garantir o acesso de pessoas que forem alvos de crimes ao serviço de orientação. A ação é a continuidade de um projeto mais amplo de atendimento que já ocorre desde junho para instrução de vítimas em geral, buscando também priorização de ressarcimento de seus danos por meio dos Acordos de Não Persecução Penal (ANPP).
O incentivo para condutas que tivessem um olhar mais atencioso às vítimas de crimes originou o projeto local, o Nêmesis, articulado pela promotora de Justiça Alessandra Moura Bastian da Cunha. A estrutura garantirá o encaminhamento de atendimento pós flagrante, no qual a vítima poderá agendar, via delegacia, um horário para orientação presencial ou virtual a ser prestado na mesma semana pela promotora. Além disso, durante o processo, uma sala mais reservada, no Fórum, será exclusivamente destinada para uso da vítima que não quiser ter contato com o réu em dia de audiência.
— A vítima tem direito de não encontrar com o réu na audiência, mas acontece que, ao chegar no Fórum, enquanto aguarda, por exemplo, o réu passa algemado pelo corredor, podendo encontrá-la. Por isso teremos agora uma sala que poderá ser ocupada pela vítima. Estamos fechando parceria com estudantes de psicologia para que também participem deste acolhimento — explica a promotora.
Com experiência de 23 anos no Ministério Público, sobretudo na área que envolve processos criminais, Alessandra também entendeu a importância de institucionalizar o encaminhamento pós flagrante, via delegacia, ao serviço de orientação:
— A audiência de custódia (que garante ao acusado por um crime, preso em flagrante, o direito de ser ouvido por um juiz que avalia eventuais ilegalidades na prisão) foi trazida como obrigatória nos últimos anos para ouvir o acusado, mas a vítima, que não escolheu estar passando por tudo isso, não é ouvida da mesma forma naquele momento — aponta a profissional, que destaca a exceção do projeto aos casos enquadrados na Lei Maria da Penha, pois estes já contam com encaminhamento a serviços da rede de atendimento a mulheres vítimas de violência.
— A DPPA (Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento) vai atender ao fato, depois remete o registro para as delegacias. Quando os colegas, nos distritos, receberem estes flagrantes, a primeira coisa que vão fazer é contatar as vítimas e explicar que elas têm este projeto para atendê-las no Ministério Público. Elas agendam se quiserem, mas acredito que principalmente nos crimes contra o patrimônio, de roubo, haverá mais adesão, porque as vítimas têm medo de reconhecer os autores do fato, algo fundamental pra futuras condenações — explica o titular da Delegacia Regional da Serra, delegado Augusto Cavalheiro Neto.
Prioridade à vítima
Desde junho, quando a promotora Alessandra começou a sistematizar as orientações — prática que já realizava em determinados casos por ela atendidos — já foram realizados 20 atendimentos nos quais ela busca sanar dúvidas da vítima referentes ao processo, mostrando também as possibilidades que ela tem para garantia de seus direitos. A tendência é de que, a partir dos encaminhamentos, com o Nêmesis, o serviço tenha mais procura.
— É uma forma de priorizar a figura da vítima no processo, deixando ela mais segura pra que não se sinta, por uma segunda vez, vitimizada, já que o Estado a obriga a participar disso. O nome do projeto vem da deusa (da mitologia grega) Nêmesis, que por muitos era chamada de deusa da vingança, mas que, na verdade, era a deusa do restabelecimento do equilíbrio — explica.
Por meio de ANPP é possível que vítimas sejam ressarcidas de prejuízos, como explica a promotora. Esse foi o caminho apresentado a um casal de Gravataí que teve o carro roubado em março deste ano em Porto Alegre e que foi recuperado em Caxias do Sul. Eles foram chamados pela própria promotoria que, após ouvir as vítimas, buscará a negociação com o réu do processo, que responde por receptação.
O atendimento, que foi realizado na tarde desta quinta-feira (15) ao casal, também é uma forma de orientação, algo que o proprietário do carro, um idoso de 72 anos, sua esposa, de 69, e seu filho, de 46, sentiram falta desde que tiveram o bem levado por um assaltante.
— A gente registrou o boletim de ocorrência em Porto Alegre e disseram que avisariam quando e se o carro fosse recuperado. Ninguém explicou mais nada. Ele voltou com diversos danos e não sabíamos dessa possibilidade de ressarcimento. Quando recebemos a mensagem da promotoria achamos que era algum tipo de golpe — relata o filho, que assim como o pai e a mãe, preferiu não se identificar na entrevista.
Nesta semana, a a promotora também fez um atendimento referente a outro caso de roubo de veículo, em assalto a mão armada, no qual as vítimas não compareceram à audiência de reconhecimento, algo que, para a promotora, pode indicar medo de serem colocadas em contato com o autor do crime:
— Isso é muito comum em casos de roubo, por isso é importante termos essa rede de encaminhamento. Quando a pessoa é esclarecida sobre esses detalhes do processo e entende o papel dela, se sente mais segura até mesmo para contribuir com informações relevantes para solução do crime.
Atendimento
Mesmo sem encaminhamento institucional, qualquer pessoa que seja vítima em um processo que tramita em Caxias do Sul, independentemente da etapa na qual ele esteja, pode buscar esclarecimentos junto à Promotoria de Justiça. O contato para agendamento de atendimento pode ser feito pelo WhatsApp (54) 99600-9932.