O juiz Leoberto Brancher, 57 anos, ex-titular do Juizado da Infância e Juventude de Caxias do Sul, assumiu nesta segunda-feira (24) como desembargador do Tribunal de Justiça (TJ). É o ponto alto de uma carreira que se iniciou em 1990 em Dom Pedrito, na fronteira com o Uruguai, e teve importante passagem por Caxias, com a criação de um programa inédito de pacificação no país.
Brancher não irá embora da cidade serrana, onde reside com a esposa e advogada Denise, 47, e duas filhas. Também não é sua intenção ficar afastado dos ideais de pacificação, contudo, deixará de ter uma relação direta no combate à violência juvenil, função que desempenhava havia muitos anos. Como desembargador na Capital, dedicará a maior parte do tempo para processos relacionados ao direito privado na 15ª Câmara Cível, área oposta.
O mais conhecido legado do magistrado é a liderança na implantação do conceito da Justiça Restaurativa (JR) em órgãos públicos e comunidades, método que prega a reparação de danos no lugar da simples punição. Vista com desconfiança por setores mais conservadores, a ideia teve grande adesão em escolas, em instituições privadas e no Ministério Público e Poder Judiciário. Até mesmo o sistema prisional tem optado por estimular a reflexão de autores de crimes violentos. O engajamento de Brancher e de diversos seguidores dele tornou Caxias referência internacional na área e chamou a atenção da ONU.
Sem o juiz à frente do movimento de pacificação, uma das perguntas é sobre quem assumiria voluntariamente o papel em Caxias. Há diversos nomes citados pelo próprio magistrado, mas ele prefere apostar nas relações horizontais proporcionadas pela formação de mil voluntários da Paz e pelo comprometimento de promotores, juízes, professores e diversos outros profissionais que se dedicam de alguma forma à pacificação seja por resolução própria ou por meio do conselho gestor do Programa Caxias da Paz. Satisfeito com a implantação do programa municipal em 2014, o juiz admite uma certa inquietação com o atual estágio da iniciativa no município. Para ele, houve redução de investimento do Executivo, esvaziamento forçado desde 2017 com a saída de servidores cedidos pela prefeitura. A promessa da Secretaria Municipal de Segurança Pública e Proteção Social é reorganizar o setor e selecionar uma nova instituição para gerir o programa.
— Não tenho desesperança, em razão de ser lei municipal, de estar incorporado e ter esse leque de parcerias institucionais que validam o programa — ressalta Brancher.
Histórias para contar
A passagem do juiz pela cidade e por outras comarcas vai além da Justiça Restaurativa e envolve a coordenação de programas de impacto no cotidiano da juventude e suas famílias.
Não apegado ao trabalho de gabinete, o catarinense de Capinzal mudou-se para o Estado para assumir como magistrado numa época em que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estava sendo gestado. Era 1990, tempo em que a resposta contra a violência juvenil incluía espingardas calibre .12 e cadeia, medidas que não surtiam qualquer efeito além de gerar mais agressividade. O magistrado admite que não sabia nada do assunto até começar a se inteirar da mobilização nacional.
— Naquele tempo, vinham a toda hora perguntar o que fazer com os menores — lembra.
Ao se aprofundar, o juiz descobriu uma bandeira. A implantação do estatuto em Dom Pedrito foi bem sucedida. Por intermédio de um palestrante, Brancher se viu dentro de um grupo de trabalho na Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho e participou de uma campanha estadual. Em 1995, foi transferido para Caxias do Sul para assumir o recém lançado Juizado Regional da Infância e da Juventude. De primeira, revogou a polêmica Lei das Onze. Pela determinação, menores de 18 anos não poderiam ficar nas ruas desacompanhados depois das 23h em Caxias, medida adotada em função dos conflitos de turmas rivais e da morte de um adolescente. Uma era chegava ao fim. Para Brancher, o infrator de hoje tem o mesmo perfil de 20 anos atrás, a única diferença é o apelo do tráfico de drogas.
Em Caxias, foi consultor do reordenamento das políticas locais, com a extinção da Comissão Municipal de Amparo à Infância e criação da Fundação de Assistência Social (FAS). Outra ação com parceria do magistrado envolveu a abertura do ambulatório para vítimas de maus-tratos, que se transformaria no atual Apoiar, voltado para crianças e adolescentes. Brancher deixou Caxias em 1998 e retornou em 2011. De 2014 a 2016, atuou como coordenador do Programa Justiça Restaurativa para o Século 21 do TJ, voltando para o Juizado da Infância em 2017, função que deixou no primeiro quadrimestre. Para convencer as pessoas sobre a pacificação, ele aposta numa receita.
— Precisamos ter histórias para contar, não podemos ficar restrito aos debates.