Um caso incomum foi encerrado pela 4ª Vara Cível da Comarca de Caxias do Sul após mais de três anos do processo tramitando no judiciário. Uma mulher de 61 anos se comprometeu, na audiência de conciliação realizada em 13 de abril deste ano, a não voltar a realizar rituais religiosos de matriz africana em frente a um cartório de registro de imóveis no centro da cidade. Com o acordo entre as duas partes, homologado pela juíza Claudia Bampi, o processo que pedia indenização de R$ 50 mil por danos morais foi encerrado sem que fosse necessário qualquer tipo de pagamento ao autor da ação.
O processo teve origem em 26 de novembro de 2018 e foi movido pelo registrador Manoel Valente Figueiredo Neto. Ele responde pelo cartório de Registro de Imóveis da 2ª Zona de Caxias. Neto relatou, nos autos do processo, que durante diversas manhãs encontrou sacos e punhados de terra na porta do estabelecimento. Folhas com palavras escritas também foram deixadas, sem que houvesse a leitura do conteúdo. Ao consultar as câmeras de monitoramento, ele verificou que os rituais eram realizados por uma mulher e uma outra pessoa. Uma ocorrência na Polícia Civil também foi registrada na época.
—Ele (Neto) acreditou que esses rituais eram para ele. Por isso, ficou abalado. Não era na rua que essas simpatias eram feitas, eram na porta do cartório. Para ele e os colegas acessarem o local, precisavam passar por essas simpatias quem eram deixadas ali. Foram várias formas reiteradas que aconteceram e o que motivou a ação —explica a advogada de Manoel, Viviane Suzin Miorelli.
Sobre a indenização de R$ 50 mil, a advogada explica que esse foi o valor arbitrado no processo para que a prática em frente ao cartório fosse coibida.
— A intenção com o processo é para que fosse cessado isso (rituais) na frente do cartório. Meu cliente respeita a religião, não é contrário, mas o que incomodava era que o fato acontecia na porta do cartório e em diversas oportunidades. Ele e os funcionários acabavam ficando constrangidos. Sempre buscamos a conciliação, o processo acabou se estendendo em razão da pandemia, mas entendemos que o acordo era a melhor saída — afirma Viviane.
A mulher de 61 anos é a umbandista Tereza Wibelinger Ritter, que faz rituais religiosos de matriz africana há mais de 10 anos. Ela também preferiu conversar sobre o caso com a reportagem por meio do advogado Daniel Bertoletti. Ele explicou que Tereza foi contratada por uma pessoa para realizar o ritual em frente ao cartório. O objetivo era que a oferenda pudesse agilizar a venda de um terreno registrado no local. Não há informações se o referido imóvel foi vendido com a ajuda do ritual.
Ainda segundo o termo da audiência, ao longo dos últimos três anos em que o processo tramitou na Justiça, Tereza afirmou que não voltou mais a realizar os rituais em frente ao cartório.
— É o trabalho dela (fazer rituais). Ela foi solicitada para auxiliar na venda de um imóvel e, por isso, colocava punhados de terra em frente aos cartórios para que isso pudesse agilizar nas negociações. Ao que consta no processo, foram três oportunidades em que esse ritual foi realizado no cartório em si — explicou.
Segundo o advogado, a defesa também buscou, ao longo do processo, um acordo para resolver o litígio. Bertoletti explica ainda que o valor da indenização solicitada pelo autor chamou a atenção.
— É uma pessoa (Tereza) de poucas posses e o valor mexeu com ela, assustou um pouco. A melhor maneira era resolver por meio de um acordo, que foi o que aconteceu e que buscamos ao longo do processo — relata.
A mediadora da conciliação, juíza Claudia Bampi, contou que, com duas décadas como magistrada, mas apenas há apenas seis meses em Caxias, essa foi a segunda vez que mediou uma ação envolvendo a realização de rituais de matrizes africanas. O primeiro caso foi em outra comarca e também foi resolvido com um acordo em uma audiência.
— O autor (do processo) manifestou seu respeito em relação à religião da demandada, mas se sentia incomodado em encontrar o material utilizado na porta do seu estabelecimento. A demandada (Tereza) entendeu a situação e se comprometeu em não repetir o ato naquele local, embora tenha deixado claro que em nenhum momento quis atingir o autor — sintetiza.
De acordo com a juíza, o diálogo e a disposição entre as duas partes foram fundamentais para encerrar o processo.
— Acho que foi a melhor forma para resolver um conflito desta natureza e minha percepção foi de que ambos saíram satisfeitos em encerrar o litígio daquela forma, após ser oportunizado o diálogo em audiência realizada de forma presencial — explica a magistrada.