A ausência de um paciente em consultas médicas agendadas é um dos principais problemas enfrentados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Além de tirar a chance de uma pessoa que está na fila, esse paciente gera prejuízos aos cofres públicos e afeta a todos os usuários da rede pública de saúde. Em Caxias do Sul, de janeiro a junho, 24.533 pessoas não compareceram às consultas marcadas. Se avaliar que os médicos atendem por quatro horas diariamente, e nesse tempo cada um atenderia em média 16 pacientes, é como se durante sete dias da semana tivesse um consultório aberto com um médico parado à espera de um paciente.
Hoje, no maior município da Serra, há 40,5 mil pessoas na lista de espera por consultas com especialistas. E o maior índice de ausências no primeiro semestre, 11%, é justamente para os atendimentos com especialistas. Os números gerais são referentes a horários marcados nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) com pediatras, clínicos gerais, médicos de Estratégia de Saúde da Família (ESF), ginecologistas e atendimentos com a enfermagem. As faltas ocorrem no dia a dia, nos mutirões da Atenção Primária nos postos de saúde e no de especialidades, no Centro Especializado de Saúde (CES), que são programados para sábados justamente para que as pessoas tenham a oportunidade de conseguir uma vaga.
Na atenção especializada, tanto nos mutirões quanto nas consultas regulares, a Central de Regulação Ambulatorial agenda o horário. Esse relatório é encaminhado à UBS de referência, que entra em contato com o paciente para que ele compareça no posto de saúde e retire a guia de agendamento. O documento apresenta o horário, data e local da consulta.
Essa é a confirmação de que a pessoa iria na consulta, segundo a diretora do Departamento de Avaliação, Controle, Regulação e Auditoria (Dacra) de Caxias do Sul, Marguit Meneguzzi. Ela afirma que o prazo entre entregar o agendamento e a consulta é de sete a 10 dias. Quando o paciente não comparece à UBS para retirar o agendamento, as equipes consideram uma desistência. Assim, essa guia volta para a Central de Regulação para que um novo paciente seja agendado.
— As pessoas têm dor e estão em uma lista de espera há seis meses, há um ano. Eu também ia querer brevidade, mas, pelo jeito, isso não é senso comum. Alguns talvez esperem tanto tempo que pensam que não precisam mais da consulta. Mas, se foi até a UBS, por que não comparece? — questiona Marguit.
Faltas em consultas com especialistas
Se o mutirão está programado para o sábado, as pessoas vão até o posto de saúde durante a semana a agendam os horários com antecedência. No dia marcado, a estrutura é toda preparada para a demanda e os servidores, inclusive, recebem horas-extras. Chama a atenção ainda que, pelos dados do município, o maior índice de faltas é registrado nas especialidades com maiores filas de espera. São elas: reumatologia, dermatologia, gastroenterologia, otorrinolaringologia e cirurgia geral:
— Na reumatologia, por exemplo, temos um profissional apenas. É uma especialidade de difícil acesso até mesmo no privado porque há poucos médicos atuando no mercado. São problemas crônicos que precisam de acompanhamento sempre, para a vida toda. Se tudo começa na consulta e mais de 24 mil pessoas faltam, elas comprometem todo o resto. A engrenagem tem que funcionar de forma conjunta — aponta a diretora.
O impacto de uma falta
Marguit reitera ainda que faltar a uma consulta provoca impacto em toda a rede pública, inclusive na fila de espera.
— Temos várias perdas: o tempo do médico, que ficou ocioso, perda de dinheiro público que pagou esse médico "para não fazer nada" porque ele não pôde atender outra pessoa já que não havia tempo hábil de chamar o próximo da fila, e o tempo da pessoa que ficou na fila e vai ficar ainda mais tempo esperando.
Para que o paciente perceba o impacto, a reportagem, com a contribuição da diretora, analisou os números para demostrar o que significa a falta de um paciente à consulta agendada.
- Considerando, que um médico do SUS trabalha 20 horas por semana e atende 80 pacientes e, em Caxias, no primeiro semestre, 24.533 pacientes faltaram às consultas médicas, significa que um médico teria que trabalhar 306 semanas para atender a todos esses pacientes.
- Analisando ainda que o ano tem 52 semanas, são necessários no mínimo, seis médicos de 20 horas durante um ano todo para recuperar as 24.533 consultas perdidas em um semestre. Sem contar as férias e folgas do médico.
- As faltas prejudicam quem está na fila de espera e geram retrabalho para os novos agendamentos. Isso consequentemente impacta em mais tempo de espera para quem precisa de atendimento.
Recomendações
- Se for faltar à consulta, a recomendação da prefeitura é avisar com antecedência. Caso o paciente não compareça e não avise, o médico tem que aguardar pelo próximo paciente. Se o usuário comunicar o CES ou a UBS onde marcou a consulta com pelo menos 72 horas de antecedência, há tempo hábil para que outro paciente seja avisado.
- O paciente que não comparece a um agendamento sem avisar também não pode marcar nova consulta diretamente com o especialista: ao invés de poder agendar um retorno em até 90 dias, como de praxe, ele precisa percorrer todo o caminho desde a UBS outra vez para um novo atendimento.
Números d o primeiro semestre
Para se ter uma ideia, o Mutirão de Consultas Especializadas realizado em 4 de junho teve 25% de faltas e, o da Atenção Primária, em 2 de julho, 15%. Em 2021, não foi diferente: 15% no primeiro Mutirão de Consultas Especializadas (em julho) e 14% no segundo (em setembro), além de 10% em cada um dos dois mutirões da Atenção Primária (em novembro e em dezembro).