No dia 25 de agosto de 2022, o médico Droanle Chavez Casas, 42 anos, que atende, pelo menos, 24 pacientes ao dia na Unidade Básica de Saúde (UBS) Campos da Serra, em Caxias do Sul, ficará desempregado. Ele está entre os 15 médicos do município que, até o final de agosto, terão encerrados os contratos de dois anos firmados com o Governo Federal pelo Programa Mais Médicos para trabalhar na atenção básica em saúde do município. Segundo dados do Ministério da Saúde, 19 profissionais atuam na cidade pelo programa, que existe desde 2013, mas que está sendo gradativamente substituído pelo Médicos pelo Brasil, proposta lançada em 2019 pela atual gestão federal. Até o momento, está previsto o envio de apenas quatro médicos para a cidade neste novo modelo de contratação.
— Em 1º de setembro, Caxias do Sul vai amanhecer com 15 médicos a menos. Nem todo mundo pode ter um plano de saúde, a população caxiense precisa de nós. Eu gostaria muito de ficar para fazer o que eu amo, e para que quando as pessoas cheguem aqui precisando, tenham um médico esperando por elas — afirma Casas, que é cubano e está no Brasil desde 2016, quando foi destinado a atuar pelo programa em Recife (PE).
Em Caxias do Sul, o médico atende desde agosto de 2020, após chamamento pelo 20º ciclo do programa, que previa duração de dois anos, sem possibilidade de prorrogação. Este ciclo destinou à cidade os 15 médicos cubanos, que agora terão de deixar o serviço.
A exemplo local, o Mais Médicos registra alto índice de contratação de cubanos, mas tem em seu regramento a preferência garantida aos médicos brasileiros.
— A questão é que o médico brasileiro não vai para lugares onde se precisa médico. Vai para algum canto onde possa ter uma vida economicamente melhor. Por isso, há cidades e interiores que ficam sem médico. A gente não está aqui pelo dinheiro, mas porque ama a medicina. Essa troca vai trazer um buraco enorme para a assistência médica daqui — completou o médico.
Formado em medicina na cidade de Havana, ele conta que passou por uma capacitação para integrar o programa e que, já em solo brasileiro, cursou uma pós-graduação em atenção básica, cumprindo uma das exigências do Mais Médicos, que é a manutenção dos estudos na área de atuação, em cursos vinculados a universidades brasileiras, que incluem avaliações mensais.
Com a intenção de permanecer atuando no Brasil, onde é naturalizado e vive com a esposa — uma enfermeira brasileira que conheceu no Recife —, Casas realizou o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de Educação Superior Estrangeira (Revalida). Ele foi aprovado em 2021 na prova que reconhece os diplomas de médicos que se formaram no Exterior e querem trabalhar no Brasil e diz que ainda aguarda trâmite burocrático para registro junto ao Conselho Regional de Medicina (CRM), algo que também é exigido para prestar concurso no novo programa federal, o Médicos pelo Brasil.
— Vai ser complicado para Caxias porque esses médicos que sairão em agosto, com o fim do ciclo, deveriam ser substituídos pelo mesmo número de profissionais, mas não têm profissionais suficientes neste novo programa e isso cria um problema — avalia o médico Yamil Sanchez Santiesteban, 40, que integra o grupo de médicos cubanos na cidade.
O profissional saiu de Cuba com especialização em medicina comunitária e, assim como o colega Casas, cumpre horário de estudos durante a permanência no programa. Agora, busca a revalidação do diploma, seguida do registro, para continuar atuando no Brasil. O resultado da última prova prestada no final de semana está previsto para sair em setembro.
Até o final de agosto, Santiesteban segue como médico contratado para atuação em uma das equipes de Estratégia de Saúde da Família (ESF) da UBS Parque Oásis, com atendimento a, pelo menos, 24 pacientes por dia, além das demandas de urgência que eventualmente são recebidas.
Procurada pela reportagem, ainda na terça-feira (28), para um posicionamento a respeito dos impactos da troca de programas estipulada pelo Governo Federal, a delegacia local do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), emitiu uma nota na qual a entidade afirma acreditar que, aos poucos, as vagas serão supridas. Leia na íntegra:
"O CREMERS entende que é benéfico ter médicos brasileiros formados por faculdades brasileiras, que melhora a qualidade do atendimento e que através da prefeitura e do próprio programa, aos poucos as vagas serão supridas."
"Isso só vai piorar", diz paciente
Para Franciele Alves, 32, usuária do Sistema Único de Saúde (SUS) em Caxias do Sul, a perspectiva de redução de médicos atendendo nas UBSs preocupa, inclusive porque um dos médicos compõe a equipe da unidade Campos da Serra, onde ela esteve na manhã desta quarta-feira (29) buscando atendimento para uma dor de ouvido e de garganta. Franciele foi atendida por Casas.
— Fui muito bem atendida, sempre me medica certo e nunca tive problemas. Às vezes tem poucas vagas para atendimento. Se reduzir a quantidade de médicos, isso só vai piorar — avaliou a moradora do bairro, que também utiliza o serviço público de saúde para os filhos de oito e 16 anos.
Menos médicos, menos equipes
Para além da redução da quantidade de médicos disponíveis nos postos de saúde, a perda de outros profissionais que compõem as equipes de ESFs também é motivo de preocupação para a população caxiense. Segundo o presidente da Comissão de Saúde e Meio Ambiente do Legislativo caxiense, vereador Rafael Bueno, a maioria dos médicos cubanos que terão contratos encerrados, atua com ESF e, a partir do desligamento, também são diluídas as equipes compostas por técnicos de enfermagem, enfermeiros e agentes de saúde.
— Estive em Brasília ainda em março para tratar sobre isso, porque é algo que pode impactar toda a questão primária, uma vez que o número de equipes também diminui. Sabemos que este é um serviço importante, porque sem atenção primária o paciente muitas vezes precisa peregrinar até encontrar um médico, demorando para conseguir tratamento para um quadro que pode ficar agravado — observa o vereador.
Ele destacou, ainda, que em ida à Brasília, o prefeito Adiló Didomenico buscou soluções para evitar redução de profissionais no município. O prefeito retornaria à tarde para Caxias do Sul e, segundo informações divulgadas pela prefeitura, uma agenda cumpridas na Capital Federal foi com o deputado Lucas Redecker (PSDB), buscando emendas parlamentares para o Fundo Municipal da Saúde e para a assistência social do município. Adiló também realizou a entrega de um ofício, que será protocolado junto à bancada gaúcha na Câmara dos Deputados, buscando o apoio dos parlamentares para que Caxias do Sul não tenha redução no número de profissionais na substituição do programa Mais Médicos pelo Médicos pelo Brasil.
Os impactos gerados à cidade pela troca dos programas foram tratados por representações da Saúde do município em audiência pública que estava marcada para a tarde desta quarta-feira (29), na Câmara de Vereadores (Sala Geni Peteffi).