Habituada a frequentar bailes voltados à terceira idade, a aposentada Iraceli Comerlato, 74 anos, teve uma experiência diferente na noite do último sábado (4), em Caxias do Sul. Acompanhada dos netos Thales, 27 anos, Augusto, 25, e Pedro, 18, ela foi uma das frequentadoras da Level Cult, casa noturna localizada na Estação Férrea, em São Pelegrino, criada para atender ao público LGBT+ e que costuma receber, tradicionalmente, jovens e adultos para dançar e se divertir ao som de DJs que tocam música pop, funk, entre outros ritmos.
Bem humorada e boa de conversa, a caxiense Iraceli disse ao Pioneiro que o convite para ir até a casa noturna surgiu horas antes da festa, quando ela e os netos estavam jantando em uma pizzaria da cidade. Naquela noite, ela estava disposta a ir para casa e dormir mais cedo que o costume porque queria estar nas arquibancadas do Estádio Alfredo Jaconi para torcer pelo Juventude durante a partida contra o Fluminense na manhã de domingo (5). Mesmo assim, cedeu ao apelo dos netos e de outros amigos da família e seguiu junto com eles para a casa noturna que até então nunca havia entrado.
A experiência foi tão legal, segundo ela, que eles esqueceram a hora combinada de voltar para casa:
— Meus netos diziam "vamos, vó, vai ser legal, tu vais gostar". E eu pensei na hora: meu Deus, eu no meio dos jovens, não sei como vai ser. Mas eu adorei, quero ir mais vezes porque me diverti um monte, voltei a ser jovem. Queria ter ficado até umas 2h, para eu poder ir no jogo, mas saímos às 3h30min da madrugada — recorda.
Seja na pista de dança ou na área externa da casa noturna, a aposentada relembrou que se divertiu, dançou a maior parte do tempo e acabou ocupando um espaço de destaque da festa. Tanto que foi tietada por dezenas de frequentadores que queriam tirar uma foto com a avó na balada. A movimentação exigiu até mesmo que, em determinado momento, ela retirasse o agasalho que vestia para ir até a casa noturna.
"Nunca aprendi a fazer crochê e tricô", diz ela
Preocupada com a saúde, ainda mais em uma noite fria, ela precisou adaptar o vestuário.
— Eu estava dançando no meio dos meninos (netos), me deu um calor e tirei (o casaco) um pouquinho, mas eu tinha uma blusa mais quente para não correr o risco de pegar uma gripe — conta.
Frequentar uma balada na Estação Férrea pode ter sido novidade para ela, mas o mesmo não se pode dizer de outras casas noturnas. Iraceli conta que gosta de reunir as amigas e sair nos sábados à noite para frequentar locais como Chardonnay e Libertá — que costumam divertir o público com músicas tradicionalistas gaúchas e também com apresentações ao vivo. Quando era mais nova, aos 18 anos, segundo ela se recorda, festejava o Carnaval nos tradicionais clubes de Caxias do Sul, como o Reno, o Recreio Guarany, entre outros. Iraceli diz que naquela época ela iniciava os festejos na sexta e encerrava somente na terça-feira da semana seguinte.
Para a aposentada, que dispensa o rótulo de uma nona que o senso comum pode nos fazer imaginar, ser idoso atualmente requer mais o envolvimento com atividades que visam o entretenimento e a diversão, mantendo a mente ocupada e permitindo uma vida ativa mesmo para quem já passou dos 70 anos.
— Eu gosto muito de dançar, tomar uma cerveja para alegrar, me comporto muito bem (risos). Vou para a praia, gosto de jantar, ver futebol, onde me convidam eu vou. Durante o dia, limpo a casa, mas também tem os momentos em que fico olhando as mensagens no celular, mexendo nas redes sociais. Nunca aprendi a fazer crochê e tricô, por exemplo. Tenho muitas amigas da minha idade e nós tentamos nos programar para sair juntas. Para a cabeça, é muito bom — recomenda.
"Talvez a vó não tenha feito tantas fotos e abraçado tantas pessoas em um único lugar", conta neto
Thales, um dos netos responsáveis por levar a avó para a balada, conhece a casa desde 2012, quando foi inaugurada e, mesmo não sendo um frequentador assíduo nos últimos anos, contou que não se lembra de ter visto um idoso ou idosa na pista de dança. Para ele, o fato, por mais inusitado que seja, ajuda a mostrar como as pessoas de idades diferentes podem se divertir ocupando o mesmo espaço.
— Foi uma experiência inesquecível pra nós. Talvez a vó não tenha feito tantas fotos e abraçado tantas pessoas em um único lugar. Muita gente queria conversar com ela, desejando saúde e ficando feliz em ver a vó junto com os jovens. E foi algo que ela gostou de fazer, de estar ali e ficamos felizes também. As pessoas têm envelhecido de forma diferente e a vó mantém uma rotina de se divertir, ter uma rotina própria, ter os gostos e amores dela, e isso faz bem para todo mundo — conta.
Pessoas de todas as idades são bem-vindas na Level, segundo a responsável pelo espaço, Lídia Ribeiro. Acima de 60 anos, o público é isento do pagamento do ingresso e também não precisa ficar na fila aguardando a entrada no local.
— A Level é de todos e para todos. Por isso, todas as idades acabam se sentindo em casa. Não é de frequência diária que este público vem para a Level, mas sempre que escolhem a casa para se divertir é uma alegria tanto para eles, cliente e equipe. A casa é para todos, desde que estes saibam respeitar o próximo — afirma.