A Hospedagem Solidária de Caxias do Sul, iniciativa voluntária da Pastoral de Pessoas em Situação de Rua, será acolhida no prédio da Mitra Diocesana, da Igreja Católica, no espaço em cima da antiga sede do Cursão, no Centro. Dois andares do edifício são disponibilizados para ação, que recebe moradores em situação de rua nas noites do intenso inverno da Serra. De acordo com o bispo diocesano, dom José Gislon, adaptações estão sendo feitas na estrutura para receber os acolhidos. A Mitra tomou a decisão após o projeto ficar sem local fixo na edição de 2022. Nas últimas semanas, a ação ocorreu de forma emergencial no salão paroquial do bairro Sagrada Família e na catequese de Nossa Senhora de Lourdes — que recebe as pessoas em situação de rua neste feriado de Corpus Christi.
Por conta de outros compromissos, os salões dos bairros Sagrada Família e Nossa Senhora de Lourdes não puderam sediar a ação em 2022. A expectativa é que o prédio da Mitra, cedido pela Catedral Diocesana Santa Teresa d'Ávila, fique pronto “o mais breve possível” para receber as pessoas. Inicialmente, o local deve servir de sede para a ação até setembro deste ano. O desejo é que as pequenas reformas sejam concluídas já na semana que vem.
— Nós não podemos deixar esse pessoal nesta situação, o inverno está aí e tem se manifestado. Penso que continuará bastante rigoroso. Eu acho que é um olhar para aqueles que estão nesta situação de rua, que às vezes perderam o encanto pela vida, perderam o ânimo de lutar pelas coisas e sonhar com um amanhã diferente. Mas, que eles ao menos tenham um olhar de caridade e compaixão da sociedade como um todo. Mesmo estando nessa situação de rua, eles continuam sendo seres humanos, eles continuam sendo filhos de Deus. Nós não podemos fechar os olhos do rosto e nem os do coração em relação a essa realidade que está aí para a gente na sociedade. A gente percebe que, às vezes, as pessoas veem eles na rua, mas não querem vê-los sendo assistidos ou agrupados para terem uma assistência. E acho que se nós os vemos na rua, temos que ter uma abertura de coração para fazer algo por eles, principalmente nesse momento de inverno. Mesmo que tenhamos críticas, nós vamos enfrentar essa situação como Igreja Católica, com a ajuda da sociedade — declara o bispo.
Os freis da Fraternidade O Caminho também ocuparão o prédio, para que possam auxiliar na Hospedagem Solidária. Os andares já contam com banheiros e terão instalação da parte elétrica e adaptação para uma cozinha. O ambiente também deve ter menos umidade e um bom espaço para instalação dos colchões.
— É importante conseguirmos abrir esse espaço com a ajuda da Catedral Diocesana, com o Conselho da Catedral, e assim proporcionar um espaço adequado para que eles não fiquem largados no tempo diante dessa realidade do inverno, que na nossa região se faz ainda mais forte — afirma Gislon.
Comunidade não aceitou receber projeto
O plano inicial para 2022 era de que a Hospedagem Solidária fosse realizada no salão da paróquia São Vicente. Porém, a proximidade do salão com o espaço cedido à Escola Municipal São Vicente de Paulo, no mesmo prédio da igreja, foi um dos motivos que gerou debates acerca da ocupação. Embora o serviço não funcione no mesmo horário das aulas, a construção de uma passarela, que isolasse a entrada dos acolhidos em relação aos estudantes, foi cogitada pela organização. Mas, o atraso para um acordo diante da urgência do início do serviço, frente às noites geladas que já vinham sendo registradas, levou a organização do projeto social a dar início ao acolhimento em locais emergenciais. As portas foram abertas no dia 20 de maio, no salão paroquial da comunidade Sagrada Família.
— A gente sempre organiza com antecedência mas, desta vez, por conta da demora na decisão da paróquia São Vicente, buscamos essas alternativas, de locais que exigem menos adaptação, mas que já estão com espaços locados para outras atividades — afirma a coordenadora da Pastoral, Teresinha Mandelli.
Segundo ela, o projeto, que chega a sua quinta edição na cidade, nunca tinha enfrentado este tipo de dificuldade e destaca que, mesmo assim, desde que foi iniciada a temporada, o atendimento, que funciona às noites — garantindo janta, abrigo para passar a noite e café da manhã — não chegou a ser interrompido. Desde então, segundo Teresinha, são atendidos, em média, 60 homens por noite. O projeto, que passará para o prédio da Mitra, reúne mais de 200 voluntários.
A Mitra Diocesana de Caxias do Sul, que administra as dependências do salão e igreja São Vicente, optou por não utilizar o espaço por conta da recusa da direção da Escola Municipal São Vicente de Paulo (que inicialmente teria aceitado, mas teria mudado de ideia) e pela reação negativa da comunidade em receber o projeto. Tratativas sobre o assunto chegaram a ser realizadas, envolvendo, inclusive a prefeitura, que esteve presente em duas reuniões, tendo em vista a proximidade com a escola, que é da rede municipal. Por meio de assessoria, o Poder Executivo tinha afirmado, apenas, que a área em questão é da Mitra (inclusive onde está a escola), e que caberia exclusivamente a ela a decisão de colocar a hospedagem ali ou não.
A presidente da Fundação de Assistência Social (FAS), Katiane Boschetti, também foi contatada pela reportagem e destacou o trabalho conjunto de um grupo chamado "Unidos Contra o Frio" que vem sendo realizado em parceria, da assistência municipal com iniciativas voluntárias da cidade, visto que a capacidade de oferta de abrigos do município é menor do que a demanda por este tipo de atendimento.
— Para nós, enquanto município e Fundação é extremamente importante poder contar com a Hospedagem Solidária, como contamos nos demais anos, visto a intensidade do frio. É uma união de esforços para poder cuidar da população de rua no inverno — afirma Katiane.