Caxias do Sul está prestes a completar três anos sem um juiz titular no Juizado da Infância e da Juventude (JIJ), após a saída de Leoberto Brancher, em 2019, para assumir como desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). A consequência da falta de um magistrado dedicado exclusivamente à vara reflete, principalmente, na celeridade de demandas consideradas não urgentes, como vagas em escolinhas públicas de Educação Infantil. O juizado soma, atualmente, mais de 3 mil processos ativos.
Desde maio de 2019, o JIJ está em regime de substituição permanente, cujas demandas são atendidas há 14 meses por Sérgio Fusquine Gonçalves, titular do Juizado Especial Cível — a quem, portanto, são direcionados os processos dos dois juizados.
Após a saída de Brancher, Carl Olav Smith foi promovido como titular no Juizado da Infância e da Juventude de Caxias do Sul mas, segundo a direção do Fórum, não chegou a assumir o cargo e as demandas da vara, pois foi convocado a compor o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em Brasília. Diante desta convocação, não há data para que o juizado volte a ter um titular:
— De acordo com a lei, estando convocado, o juiz não perde a sua vaga de origem, no caso o Juizado da Infância e da Juventude. De modo que, terminando a convocação ou sendo ele desconvocado, volta para a sua vaga de origem. Por isso, o Tribunal não pode abrir novo edital para essa vaga, permanecendo a Vara em regime de substituição — explica o diretor do Fórum de Caxias, João Pedro Cavalli Júnior.
Ao Juizado da Infância e da Juventude compete, por exemplo, processos de adoção, avaliação de situações envolvendo jovens infratores, vagas em creches e tratamentos de saúde relacionados a crianças e adolescentes.
No entendimento do diretor do Fórum, o cenário ideal é que cada vara possua seu juiz titular:
— Porque se o juiz acumula jurisdições, ele tem que dividir o seu tempo que, afinal de contas, é limitado. Em tese, a substituição é uma jurisdição que trata mais das emergências. Não conseguimos dar o mesmo andamento a todos os processos. Vamos identificando o que é mais urgente — afirma Cavalli.
O juiz-corregedor do TJRS André Sal Soglio Coelho justifica que o juiz convocado ao CNJ Carl Olav Smith poderá se remover do cargo de Caxias em um próximo edital, o qual ainda não tem data para ser lançado.
— Então, a vaga será oferecida para provimento (vinda de outro magistrado) — resume.
Falta de juiz titular reflete em demandas da FAS
A falta de juiz titular no Juizado da Infância e da Juventude (JIJ) ocorre em um momento em que o município vê crescer o número de crianças que são afastadas das famílias de origem e acolhidas pelo poder público. Segundo dados da Fundação de Assistência Social (FAS), de outubro de 2021 a fevereiro deste ano, foram 86 novos acolhimentos — sendo 36 deles somente nos dois primeiros meses de 2022.
Apesar de exaltar o bom relacionamento e os esforços da equipe técnica do JIJ, a diretora do núcleo de acolhimentos institucionais da FAS, Ingrid Bays, reconhece que o andamento dos processos poderia ter mais celeridade a partir de um magistrado dedicado exclusivamente às demandas da vara.
A partir do trabalho da FAS, juntamente com o Juizado da Infância e da Juventude, as crianças e adolescentes acolhidos pelo poder público podem retornar à família de origem (via acolhimento de avós, tios, etc.) ou serem encaminhadas para famílias substitutas (adoção).
— O doutor Fusquine acaba tendo o dobro da demanda. Obviamente que, por mais que tenhamos a questão da prioridade, acaba tendo um tempo hábil que o processo vai ficar parado em função das atribuições que ele divide. Imaginamos que, tendo um titular ou o doutor Fusquine assumindo a titularidade, poderíamos pensar em uma maior agilidade no andamento de casos. Ultrapassa a questão de força de vontade que há hoje — aponta Ingrid.
Para a diretora da FAS, outra alternativa que vem sendo amplamente defendida é a divisão do JIJ em dois, o que não faria apenas que mais um juiz pudesse dar andamento aos processos, como também incluiria mais uma equipe para o atendimento das demandas.
— Para além de termos um juiz titular, a gente pensa, juntamente com a promotoria, que seria muito importante termos dois Juizados da Infância e da Juventude em Caxias do Sul. Haveria uma equipe técnica a mais, com mais assistentes sociais e psicólogos, o que seria fundamental — avalia Ingrid.
A existência de duas varas que atendam demandas de crianças e adolescentes também é defendida pela promotora Simone Martini, da Promotoria Regional de Educação em Caxias:
— Há muito tempo Caxias já poderia contar com dois Juizados da Infância e Juventude, separando a atuação judicial referente aos feitos que se referem à proteção da infância e juventude e outro para atuar nos processos que envolvam atos infracionais praticados por adolescentes. (...) Por exemplo, a possibilidade de um outro juizado implica em aumento na assessoria dos magistrados, o que é mais impactante do que propriamente um juiz titular — defende a promotora.
