O gaúcho enfrenta um desafio para manter à mesa um companheiro diário de receitas e refeições: o leite. Desde o início de 2022 o preço do produto disparou nas gôndolas e surpreendeu o consumidor, que, mesmo assim, não deixa o item fora da lista de compras.
Na Capital, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Diesse) a alta foi de 50% de janeiro a junho. Em Caxias do Sul, na maior cidade da Serra, o preço pago pelo leite subiu ainda mais, 77,83%. De acordo com o os dados do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais da UCS (IPE), em janeiro o preço médio do litro do leite era de R$ 3,35 nos supermercados caxienses. Passados seis meses, o valor médio é de R$ 5,97.
O aumento é expressivo também quando comparado de um mês a outro. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o leite longa vida subiu 10,72% de maio a junho deste ano, sendo o produto que mais contribuiu para que a alimentação no domicílio aumentasse 0,63% no último mês.
Para o sindicato das Indústrias de Laticínios do RS (Sindilat), que representa empresas em 458 municípios gaúchos, o reajuste deveria ter ocorrido ainda no ano passado, mas esbarrou no baixo consumo, obrigando o setor a recuar. Somado a isso, fatores climáticos como a estiagem no Rio Grande do Sul, e o excesso de chuva no Centro-Oeste, criaram o cenário que assusta os consumidores na hora de colocar o produto no carrinho.
Segundo o secretário executivo do Sindilat, Darlan Palharini, o atraso no repasse acabou represando a alta e faz com que o atual momento, de preços bastante elevados, seja único.
— São valores nunca antes praticados, é um momento inédito, mas o mercado está demandando. Se o mercado aqui não quer comprar, outros estados estão comprando porque não têm o produto — admite ao falar do alto consumo do leite, diferente de outros períodos de reajuste.
Palharini acredita que seja difícil a reversão dos preços, pois há mercado para a venda do produto.
— Não notamos, por parte de nenhuma indústria, que chegou no limite de preço. Realmente a gente já viveu momentos em que repassava valor, mas não na totalidade porque o mercado recusava, hoje não há essa recusa — conclui.
Os motivos de se pagar tão caro pelo leite são os mesmos quando citados por quem vende o produto na prateleira. De acordo com o Sindigêneros, que representa o setor supermercadista, a quebra de safra em estados como Goiás e Minas Gerais, foi de 25%. Para o presidente da entidade, Volnei Basso, o momento é difícil para os varejistas que precisam injetar dinheiro para fazer estoque.
— Todo ano tem uma elevação no período de entressafra, esse ano ficou acima da média. Existe um esforço muito grande da nossa categoria, estamos fazendo o possível pra segurar os preços um pouco abaixo e não repassar tudo aquilo que é necessário — desabafa.
Ao produtor, que lida com os custos de alimentação das vacas e dos insumos para cultivar o pasto, o reajuste repassado foi de 61% de acordo com o Sindilat. Para a entidade, esse aumento de renda faz com que o setor volte a cobrir os custos e até realizar investimentos, para aumentar a produção.
Em Vila Seca, na propriedade de Cátia Pasquali, 49 anos, as 60 vacas em lactação produzem 1,2 mil litros por dia e parte é vendida para uma Cooperativa. O restante é processado na agroindústria familiar para se tornar queijo e garantir a renda. A alternativa é mais rentável que os três centavos de lucro obtidos na venda do leite in natura. De acordo com Cátia, o custo por litro atualmente é de R$3,07. E a venda, negociada com a indústria, não passa de R$ 3,10 ao litro.
— O produtor do leite, produz porque ele ama produzir leite. Muita gente saiu da atividade, porque as coisas foram se avolumando, como a falta de chuva no verão, o custo da matéria prima, custo dos fertilizantes e a mão de obra cada vez mais escassa — conta.
De acordo com Cátia Pasquali, o aumento no valor repassado ao produtor foi de 30 a 35 centavos por litro, conforme a negociação. Mas "fazer sobrar", diante de tantos gastos é o desafio diário de quem trabalha com leite.
—É muita coisa para deixar pelo caminho, a indústria precisa da matéria prima, aí ela remunera um pouco melhor para não parar (a produção) — explica
Mesmo diante de tantos problemas ela afirma que ainda vê beleza em lidar com o leite.
— É prazeroso, adoro ver cada terneiro que nasce, analisar a qualidade do leite, ver o ultrassom de uma vaca prenha. Mas não é uma atividade que remunera bem. Por isso que a gente vê as propriedades sucateadas — finaliza.
Chá para substituir
No Centro de Convivência Capuchinhos, em Caxias do Sul, os estoques de leite baixaram drasticamente desde que o preço se elevou. Por lá são usados 10 litros de leite por dia, ofertados para os 45 idosos que chegam pela manhã e voltam para casa após uma pré-janta que precisou ser improvisada diante da realidade do preço.
— Começamos a substituir o leite pelo chá, mas a gente sabe que não sustenta tanto quanto o leite. Essa é a nossa realidade hoje — afirma a coordenadora do Centro mantido pela Associação Mão Amiga, Franciane Rocha que conta com doações da comunidade para manter o produto na dispensa.