A respeito da sugestão da FAS e da promotoria para que o Juizado da Infância e da Juventude possa ser dividido, o juiz-corregedor do TJRS André Sal Soglio Coelho diz que não é uma possibilidade avaliada no momento pois "o volume processual do JIJ de Caxias não é muito grande. E criar outro juizado dividiria o trabalho em dois", justificou.
"O tempo é menor e os casos são mais complexos e numerosos", avalia juiz substituto
Desde fevereiro do ano passado atuando como substituto do Juizado da Infância e da Juventude (JIJ), o juiz Sérgio Fusquine conta que as demandas de crianças e adolescentes acabam sendo tão delicadas e urgentes que ele age praticamente como um juiz titular da vara. O magistrado responde, em sua origem, pelo Juizado Especial Cível (pequenas causas).
Fusquine detalha que a demanda do JIJ aumentou na pandemia. Hoje, o juizado soma 3.236 processos ativos, número considerado elevado por ele mesmo.
— As famílias se desestruturaram, se desorganizaram. Houve aumento de consumo de drogas, de doenças mentais. Houve aumento de pobreza. É uma série de situações que acabam repercutindo tanto na violência quanto na falta de proteção dos adolescentes e crianças. Eu já fui titular do JIJ, então, posso fazer uma comparação. Agora, o tempo é menor que eu tenho para me dedicar e os casos são mais complexos e numerosos — destaca.
Acompanhe a entrevista completa:
Pioneiro: Como funciona o atendimento de uma vara em regime de substituição? É necessário dar prioridade para algum tipo de processo? Se sim, quais?
Juiz Sérgio Fusquine: No meu caso, eu sou titular do Juizado Especial Cível. Como regra, o titular tem que priorizar sua titularidade e naquela vara que ele está substituindo dar um apoio, auxílio. Mas não daria o mesmo atendimento que dá para a sua titularidade. Agora, tem uma peculiaridade no JIJ (Juizado da Infância e da Juventude) que 90% dos casos são de urgências urgentíssimas. Então, eu tive que modificar a minha rotina de trabalho e, na prática, eu sou mais titular no JIJ do que na vara em que sou titular.
Quais seriam estas urgências?
São os pedidos de acolhimento institucional. Ou seja, aquelas medidas em que as crianças e os adolescentes são retirados de um lar por alguma situação de perigo e vão para alguma instituição. São situações de extrema urgência, onde precisamos deliberar para qual abrigo vai, se vai realmente para um abrigo, se há a possibilidade de um familiar extenso, por exemplo, um tio, avô ou um irmão assumir. Temos que fazer a jato, contando em horas, e não em dias. Outra medida envolve os adolescentes em conflito com a lei que estejam internados provisoriamente. Temos 45 dias desde a apreensão do adolescente até a sentença. São 45 dias, contando o sábado e o domingo, que temos para decidir. São situações como essas que precisamos muita agilidade e que necessitam da presença física do juiz fazendo uma audiência. Demanda muito tempo.
Há quanto tempo o senhor está na substituição do JIJ?
Desde fevereiro do ano passado, há 14 meses. A gente tem que fazer o máximo, mas, evidentemente, que não é a mesma coisa de ter uma atenção exclusiva. Chega uma hora em que tu não consegues abraçar todas as situações da mesma forma. Como regra, a gente substitui duas vezes no ano uma vara por férias de um titular. Aí, sim, fazemos uma substituição mais curta, de um mês, fazendo as audiências mais urgentes. Agora, quando você faz uma substituição mais longa, de um ano ou dois, você acaba virando, na prática, um titular, que projeta para o futuro uma série de coisas. Eu só torço para que venha logo um titular, porque não é adequado. É humanamente impossível e o prejuízo acaba sendo na ponta, no usuário.
A FAS e a promotoria defendem a divisão do JIJ...
Acho que Caxias do Sul, por ter mais de meio milhão de habitantes, por ser um polo em que muitos dos atendimentos de saúde e serviço social as comarcas vizinhas se socorrem, acho que merecia dois juizados. Porto Alegre, por exemplo, tem juizado só para cumprir medida de adolescentes em conflito com a lei, outro só para examinar acolhimentos, um só para examinar questões envolvendo medicamentos. Lá, eles conseguem especializar. Aqui era para termos dois titulares, fazendo um trabalho de excelência. E, na verdade, estamos sem nenhum titular, apagando incêndios. E para que fique bem claro não é que eu esteja criticando o Tribunal, é uma situação que se pôs (em relação à convocação do juiz Carl Olav Smith ao CNJ, a qual impede que outro magistrado assuma a titularidade do juizado).
Apesar dos seus esforços e da equipe, podemos considerar que existem processos com andamentos mais lentos, então?
O que eu posso garantir é que os processos que estão na urgência conseguimos dar dedicação quase que idêntica a da titularidade. O que tem menos urgência acaba sendo atendido com um tempo maior do que era a média.